Continuando nossa saga pelos Planos Diretores que as cidades fizeram de forma  independente e que serviram como pequenos tijolos para a formação do conhecimento do urbanismo hoje, vamos falar do Plano de Curitiba (1943) e do Plano de São Paulo (1972). 

Como em quase todos os exemplos que já trouxe nesta série, se você ainda não leu a Parte 1 está aqui e a Parte 2 aqui, os prefeitos que buscavam os urbanistas para elaborar esses planos tinham um problema cabeludo que eles queriam resolver. Foi o que houve em Curitiba. 

Plano Diretor de Urbanização de Curitiba ou Plano Agache 1943 

Em Curitiba, o prefeito contratou o escritório Coimbra Bueno & Cia LTDA, que representava no Brasil o urbanista francês Alfred-Donat Agache (1875/1959), o mesmo do Plano Agache do Rio de Janeiro de 1930, para lidar com os principais problemas que a cidade tinha naquele momento: saneamento, congestionamentos e necessidades de órgãos funcionais. 

Na questão do saneamento, o Agache descreve no plano que a retificação do rio Belém, que era uma demanda antiga da cidade e que, segundo o próprio Agache, foi negligenciada em gestões anteriores juntamente com a canalização do rio Ivo, afluente do rio Belém e do rio Bigorrilho (que já estavam ocorrendo), faria melhorias no sistema de saneamento municipais além de resolver os problemas de enchentes que já ocorriam em Curitiba. 

E só, minha gente, só isso mesmo! Como se fosse fácil assim resolver problemas de saneamento e enchentes em cidades brasileiras. 

A quantidade de obra de canalização de rio que já foi feita neste brasilsão e que não resolveu nadica de nada de enchente e saneamento não cabe neste humilde texto. 

Quanto ao problema dos congestionamentos, a solução do Agache foi, advinha? Um plano de avenidas municipal. 

Neste época, como ocorreu no Rio de Janeiro e em São Paulo, o pensamento dominante era que para problemas de trânsito e de congestionamentos, bastava fazer um plano de avenidas, um monte de obra para abrir ruas e tava tudo resolvido. 

O Plano Avenidas consistia em acabar com congestionamento no centro da cidade (entorno da Praça Tiradentes) e para isto  dividiu a cidade em quatro avenidas perimetrais (AP-0, AP-1, AP-2 e AP-3), em quatro radiais principais e dez radiais secundárias. 

Esse Plano de Avenidas nunca foi completamente implementado. 

Na imagem é possível ver o mapa da cidade de Curitiba com o traçado atual das ruas e em destaque as 4 Avenidas Perimetral (AP0, AP01, AP02, AP03), Avenida Diametral, Radial Secundária e Radial Principal com seus traçados coloridos e as zonas municipais que essas avenidas ligariam na época. Fonte aqui.

 

E por último na questão da Necessidade de Órgãos Funcionais o plano descrevia que a cidade precisava de centros que atendessem a determinadas funções necessárias para a cidade: função de comando, função de produção, função de consumo e função social. Cada uma dessas funções seriam atendidas por centros onde estariam concentrados equipamentos específicos. 

Para a função de comando, o Centro Cívico ou Administrativo onde seria a prefeitura e outros órgãos do poder municipal. Para a função de produção, o Centro Comercial e Industrial, com os comércios e indústrias. Para a função de consumo, o Centro Residencial e, para a função social, os Centros de Recreação e Lazer. 

Com essa divisão em centros ou zonas, o Agache começou a divisão temos até hoje da cidade através das atividades ou potenciais específicos, o zoneamento urbano. 

Por que não decolou? 

Além da ausência de solução para o saneamento e de que hoje sabemos que Plano de Avenidas nunca resolveu problemas de congestionamento, as ideias dos Centros eram muito boas. Sabe-se hoje que as soluções apresentadas eram ineficientes para acompanhar o crescimento populacional que Curitiba teve. A população saltou de 120 mil habitantes em 1940 para mais de 600 mil, no início dos anos 70. 

O fato é que o Plano Agache não foi colocado em prática porque os recursos financeiros necessários não foram enviados pelo governo de Getúlio Vargas. 

Plano de Desenvolvimento Integrado de São Paulo de 1972

São Paulo foi um caso à parte no atraso para regularização urbanística. Enquanto o Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre estavam há décadas elaborando planos diretores, São Paulo chegou à década de 1970 sem um. 

Não é que não houveram documentos orientadores elaborados até os anos 1970, mas de forma sistematizada considerando vários problemas urbanos, não havia. 

Um documento importante dos anos 1920 e 1930 para a cidade de São Paulo foi o Plano de Avenidas Prestes Maia. O plano que acabou levando o nome do engenheiro que o elaborou, Francisco Prestes Maia foi elaborado em 1924 junto com o também engenheiro João Florence Ulhôa Cintra. 

O Plano de Avenidas, seguindo uma tendência de grandes cidades da Europa, previa avenidas radiais a partir de um centro e que tinham como intenção desafogar o trânsito na área central. 

Na imagem é possível ver um esboço do que seria o Plano de Avenidas com um círculo no centro representando a área central de São Paulo e várias avenidas partindo do centro em sentido radial (raios partindo de um centro). É possível ver na imagem fora de escala muitas ruas e avenidas famosas de São Paulo como Avenida São João, Ipiranga, além do Rio Tietê tocando a parte superior do círculo central. Fonte Aqui

Uma das principais críticas ao Plano de Avenidas que nunca foi completamente implementado é que o transporte público foi colocado em segundo plano, uma vez que a malha de  avenidas era para transporte individual em carros. 

O Plano de Avenidas Prestes Maia só foi implementado quando, anos depois de 1924, o próprio Prestes agora como prefeito de São Paulo adiantou as obras. Ainda assim o plano é muito controverso, chegando até a ser citado como um dos principais causadores de problemas de trânsito de São Paulo. 

Em 1970 São Paulo já era uma cidade grande com vários problemas urbanos e já tinha se tornado um grande polo de imigração dentro do Brasil. Isto fazia com que muitos bairros fossem abertos sem o menor planejamento e controle da prefeitura, a construtora que chegasse abria um bairro novo e começava a construir, sem documento, sem padrão e nem nada. 

Os bairros onde as elites moravam já tinham seus planos individuais e havia uma descarada proteção para que pessoas pobres não fossem morar na vizinhança. 

Juntando tudo isso, já tinha passado da hora de São Paulo se organizar e elaborar um Plano Diretor. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado começou a ser elaborado em 1971 pela câmara de vereadores e foi aprovado quase que de forma unânime e sem ajustes para passar a valer em 1972. 

O PDDI/71 propunha uma grande malha de vias expressas e arteriais criando bolsões e hierarquizando o sistema viário (Plano de Avenidas de novo). A partir daí propunha organização territorial por meio da distribuição das densidades populacionais, localização de pólos, vias expressas e redes de transporte de massa. 

O transporte foi discutido de forma a relacionar localizações industriais com sistema de metrô e integrar as redes de trem e ônibus. 

Foi discutida também a distribuição dos usos e estabelecendo coeficiente de aproveitamento 4,0 considerando distribuição de usos. 

Coeficiente de aproveitamento é um parâmetro urbanístico que descreve qual pode ser o aproveitamento de um terreno para construção. No caso do CA=4 para um terreno de 100 m2 a área construída neste terreno pode ser 400 m2, o que incentiva a verticalização (construção de prédios). 

O zoneamento foi introduzido por meio de alguns índices urbanísticos como densidade construtiva (coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação), atividades permitidas ou não (categorias de usos) localização de usos, dimensionamento e controle. Isto é interessante se pensado em áreas onde já há uma tendência de atividade ou área onde há interesse de preservação ambiental, por exemplo. 

Apenas as questões do zoneamento foram implementadas e nos anos seguintes diversas alterações foram realizadas com mudanças na lei que o implementou na Lei 7805/72. 

Resumindo era um plano bem técnico e que falhou em propor soluções que pudessem ser mais coletivas. Sofreu diversas críticas de que deveria incluir as áreas periféricas na cidade e não promover exclusão. Ao longo dos anos 1970 e 1980 sofreu diversas mudanças. Um Plano Diretor novo e com discussões importantes só foi aprovado em São Paulo em 2002. 

Você deve ter percebido que os planos diretores desde do Agache em 1930 no Rio de Janeiro até o PDDI de São Paulo em 1972 tiveram em comum a falta de participação popular, em todos os planos foram elaborados de acordo com as demandas dos prefeitos ou dos governantes da época. Outro fator que se repete em todos é a não implementação das soluções apresentadas. Dá para dizer hoje que, ainda que com problemas, isso mudou. 

Volto na última parte da nossa saga para contar para você que a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 mudou esse panorama das políticas urbanas no Brasil. 

Até mais! 

Imagem de Capa: Planta Baixa com desenhos arquitetônicos, dois compassos e uma lapiseira deitados no papel.

 

Referências Bibliográficas

Prefeitura de Curitiba. História dos Planos Diretores de Curitiba. Disponível aqui.  

1940 a 1960 Plano Agache. Fatos Marcantes do Período. IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Disponível aqui

Plano Urbanização de Curitiba.  IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Disponível aqui. 

Mapa do Plano Avenidas do Plano Urbanização de Curitiba. IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Disponível aqui.  

Como era São Paulo antes do Plano Diretor. Disponível aqui. 

Plano de Avenida Prestes Maia. Disponível aqui. 

Gianquito. Paulo Ricardo. 2009. Tese de Doutorado. Planos Diretores Estratégicos de São Paulo, Nova Roupagem, Velhos Modelos. Volume 1. Disponível aqui.