No meu último texto aqui para o Portal, resolvi especular sobre as tendências futuras que eu enxergava para a nossa sociedade. Para alguns pareceram otimistas. Para outros, pessimistas. Apesar de ser muito divertido, o fato é que prever o futuro pode ser tão válido quanto tentar adivinhar os números da Mega-Sena (ainda mais se for a Mega da Virada). Muito embora exista mais determinismo no primeiro que no segundo, ainda assim é uma aposta. Por outro lado, um exercício analítico igualmente divertido e bem mais assertivo é compararmos o presente e medirmos o quanto melhoramos em relação ao passado. Isso ajuda a termos uma nova perspectiva em relação ao mundo, principalmente quando estivermos com pensamentos do tipo “vem logo, meteoro”. Por isso, para terminarmos bem este ano cheio de emoções, resolvi escrever este texto dando um panorama sobre como conseguimos avançar como sociedade nos mais variados temas. Leiam, reflitam e tenham esperança, pois, acreditem, já estivemos muito pior.
Para começar, por uma questão de justiça e ética autoral, devo dizer que estou me baseando quase totalmente em um texto do Dr. Nathan H. Lents, que é um biólogo norte-americano, professor da New York City University. Ele tem blog, Twitter, livros publicados, participa de podcasts, etc., ou seja, sigam!
É um sujeito muito interessante e com várias ideias legais para serem discutidas. Pois bem, o Dr. Lents escreveu o post no blog dele para tentar contrapor-se a toda negatividade que ele via e ouvia em manchetes de jornais, capas de revistas, noticiários e bate-papos em geral. Nas palavras do próprio autor (em tradução livre e tosca by myself) “…é fácil esquecermos que nosso mundo moderno é, na verdade, um lugar muito melhor para se viver e está se tornando cada vez melhor”.
Assim, da mesma forma, resolvi aproveitar (todas!) as ideias deste senhor para fazer o mesmo: deixar uma reflexão sobre o grande progresso que a humanidade vem conquistando em diversos aspectos para que este ano termine em um suave suspiro e o próximo comece com gritos de alegria (só não façam “uhuuu”, porque eu não tenho muita simpatia por gente “uhuuu”!)
Da mesma forma que nas previsões futuristas que escrevi no mês passado, vou fazer uma lista, porque, todos sabem, listas são o futuro, listas vão dominar o universo, todo mundo só lê coisa que estão em listas quando navega nesta grande rodovia da informação. Lá vai:
Saúde e bem estar. As ciências médicas, principalmente nos últimos 50 anos, têm feito um trabalho miraculoso em nos conceder vidas mais longas e saudáveis (ao menos, o potencial para isso!). Apesar das queixas que todos temos com relação ao atendimento em postos de saúde, ao tratamento que muito profissionais nos dispensam, à situação por vezes caóticas em hospitais, principalmente públicos, nunca a expectativa de vida foi tão alta e nunca tivemos tão poucas epidemias no mundo. Só lembrarmos que varíola, sarampo, poliomielite, coqueluche, difteria, etc. já não são doenças que causem pânico nas famílias, pois a taxa de crianças perecendo destas doenças é ínfima se não inexistente. E, antes que alguém fale dos imbecis dos movimentos anti-vacinas, convém lembrar que é exatamente por isso que este tipo de insanidade acontece: o risco é tão baixo que as pessoas encaram como inexistente. O sucesso da vacinação em massa é tão grande que a vacina da varíola sozinha salvou mais de 50 milhões de pessoas. Hoje, quando uma criança nasce, sua expectativa de vida é entre 45 e 50 anos (exceção sendo Serra Leoa com 38 anos). Vivemos em uma era em que cada geração seguinte possui o potencial de viver um pouco mais que a geração anterior, com crescente melhoria na qualidade de vida mesmo em idades cada vez mais avançadas. E isso distorce algumas percepções, como por exemplo, estarmos muito piores hoje em termos de saúde por termos uma “epidemia” de cânceres. Na verdade, o que acontece é que neoplasias estão matando mais hoje porque as pessoas estão vivendo mais tempo. Com isso, é natural, estatisticamente falando, que mais tumores consigam ter tempo de surgir e serem descobertos, o que é outro efeito colateral de uma melhora nos métodos de diagnóstico (mamografia, colonoscopia, tomografia, etc).
Qualidade de vida nos países em desenvolvimento. Nos países ditos de “Primeiro Mundo”, está se tornando uma tendência cada vez mais crescente as pessoas se queixarem que a vida não está melhor do que em décadas anteriores, principalmente por causa de algumas consequências da crise de 2008. Principalmente para os mais jovens, o mercado de trabalho tem se tornado mais difícil e instável quando comparado aos de seus antepassados, os quais conseguiam desenvolver uma carreira muito mais facilmente. Todavia, para os países do dito “Terceiro Mundo”, os padrões de vida têm tido progressos fantásticos nos últimos trinta anos. Por exemplo, na Índia, onde vive em torno de um sexto da população mundial (ou seja, gente para casseta!), nos últimos dez anos a porcentagem de residências nas áreas rurais com acesso a um banheiro com o mínimo de saneamento passou da faixa dos 50%. Ou seja, apesar de ainda existir um longo caminho pela frente, o acesso à água potável e ao tratamento de esgoto melhorou drasticamente para a população em geral nas últimas décadas. Isso sem falar que cada vez mais gente está conseguindo viver em uma casa com um piso que não seja terra batida, com ligação elétrica e até as taxas de conexão com a Internet vem melhorando progressivamente em todos os continentes “pobres” do mundo (Ásia, África e América Latina). E por mais que saibamos que o progresso é mal-distribuído e que milhões ainda vivem em extrema pobreza, em linhas gerais, o percentual de pessoas tendo que encarar a miséria abjeta tem caído consistentemente ao longo dos últimos anos. Muito deste avanço se deve ao avanço fantástico que tivemos no comércio entre países, grandemente facilitado por uma melhoria nos meios de transporte e nas comunicações. Comunicações nos levam diretamente ao próximo item:
Tecnologia. Principalmente, o barateamento exponencial em armazenagem e processamento de dados. Isso permitiu que, principalmente no Ocidente, tivéssemos computadores poderosíssimos dentro de nossos bolsos. Isso sequer existia há pouco mais de 10 anos.
No século XX o avanço tecnológico nos levou até a Lua e no século XXI nos levará não só até Marte (vão em paz, eu tenho pavor até de montanha, quem dirá ir para o espaço!), mas talvez nos possibilite até minerar meteoros (porque Bitcoin está cada vez mais difícil). Mas, as coisas que eu considero as mais sensacionais deste nosso presente que antes era somente futuro são o acesso ao conhecimento e à comunicação a um custo ínfimo. Levante a mão quem nunca precisou, para trabalhos escolares ou na faculdade, ir até uma biblioteca, pegar livros e livros, perder tempo procurando no índice remissivo sobre um assunto e descobrir que o material encontrado sobre determinado tema preenchia somente meia página de um caderno de anotar lista de feira? Hoje, temos Wikipedia, que, por maiores que sejam as críticas em relação a ela, é uma fonte de consulta para você, pelo menos, saber do que se trata alguma coisa. Depois vai do interesse de cada um aprofundar o estudo sobre o tópico em questão. Hoje temos e-mail e WhatsApp (ou, em vernáculo, zap-zap) para conversarmos em tempo real com quem quer que seja. Na minha adolescência, uma vez, namorei uma menina via carta: uma semana para ir as bobagens que eu tinha escrito, outra semana para eu receber a resposta e assim se passaram dois meses até eu descobrir o chifre desinteresse da garota em mim. Não desejo isso para ninguém! Apesar da ansiedade que algumas pessoas têm ao enxergar as barrinhas do zap ficando azuis e a resposta demorar, nem se compara como era há meros 15 anos. Sem contar que a tecnologia do Smartphone tem feito maravilhas para a economia de diversos países, sendo o Quênia um dos melhores exemplos.
Avanço em questões morais/comportamentais. Este talvez seja o ponto que as pessoas mais comentam quando falam que nosso mundo hoje está pior do que no passado: muita gente comenta, piscando os olhos para cima com um suspiro nostálgico, que no passado a sociedade era moralmente melhor, que hoje estamos vivendo uma era de degradação em nosso comportamento social, que ninguém mais respeita os bons modos e os bons costumes. Todavia, o fato é que esta sensação depende única e exclusivamente de uma noção pessoal de moralidade. Como um todo, nossa sociedade ocidental tem se tornado cada vez mais moral nas últimas quatro ou cinco décadas, não menos, a não ser que você não ache importante o incremento que experimentamos nas últimas décadas em valores como justiça, igualdade e direitos de minorias. Por mais que ainda exista muito a ser feito, é inegável que certos comportamentos não são mais tolerados e outros estão em vias de serem cada vez menos aceitos como normais. Basta pensar no fato de que a escravidão era algo cotidiano a menos de 150 anos, ou que uma mulher que não mantivesse a virgindade até o casamento e/ou fosse mãe solteira/divorciada no Brasil era tida como devassa (a lei do divórcio foi aprovada somente em 1977). Outra questão é a aceitação cada vez maior das pessoas em relação à homossexualidade como algo que faz parte do espectro natural da expressão sexual/romântica humana, não uma perversão ou mesmo doença (lembrem do Alan Turing!). Como eu falei antes, ainda estamos longe do ideal, mas é inegável como estamos avançando rápido em assuntos considerados insolúveis até bem pouco tempo.
Violência e guerras. Outro ponto polêmico, ainda mais vivendo em um país com mais de 60 mil homicídios por ano, os quais menos de 10% chegam a ser julgados e punidos. Porém, mesmo assim, o mundo encontra-se bem mais pacífico desde o final da Segunda Guerra Mundial. Mesmo as taxas de criminalidade, na média mundial, vêm caindo sistematicamente nos últimos anos na maioria dos países. Ou seja, apesar de estarmos vivendo no continente com as maiores taxas de homicídios dolosos do mundo, ainda assim, menos pessoas hoje estão sujeitas a terem suas vidas abreviadas por uma morte violenta, mesmo que a população tenha crescido vertiginosamente dos anos 70 para cá.
Considerações finais para terminar bem (o ano!)
Ao final deste artigo, gostaria de, igualmente, transformar em minhas as palavras do Dr. Lents, uma vez que ele nos oferece uma reflexão sobre o aspecto que o mundo moderno ainda está falhando: o cuidado com o meio-ambiente. E longe de estar fazendo um discurso ecologicamente correto e piegas, a ponderação que se deve fazer é que cuidar do meio-ambiente tem a ver, antes de tudo, com o bem estar da nossa própria espécie. Mudanças climáticas, destruição de habitats e relaxamento recorrente sobre métodos mais sustentáveis de se produzir energia e alimentos exercem e irão exercer impactos profundos em diversas populações humanas que ainda não dispõem de condições e recursos adequados para contornar catástrofes ambientais, como secas, inundações e pragas agrícolas. A grande questão moral na nossa época atual ainda não propriamente endereçada é a relação humana com o ambiente. A indagação primordial a ser feita é se não seria o momento de seguirmos o exemplo de nossos ancestrais e atacarmos este flagelo moral com a mesma convicção de que as gerações anteriores atacaram o feudalismo, a escravidão, o imperialismo, o trabalho infantil, a desigualdade de gênero e os direitos humanos básicos.
E só para não deixar aquele gosto amargo de desgosto na boca ao final de um texto pretensamente otimista, a mensagem que eu gostaria que ficasse é que, mesmo se não estivermos visualizando solução no curto prazo, não necessariamente isso significa que um problema qualquer seja insolúvel. Pode parecer uma forma torta de incentivar as pessoas para, antes do desespero, pelo menos tentarem ter alguma esperança, já que, etimologicamente falando, “des-espero” significa “sem esperança”. Ou seja, não dá para perder algo que não se possui e já que gerações anteriores resolveram vários de seus dilemas morais de maneira satisfatória, nós também podemos. Apesar de estarmos teimosamente nos agarrando a um caminho perigoso, acredito que poderemos virar a esquina em relação a uma gestão ambiental mais responsável antes que seja tarde demais. Desta forma, nada melhor do que deixar uma citação ipsis literis das palavras do inspirador deste texto (novamente, em tradução livre do idioma do Bardo de Stratford-upon-Avon para a língua daquele cara que entrou na banheira de Nutella e que eu esqueci o nome):
“Cada geração deixou um mundo melhor para o próximo. Milhares de anos de progresso moral nos trouxeram a este momento e há muito para celebrar. A tocha agora foi passada para nós. Não vamos desistir. Vamos manter o trem do progresso moral avançando. Se nossos avôs e avós fizeram isso, nós também podemos.”
Bom Final de ano para todo mundo!