Quando decidi dedicar algumas semanas a conhecer o Reino Unido, sabia que encontraria pela frente um país com uma história de grandes feitos – e grandes nomes- no campo da ciência. Tinha noção de que a cidade de Londres abrigava marcos históricos, como os túmulos de Isaac Newton e Charles Darwin, assim como um aclamado Museu de Ciência. Nada disso, no entanto, pôde me preparar para o impacto que senti quando, desavisado, me deparei com o Museu de História Natural de Londres.

Um museu para os feitos humanos…

Inicialmente, minha companheira e eu havíamos planejado dedicar um dia inteiro a visitar o Museu de Ciência, sobre o qual havíamos recebido recomendações exaustivas.  Foi apenas nos preparativos para essa visita, lendo placas e mapas já em solo britânico, que descobrimos que o prédio vizinho ao Science Museum abrigava um tal de Natural History Museum, que até então não nos havia sido mencionado. “Que conveniente”, pensamos, enquanto passávamos pelo prédio sem dar muita atenção. “Quem sabe nós damos uma olhadinha nele no fim do dia?”.

Adentramos, assim, o Museu de Ciência, e devo admitir aqui que a visita a ele foi ligeiramente decepcionante. Não que o museu seja pobre ou mal estruturado, muito pelo contrário. Ele é majestoso. Mas o que encontramos lá dentro foram motores, carros, pontes, aviões, foguetes, computadores e naves espaciais. O Museu de Ciência de Londres parece querer contar unicamente uma história de feitos humanos, de modo que acaba passando muito mais como um museu de tecnologias do que de ciência propriamente dita.

 

 

Um módulo de reentrada no Science Museum

E onde, então, estariam os fósseis, os dinossauros, as descobertas que transcendiam a existência humana? Ficava claro que o que buscávamos provavelmente se encontraria no prédio ao lado. E, nos valendo do fato de que a maioria dos museus londrinos têm entrada gratuita, rumamos para lá.

… E um museu para o que nos fez

Adentramos a primeira porta que encontramos, sem saber que ela estava muito longe de ser a entrada principal do Museu. E ainda assim, logo ao chegar, fomos saudados pelo esqueleto de um Estegossauro, deixando claro que estávamos finalmente no lugar certo. Os mapas, em display, expostos nas paredes, apontavam para tantas exibições diferentes, e potencialmente incríveis, que foi difícil saber por onde começar.

Esqueleto de Estegossauro no Museu de História Natural

 

Decidimos avançar contiguamente e explorar o museu sem um plano muito definido.  Passamos primeiro por uma exibição sobre os seres humanos primitivos, repleta de fósseis e de modelos muito realistas, que nos permitiam adquirir uma noção mais clara, por exemplo, sobre as diferenças entre o Homo Sapiens e os Neandertais.

Seguimos, e as referências a seres inusitados começaram a se tornar cada vez mais frequentes. Após passarmos por uma vitrine com diversos modelos realistas de animais extintos recentemente, como o famoso dodô, chegamos a um amplo corredor, e casualmente nos deparamos com o esqueleto de um megatério, a preguiça gigante, fazendo companhia a uma coleção de fósseis de pliossauros.

 

Megatério e Pliossauro no Museu de História Natural

Nesse momento, duas coisas começavam a ficar claras a respeito do Museu de História Natural. Primeiro, que havia uma separação e uma complementaridade claras entre ele e o Museu de Ciência, que agora parecia óbvia, mas que não podíamos imaginar antes de sequer saber da existência do Museu de História Natural.

Segundo, que o lugar parecia mais do que apenas um prédio que abrigava um museu. Parecia haver muito cuidado e atenção aos detalhes na forma como suas exibições eram dispostas e encadeadas. E ainda estávamos prestes a sentir todo o impacto disso.

Avançamos por mais corredores com fósseis diversos e passamos por algumas exposições de perfil mais voltado ao público infantil, falando por exemplo sobre o funcionamento do corpo humano e sobre o universo dos artrópodes. Foi quando nos deparamos com uma indicação para o saguão principal do museu, e entendemos finalmente que havíamos entrado praticamente pelos fundos dele. E conforme cruzamos o portal para adentrar seu ambiente mais icônico, fomos tomados por uma enxurrada de estímulos, que nos deixaram por um bom tempo sem fôlego.

 

A chegada ao saguão principal do Museu de História Natural

Sua majestade, a Evolução

A começar pelo óbvio e inescapável: o majestoso esqueleto de uma baleia azul que, suspenso por cabos, pairava sobre quase toda a extensão do saguão, dando a dimensão de como seria estar cara a cara com o maior animal da Terra.

Depois de algumas voltas com os pescoços inevitavelmente voltados para cima, finalmente começamos a abaixar os olhares, e a perceber que a majestade daquele ambiente se encontrava, na verdade, em todas as escalas.

Olhando ao redor, começamos a perceber diversas pequenas galerias em torno do salão, como se fossem capelas adjacentes à nave de uma catedral, contendo fósseis de animais igualmente impressionantes, como um mastodonte e alguns dinossauros de médio porte.

 

Esqueleto de mastodonte no saguão principal

Olhando em direção ao lance de escadas que levava ao mezanino, alguns metros acima do nível do térreo, nos deparamos com a estátua de um senhor idoso e muito elegante. De pernas cruzadas e olhar penetrante, Charles Darwin observava a todos que estavam ali contemplando Evolução.

 

Charles Darwin observa a todos

E por fim, olhando atentamente para as paredes, pilares e portais, começamos a encontrar figuras de animais e plantas esculpidas na própria pedra. Inicialmente, pensamos se tratar de detalhes pontuais, com um macaco esculpido aqui, algumas cobras ali. Isto é, até aguçarmos o olhar e finalmente entendermos que eram centenas, talvez milhares de espécies diferentes representadas em pedra, e ornamentando o prédio como se fossem gárgulas.

Posteriormente, avançaríamos para além desse saguão, e nos depararíamos com uma exibição muito completa sobre dinossauros, contendo diversos fósseis, displays e reconstituições, incluindo crânios de um tiranossauro e de um triceratops. Encontraríamos também o Darwin Centre, ala do museu dedicada à exibição de espécimes em conserva, incluindo um molusco que foi catalogado pelo próprio Linnaeus, o pai da taxonomia, no Século XVIII.

 

Animal catalogado por Linnaeus em 1758

E ao longo desse caminho, agora sem desgrudar os olhos das paredes, pudemos perceber que apenas a ala mais moderna do prédio não era ornamentada com as inúmeras esculturas de animais e plantas, que posteriormente descobrimos estar separadas entre espécies vivas, na ala Oeste, e espécies extintas, na ala Leste. O impacto causado pelo saguão principal do museu tinha sido forte demais, e nos vimos obrigados a retornar a ele.

Muito além de um museu

Subindo as escadas guardadas pela escultura de Darwin para explorar o mezanino, encontramos ainda outro elemento assombroso. No lado oposto do saguão, jazia o enorme corte transversal do tronco de uma sequoia gigante, a maior espécie de árvore a habitar a Terra. E então as peças começaram a ficar mais claras.

 

Tronco de sequoia gigante no saguão principal

No saguão principal, rodeados por gárgulas de diversas espécies vivas e extintas e fósseis de animais magníficos do passado, tínhamos o pai da Evolução, acompanhado da maior espécie animal que conhecemos, e da maior espécie vegetal. Quando começamos a finalmente refletir sobre a forma como o Museu de História Natural foi cuidadosamente construído e disposto, se tornou difícil afastar da mente as comparações com arquitetura de cunho religioso.

A sensação era como se os vitorianos, que projetaram e ergueram o prédio no Século XIX, tivessem pegado emprestada toda a estrutura simbólica que rege a construção de um templo, como a Abadia de Westminster ou a Catedral de St. Paul, e apenas substituído os signos cristãos por elementos que fizessem referência à Evolução e, enfim, à História Natural.

Estavam lá os elementos majestosos que nos obrigam a olhar para cima e nos sentir diminutos. Estavam lá imagens que contam a história da vida na Terra de maneira cronológica e meticulosamente disposta. Estavam lá, cuidadosamente posicionadas, as referências aos homens e mulheres que se dedicaram a trazer tudo isso ao nosso conhecimento, com o devido cuidado de se conferir um destaque especial àquele que talvez seja o maior de todos nesse sentido.

Completamente arrebatados, saímos do museu já ao apagar das luzes, e com a certeza de que, com todos esses elementos somados, o Museu de História Natural de Londres era muito mais do que um ambiente de aprendizado e troca de informações.

Talvez adoração não seja a palavra, pois ela subentenderia um certo desligamento do senso crítico. Mas certamente podemos dizer que o museu foi construído com o intuito de levar seus visitantes a sentirem reverência pela Evolução, como fenômeno e como campo da ciência.

E ele cumpre esse papel magistralmente.