Hey, Judes, como estão?
Dessa vez vamos falar sobre o tal do mimimi e a violência trazida a reboque consigo. Afinal, quem nunca leu ou ouviu alguém falando sobre essa geração ser mimizenta ou então que “tudo agora é mimimi”? Até o humor vira fundamentação argumentativa quando, por exemplo, se ouve por aí que o politicamente correto acabou com a graça, com o chamado humor negro, como se a esfera do humor fosse um ambiente sem limites para tirar o riso alheio.
Como assim chamar fulano de “viadinho” virou ofensa? Não pode mais chamar fulano de petróleo ou carvão? Não pode mais dizer tal ou tal atitude é coisa de mulherzinha? Pessoal não entende mais uma brincadeirinha. Não se pode nem dizer que é um país de maricas que já levanta um para reclamar se sentindo doído. Um grande absurdo dessa gentalha mimizenta! É… um absurdo…, mas não.
Aproveitando o gancho da palavra “gentalha”, tão popularizada em nossos ouvidos pelos personagens d. Florinda e Kiko, evocamos a concepção do filósofo franco-magrebino Jacques Derrida de que a língua é um limite do acolhimento, mas também uma forma de colonialismo, guardando relação com a antinomia (contradição), presente em seu trabalho O Monolinguismo do Outro, justamente pelo monolinguismo em que se pressupõe uma língua minha, mas toda língua é proveniente de outra, a língua do outro. Essa dominação, representada através da linguagem, se observa na consideração da semântica e da morfologia das palavras que podem denotar uma violência velada, cuja intensão se manifeste em subordinar o outro. Pensando nas próprias palavras “gentalha” e “subordinar”, vemos um sufixo e um prefixo de origem latina que indicam tom pejorativo e inferioridade respectivamente.
Essa brevíssima análise vai ao encontro de Derrida na noção de colonialismo quando pensamos na raiz da nossa língua (latim) falada pelo Império romano que se expandiu por boa parte do continente europeu assim como na concepção de que a língua também constrói a noção de mundo. Voltando a um tempo um pouco mais recente, ao menos em termos históricos, um ótimo exemplo é a língua portuguesa falada no Brasil que se constituiu a partir do português lusitano com incontáveis contribuições tupis, nagôs, guaranis, bantus, iorubá, etc.
Essas são absorções tão ou mais violentas que as testemunhadas por Derrida que ainda se pode conectar a esses exemplos pela sua busca por ser o franco-magrebino por excelência. Isso porque, para ele, ocupava um limbo em que não era francês nem magrebino, uma vez que nascera em família judaica em território islâmico e, apesar de ter ido para Paris, não era francês. De modo semelhante, africanos e indígenas foram postos no limbo linguístico e territorial pelo dominador europeu. Por outro lado, podemos perceber também que nem sempre a violência se manifesta belicosamente como no caso do imperialismo cultural e a inserção cada vez maior de termos ingleses no cotidiano.
A representatividade dos referidos personagens do seriado Chaves vai além da escolha de palavras. Pois ambos podem vir a ser a projeção do que se instituiu chamar classe média brasileira: vivem em uma vila; dependem de pensão de um servidor público, cuja morte influiu diretamente no padrão de vida deles; tentam se “ajuntar” com outro (aparente) funcionário público a fim de recomporem o padrão de uma família tradicional e se distanciarem cada vez mais da miséria representada por um pai de família viúvo que vive de bicos, um órfão e uma idosa solteira cuja fonte de renda não fica clara, mas que pode muito bem ser sua aposentadoria. E assim os estereótipos são postos e personificados dos violentadores e dos violentados.
Sem ignorar que as construções sociais das Américas dominadas pelos ibéricos seguiram caminhos semelhantes, com destaque para a burocracia que vai tomar conta das esferas jurídica e administrativa constituindo a raiz dessa classe média brasileira pela alocação no serviço público, é possível observar a hierarquização social que beberá ainda das fontes coloniais e que no século XIX reformula suas bases sustentando as discriminações a partir das condições socioeconômicas.
Retornando especificamente para o caso brasileiro, abolida a escravidão, o jeito era atrair imigrantes para branquear o povo. E aqueles que obrigatoriamente tinham iniciado uma história aqui foram empurrados para as margens das cidades, morro acima, subúrbios e interior sem qualquer recurso além da força de trabalho. E então é verbalizada a violência sob outro nome: o favelado. Inserido num limbo semelhante ao de Derrida no que diz respeito à territorialidade e totalmente diferente no que se refere aos acessos.
Por fim, em Derrida a língua também é o meio pelo qual se cria a noção de si mesmo. Em paralelo, a noção de si se constrói também através do outro. Esse conceito é visto no livro Orientalismo, do crítico literário palestino Edward Said, no qual fala sobre a construção da imagem do Oriente como um lugar do místico e do exótico a partir de uma visão fantástica e romantizada assim como é preconceituosa, intolerante, generalista e falsa, pois conforme o subtítulo da obra, “o Oriente como invenção do Ocidente”. Assim, a observação do outro diz sobre quem desejo ser e quem não desejo e que vai ao encontro de Freud sobre a fala de Paulo sobre Pedro dizer mais sobre ele do que de Pedro.
Logo, o tal mimimi se torna a projeção do acusador sobre o acusado, ou seja, a “frescura” ou “problematização desnecessária” está de fato na inabilidade de se desprender do senso de humor retrógrado, do status quo. E isso representa o último estágio de violência caracterizado pela certeza de se estar em posição e ter o direito – ou dever – de determinar quem é o outro e os seus respectivos limites, especialmente no que diga respeito a ser ou não ofensivo. Portanto, quando o outro toma para si sua identidade e seus limites autoafirmando-se enquanto sujeito, demonstra a resistência que não deveria mostrar e a autonomia que não deveria ter. Isso “agride” o agressor que reflete o sentimento no outro. Porque em uma sociedade construída pela violência e que a legitima cotidianamente, qualquer ato de resistência é mimimi.