Talvez o título seja um pouco exagerado, mas será que não estamos negligenciando a relevância social da fofoca? Todo dia a gente lida com boatos, maledicência e motoboys de treta (o famoso leva e traz); também vivemos os julgamentos sociais sobre o conteúdo da fofoca, quem a faz e sobre a pessoa-alvo. O que leva a pensar: como esse comportamento, aparentemente nocivo, ainda perdura? Teria ele alguma função com valor de sobrevivência?

Antes da gente aprofundar nossa fofoca – ops – conversa sobre esse assunto, é interessante observar as variações no estudo do tema de acordo com as áreas de conhecimento. Por exemplo, pesquisas em Antropologia e Sociologia tendem a atribuir à fofoca um status de mantenedora de grupos. Já na Psicologia, ela é estudada como atitude individual e são investigados seus efeitos em situações específicas, como no ambiente de trabalho.

Os achados sobre o assunto são curiosíssimos! Por exemplo, uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Amsterdan apontou que cerca de 90% das conversas empresariais podem ser classificadas como fofoca. Um outro estudo apresentou como resultado que 14,7% dos emails corporativos podem ser qualificados da mesma forma.

Mas será que todo mundo faz esse tanto de fuxico todo dia? É aqui que o bicho pega, porque não há uma definição-padrão do que é a fofoca, então cada autor e campo do conhecimento vai adotar um conceito e isso pode gerar números que impressionam – como os do parágrafo anterior.

Dando nome aos bois

De acordo com o dicionário Michaelis, o substantivo fofoca é definido como “1 Ato ou efeito de fofocar; futrica, fuxico, intriga. 2 Comentário desairoso ou maldoso sobre a vida de outrem; bisbilhotice, dito, mexerico. 3 Afirmação ou imputação baseada em suposições; boato, especulação. 4 Cochicho ou comentário em segredo sobre alguém. ”

Já quando pesquisamos o significado do verbo fofocar, no mesmo dicionário, obtemos: “1 Fazer fofoca (s); fuxicar, mexericar, bisbilhotar. 2 Tornar públicos segredos, confidências ou intimidades de outrem; 3 Conversar, às ocultas, sobre assuntos da vida alheia; falar mal dos outros. ”

Apesar das mil e uma definições que o termo pode ter, algumas características são essenciais para definir se aquele babado é ou não fofoca:

– Ausência do alvo na conversa, o famoso “falar pelas costas”;

– Falta de informação sobre o tema, o que facilita a inserção de “meias verdades”;

– O conteúdo envolve algum julgamento moral de quem conta e/ou quem ouve;

– Dificuldade de controlar ou resistir a participação nesse tipo de conversa.

Vemos então a ênfase de que a fofoca envolve falar sobre outras pessoas na sua ausência, ainda que não se saiba sobre a veracidade do que é dito e se tenha consciência de que o comentário pode gerar mil tretas. Mas é interessante perceber que geralmente apontamos as causas da fofoca à personalidade ou caráter daquele que a faz. Se todos nós fazemos fofoca em algum momento, somos mau caráter? Talvez a questão não seja bem por aí…

É absolutamente comum que a gente incentive ou puna determinados tipos de comportamentos de acordo com as nossas normas culturais. Diferentes grupos vão ter concepções distintas do que é ou não socialmente aceitável, e dessa forma as ações daquele indivíduo são moldadas – ou como dizemos na Análise do Comportamento, modeladas –, aproximando-se do “cidadão ideal”.

Se o fofocar é um comportamento tido como negativo – socialmente falando –, então como ele se mantém? É mais simples do que parece: se um modo de agir perdura é porque possui (ou já possuiu) alguma função naquele contexto.

Evoluímos porque fofocamos ou fazemos fofoca porque evoluímos?

Nem o ovo, nem a galinha. Não venho trazer respostas, mas apenas alguns caminhos possíveis que podem ajudar a entender como nos mantemos fofoqueiros. Para isso, vamos precisar voltar bastante no tempo, nas épocas em que nossa espécie vivia em pequenos grupos, nos quais se destacavam os hábeis fisicamente.

Considerando esse contexto, ter informações sobre o local onde estavam – ou aonde queriam ir –, saber algo a respeito dos inimigos ou dos aliados era muito útil, podendo servir de moeda de troca em várias situações.

Junte a isso o fato que a fofoca é uma forma de se obter informações, então é possível deduzir que havia uma maior vantagem ao estar em posse de dados que pudessem ser explorados na obtenção de algum tipo de vantagem. Ou seja, segredos, escândalos e informações negativas à imagem de um indivíduo do alto escalão social e/ou rivais eram uma boa carta na manga.

Já outros estudos sugerem ainda que a fofoca favoreceu a formação e consolidação dos vínculos intragrupais, principalmente se a gente levar em conta que os mexericos orientavam sobre as normas sociais, códigos e regras implícitas – já que quem pisava na bola era alvo dos comentários.

Além de tudo isso, saber algo sobre alguém aumentava as chances de predizer seu comportamento. Assim, afirma-se que a sociedade, nos moldes em que a conhecemos, só é possível graças à fofoca.

E quando fofocar se tornou algo tão negativo? Mais uma vez eu não trago respostas [eu sei, já estou ficando chata com esse papinho], mas teoriza-se que esse fenômeno esteja ligado a noção de ócio e o emprego da linguagem para fins “não tão nobres”, sendo considerada uma perda de tempo e adquirindo conotação negativa.

Já descobrimos então as principais funções da fofoca: comunicar informações relevantes à manutenção – inclusive de poder – de um determinado grupo; é uma ferramenta de aprendizagem das normas sociais, favorecendo a coesão; e também fortalece a autoestima por meio da comparação moral, a famosa sinalização de virtude por você cumprir certas normas sociais enquanto outras pessoas não o fazem – e isso pode explicar porque falar da vida alheia às vezes é tão gostoso!

A fofoca é boa ou má? O veredicto!

Depois desse tanto de argumento sobre as funções dos mexericos, será que posso mostrar quando fofocar pode ser positivo? É isso mesmo! Em 2012 foi publicado um estudo no Journal of Personality and Social Psychology apontando para diminuição do estresse e manutenção do bom convívio social como resultados da fofoca.

Ei, calma aí, não é tudo tão lindo assim! A pesquisa falava sobre um tipo específico de buchicho: o de aviso. Basicamente foram criadas algumas situações de jogos para testar variáveis relacionadas ao grau de estresse perante trapaça, cooperação e altruísmo. Em algumas delas havia um participante burlando as regras e os voluntários poderiam avisar aos outros, mas isso gerava prejuízos no joguinho.

De modo geral, mesmo sabendo que o jogador desonesto não iria ser punido, os voluntários optavam por avisar aos colegas, reduzindo assim os níveis de ansiedade. O mais curioso é que até pessoas com baixos níveis de altruísmo e cooperação tinham um comportamento semelhante, mais generoso do que o mensurado nas entrevistas anteriores – talvez pela ameaça do falatório iminente.

A fofoca, incluindo a maledicente, possui diversas funções adaptativas e pode ser boa ou ruim a depender do contexto e do referencial de análise – só lembrar que um mexerico sobre um artista pode alavancar sua carreira ou ajudar a afundá-la. Aqui não há lição de moral e sinto muito se você veio a procura de explicações sobre o caráter, personalidade ou autoestima que transformem alguém imediatamente em fofoqueiro. Isso não existe! Todo mundo, em algum momento, já fez ou espalhou uma fofoca. Inclusive você, meu querido alecrim dourado! Cabe a nós entender as funções desse comportamento para saber lidar melhor com isso que nos faz tão humanos: falar da vida alheia.

 

 

REFERÊNCIAS:

BEERSMA, B.; VAN KLEEF, G. A. Why People Gossip: An Empirical Analysis of Social Motives, Antecedents, and Consequences. Journal of Applied Social Psychology, online, v. 42, ed. 11, p. 2640–2670, 2012. Disponível aqui. Acesso em: 23 out. 2020.

GOUVEIA, V. V. et al . Escala de atitude frente à fofoca: evidências de validade e confiabildade. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 31, n. 3, p. 616-627,    2011 .   Disponível aqui. Acesso em:  23  out..  2020

LIMA, P. de;  CARDOSO, L. Estudo Sobre As Estratégias Da Família Kardashian-Jenner Por Trás Da Gravidez De Kim, Kylie E Khloé. Diálogos Interdisciplinares8(9), 55-74. Disponível aqui. Acesso em: 23 out. 2020

PERIN, T. Fofocar faz bem pra você. In: Superinteressante, 2018. Disponível aqui. Acesso em: 23 out. 2020.

PRADO, A. C. Fofocar pode fazer bem (dependendo das suas intenções). In: Superinteressante, 2016. Disponível  aqui. Acesso em: 23 out. 2020.

University of California – Berkley: Gossip can have social and psychological benefits. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 23 out. 2020.

VIEIRA , R. A. O efeito do reforçamento diferencial no fofocar como comportamento verbal. Orientador: Dr. Carlos Augusto de Medeiros. 2010. Trabalho de conclusão de curso (Obtenção do grau de Psicólogo) – Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Brasília, 2010. Disponível aqui. Acesso em: 23 out. 2020.