No dia onze de setembro de 2001, menos de oito meses após a posse de George W. Bush, as televisões de todo o mundo possuíam suas câmeras voltadas para o céu de Nova York. Naquela oportunidade, aviões da United e da American Airlines cruzaram o horizonte da cidade em direção às torres gêmeas do World Trade Center (WTC). Dois Boeing 767 atingiram os prédios localizados em Manhattan.
Mais tarde, o mundo seria informado de que outros dois aviões haviam desaparecido de suas rotas originais. Um Boeing 757 teve como destino o prédio do Pentágono, enquanto outro 757, o famoso voo United 93, seria derrubado no espaço aéreo do estado da Pensilvânia. Seus passageiros renderam os terroristas e decidiram se sacrificar para que a aeronave não chegasse a seu destino, a Casa Branca ou o Capitólio.
As torres do WTC desabaram diante dos olhos do mundo ainda naquele dia. Após algumas semanas, saberíamos que quase três mil pessoas de múltiplas nacionalidades (oriundos de quase 80 países diferentes) foram vitimadas naquele evento, entre elas, 400 oficiais da polícia e bombeiros de NY.
Apesar da grandiosidade do atentado, houve certa demora no reconhecimento de sua autoria. A experiência de Oklahoma fez com que um ataque interno não fosse descartado de imediato. Porém, as suspeitas maiores que circulavam junto à imprensa ao longo do dia, jogavam luzes sobre grupos radicais islâmicos, mais precisamente a Al-Qaeda.
A Al-Qaeda não era um nome estranho aos noticiários americanos. Surgida ainda no contexto da Guerra Afegã-Soviética, em 1988, e liderada pelo milionário saudita Osama Bin Laden, o grupo terrorista já havia atuado contra os EUA em 1998. No dia 07 de agosto daquele mesmo ano, dois caminhões bomba atacaram as embaixadas americanas na Nigéria e da Tanzânia.
Porém, a ligação do onze de setembro com os eventos de 1998 são mais claras do que parecem. Afinal de contas, o ataque às embaixadas ocorreu no mesmo dia e mês em que se deu o desembarque de tropas americanas na Arábia Saudita, em 1991. Segundo a Al-Qaeda, por ser o país ao qual abrigava as principais cidades islâmicas, Meca e Medina, a presença permanente de “infiéis” em território sagrado era uma violação à sua crença. Assim, os ataques do onze de setembro também serviam como uma retaliação aos invasores.
Na noite daquele onze de setembro, entretanto, George W. Bush dirigiu-se à nação ainda sem saber quem eram os autores do ataque e suas motivações. Em discurso televisionado diretamente do Salão Oval da Casa Branca, o presidente destacou que aquele era um ataque contra os valores americanos, pregou a união e jurou retaliação direta contra quem fosse necessário.
No plano interno, o apelo deu certo. Alessandro Shimabukuru destaca que as
diferenças de opinião sobre temas como o aborto, embriões congelados para pesquisa com célula tronco, e mesmo a controversa eleição do presidente Bush […] foram deixadas de lado. A noção de uma América Conservadora e uma América Liberal […] passou a ser ignorada: agora havia apenas uma América (SHIMABUKURU, 2009, p.163).
Este senso de união se refletiu, também, no aumento de doação de sangue, no número crescente de voluntários mobilizados para missões de buscas a desaparecidos, doações de dinheiro a famílias de vítimas e a celebração de cultos ecumênicos.
A ideia de uma América unida facilitou a produção de um cenário dicotômico e maniqueísta. A hesitação em apontar um culpado, os rumores de que a responsabilidade recairia sobre grupos islâmicos e o uso de termos como Cruzada contra o Terror, reforçaram alguns preconceitos dos americanos contra as populações muçulmanas nos EUA. Porém, ainda que a religiosidade cristã fosse um caráter marcante do governo Bush, já em 17 de setembro, durante uma visita a uma comunidade islâmica de Washington, o presidente fez questão de ressaltar a diferença entre os grupos terroristas e aquilo que ele chamou de “a verdadeira fé do Islã”.
Ainda que o atentado representasse uma das maiores falhas de inteligência da história dos EUA, o número de pessoas que acreditavam no governo e nas instituições também aumentou. Com isso, cerca de 90% da população americana disse concordar com a forma pela qual o presidente Bush conduzia a crise, sua popularidade saltou para 80% e 65% dos americanos diziam ser favoráveis a uma guerra caso fosse necessária. E ela seria.
Por conta disso, o atentado de onze de setembro colocou rapidamente um fim nos planos de menor intervenção global de George W. Bush propagados durante as eleições, obrigando-o a aderir ao multilateralismo, buscando apoio junto à comunidade internacional para organizar uma “guerra contra o terror”.
No dia 20 de setembro, o presidente dos EUA foi ao Congresso e, durante seu discurso, fez uma intimação à comunidade internacional, classificando o momento como um conflito entre civilização e barbárie. Portanto, quem não estivesse ao lado dos americanos, seriam considerados bárbaros. A declaração de guerra se deu contra a Al-Qaeda e seus aliados, agora sim, alvos oficiais do governo.
Desde 1996, após abandonar o Sudão, o grupo de Osama Bin Laden encontrava guarida no território do Afeganistão, dominado pelo Talibã (grupo dissidente do Mujahideen). Assim, os “Estados Unidos exigiram do regime do Talibã […] que abandonasse imediatamente seu apoio à Al-Qaeda desmontando todos os acampamentos de treinamento de grupos terroristas e que entregassem Bin Laden […] e demais líderes integrantes do Al-Qaeda” (SHIMABUKURU, 2009, p. 169).
Assim, no dia 07 de outubro de 2001, teve início a uma operação batizada com o nome de “Liberdade Duradoura” que contaria com a aprovação por unanimidade do Conselho de Segurança da ONU. Conforme explica Cristina Pecequilo (2003, p. 383), nesta intervenção três objetivos foram estabelecidos como prioritários: a destruição da Al-Qaeda e do Talibã, a reconstrução política e econômica do Afeganistão e a eliminação do terrorismo em escala mundial.
A invasão ao país rendeu vitórias rápidas para os EUA que contou com o apoio de forças da OTAN. Com a derrubada do Talibã, um governo provisório foi estabelecido, contando com o suporte de mais de quarenta países para a implementação do projeto de reconstrução nacional. Entre os planos americanos, estavam o de se estabelecer um governo estável na região, ao mesmo tempo em que um exército nacional seria formado sob auspícios dos americanos, com o envio de armamentos e a realização de treinamento de suas tropas.
Além do impacto externo e o reposicionamento dos EUA no cenário Global, o onze de setembro também teve consequências dentro do território americano. Para além do espírito de união, algumas medidas foram tomadas para combater os possíveis aliados internos do terrorismo. Entre tais providências, destaca-se o USA Patriot Act de outubro de 2001.
A lei aprovada pelo Congresso deu ao governo poderes de atuação no combate ao terrorismo doméstico sem precedentes na história do país, incluindo a autorização para a espionagem de e-mails e a interceptação telefônica (sem a necessidade de mandados para isso), bem como a expansão da cobertura de câmeras de segurança e fiscalização.
Neste contexto, ao menos cinco mil pessoas que possuíam ligações “suspeitas” com o Oriente Médio foram convocadas para prestar esclarecimentos ao serviço secreto dos EUA. Desses, mais de 1200 “suspeitos” foram presos, permanecendo em cárcere sem qualquer tipo de acusação.
Além do Ato Patriota, no bojo das novas regulamentações antiterror, também foi criado o Departamento de Segurança Doméstica (Office of Homeland Secutrity) com o objetivo de articular as ações de combate ao terrorismo interno.
Na esteira dessas transformações, as leis de imigração também sofreram um impacto. A ideia de que árabes e terroristas eram “sinônimos” entre a população comum, fez com que este status de suspeito fosse estendido a outros grupos de estrangeiros não brancos, entre eles, os latino-americanos (ROMERO, 2018). Conforme observa Pecequilo (2005, p. 382),
as divergências relativas à aprovação dessas medidas, assim como as dificuldades associadas à sua negociação, revelaram algo mais preocupante sobre os EUA do que as suas reações externas pós atentados: a permanência de profundas fissuras internas. Episódios que indicam uma total identidade entre as posturas dos partidos majoritários são esporádicos, resumindo-se a questões pontuais e diretamente relacionadas à guerra anterior (Grifos Nossos)
As aparentes vitórias no Afeganistão, o aumento da aprovação popular do presidente, a pressão dos grupos econômicos que davam suporte ao governo e a conivência da comunidade internacional, fez com que os EUA colocasse em prática uma segunda etapa de seu plano de combate ao terror. Em um verdadeiro acerto de contas com o passado, Bush resolveu colocar um ponto final em um problema “mal resolvido” por seu pai. A guerra escalaria, então, para um novo patamar, mas o adversário seria um velho conhecido: Saddam Hussein.
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Referências
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. 2 ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005.
ROMERO, Luis A. & ZARRUGH, Amina. “Islamophobia and the making of Latinos/as into terrorist threats”, In: Ethnic and Racial Studies, 41:12, 2235-2254, 2018.
SHIMABUKURU, Alessandro. O Impacto do 11 de setembro sobre a política, religião e sociedade nos Estados Unidos. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da (org). Uma nação com alma de Igreja: religiosidade e políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
Onze de setembro | Nerdologia
https://www.youtube.com/watch?v=ul7qtxAMwNI&t=335s
Terrorism, War, and Bush 43: Crash Course US History #46