Ave, Deviantes! Salve, amigos da Ciência!
Hoje estou aqui para falar um pouco sobre o sentimento patriótico. Sim! Vamos falar de política e de sociologia! \o/ Mas não se assustem… será tudo numa boa!
Bem, antes de prosseguirmos, dois disclaimers:
1 – Não vou parar para explicar cada conceito e cada termo utilizado, para o texto não ficar gigante, mas quem quiser se aprofundar basta consultar a bibliografia no final.
2 – Esse texto procura não defender essa ou aquela posição política, mas também não tem a intenção de ficar “em cima do muro”. Estamos fazendo apenas uma análise, à luz da Sociologia e da Ciência Política, de um fenômeno que se tornou evidente no Brasil. Ser 100% isento é impossível, mas procuramos não fazer qualquer juízo de valor. Não vamos brigar com os coleguinhas!
Isto posto, vamos em frente!
O sentimento patriótico é aquele que você sente quando se identifica com valores, símbolos culturais ou cívicos e etc que remetem à sua terra de origem. Dão aquela sensação de pertencimento, de ser parte de algo maior e complexo que é a sua nação. O termo nação é utilizado aqui em um conceito amplo e não apenas enquanto unidade política. O país em si é fictício. Apenas uma linha traçada no mapa. Mas a nação é palpável: mostra-se justamente nos símbolos e no sentimento de pertencimento que mencionei logo acima. Podem existir nações diferentes em uma única unidade política. O termo nação está mais ligado à cultura e identificação de um povo do que ao país propriamente dito.
Max Weber, nas primeiras décadas do século XX, afirmava que o termo “nação”, por ser multívoco (ou seja, que pode ser designado de várias maneiras, representado por muitas palavras e ter vários sentidos), dependeria da Sociologia para a interpretação da ação social, pois nação seria também uma forma de ação social. Para Weber, haveria também elementos sociológicos para aprender o significado de nação. De toda forma, apesar de estar ligado diretamente ao povo de um país, não deve necessariamente significar o povo de um “estado”, de uma unidade política. É muito mais amplo que isso.
Sou brasileiro! Meus ancestrais já estavam aqui quando os portugueses aportaram nestas terras. Esse é apenas um detalhe! E que não me faz mais brasileiro do que aquele filho de imigrantes alemães da primeira geração nascida aqui. Ser brasileiro diz muito mais sobre estar inserido na cultura e na vida diária da “Nação Brasileira” do que sobre a descendência. Além de ser brasileiro, sou apaixonado pela cultura do Brasil e por sua História. Um povo que se formou diante de tantas adversidades e ainda consegue fazer desse caldo cultural a sua maior riqueza!
Sei que nem tudo são flores por aqui, mas amo o Brasil! É o meu país preferido porque aqui me sinto em casa. Eu pertenço a esse lugar. Sou do tipo que se emociona ouvindo o Hino Nacional em qualquer evento e que admira o tremular da nossa bandeira! Esse é o sentimento patriótico de que falei agora a pouco.
De uns tempos para cá a polarização do espectro político no nosso país fez surgir dois sentimentos antagônicos e bastante curiosos: um grupo passou a exibir e exaltar os símbolos cívicos nacionais como se fossem exclusivamente de seu pertencimento; enquanto outro grupo passou a tratar esses mesmos símbolos com um certo receio.
Há alguns anos assistimos no Brasil (e no mundo) uma onda gigante de manifestações populares. Um grande número de pessoas (em sua maioria jovens) saiu às ruas em marcha para protestar contra… contra… bem, contra “isso tudo que está aí”! Foi o movimento que ficou conhecido como as “Jornadas de Junho”, por terem começado em junho de 2013. (Gente! Já faz tanto tempo?) Esse movimento pode ser considerado o estopim de uma crise institucional que, somada a outros fatores, culminou com a saída da presidente Dilma Roussef três anos depois.
Antes disso houve a polarização, sem precedentes após a Constituição de 1988, de duas ideias antagônicas de república nas eleições de 2014, na qual a candidata do Partido dos Trabalhadores ficou com 51,64% dos votos na disputa com o então candidato do PSDB, Aécio Neves. Vitória apertada e condições de governabilidade mais apertadas ainda. Após o impeachment (quem não lembra?) o Brasil foi governado pelo Vice-Presidente Michel Temer até às eleições de 2018, quando assume o poder o atual presidente Jair Bolsonaro, com 57,8 milhões de votos. Uma vitória mais folgada, principalmente por causa do desgaste do PT mesmo após o impeachment.
A chegada de Bolsonaro ao poder mostra claramente a ascensão de um pensamento conservador, alinhado com o que prega a chamada “Alt Right”, ou “direita alternativa”, que defende pautas caras às elites e ao “neoliberalismo”.
Tanto os apoiadores de Aécio Neves, quanto o povo que saiu às ruas em junho de 2013, os que foram às ruas para pedir a saída do governo do PT e os apoiadores do atual governo adotaram alguns símbolos nacionais em suas manifestações. Isso tudo levou a um sentimento de que, se você usar, ou exaltar, ou se identificar com determinados símbolos nacionais, automaticamente você estará se identificando com determinada ideologia.
Eu, como admirador dos símbolos nacionais e (por que não?) patriota, venho aqui dizer a vocês que admirar e ostentar as representações do nosso país, na prática, não é um problema. Seja de que espectro político você for, você continua sendo Brasileiro.
Não é questão de achar que o Brasil, ou o povo brasileiro, é melhor ou pior do que qualquer outro país ou povo. É simplesmente o fato de saber e afirmar que somos brasileiros e temos orgulho em dizer que apreciamos tudo aquilo que “ser brasileiro” representa. A partir desse sentimento, temos todo o direito de utilizar os símbolos nacionais. Sem culpa. Sem bronca.
Entendo isso até como uma forma de resistência, uma vez que esses símbolos representam a Nação Brasileira, da qual todos nós, sem exceção, fazemos parte.
Lembrando só que a camisa da CBF não é um símbolo nacional!
E aí? Vamos voltar a privilegiar as cores da nossa querida nação brasileira? O conceito e o sentimento são socialmente construídos, mas a vontade de ver esse país e esse povo maravilhoso prosperarem, sem divisões ideológicas, é maior do que qualquer doutrinação!
Hoje mesmo vou trabalhar com aquele meu terno verde e amarelo e a minha gravata azul com estrelas brancas!
Até a próxima e um feliz 2021 para todos nós!
Referências:
BIANCHI, Alvaro. O conceito de Estado em Max Weber. São Paulo: Lua Nova, 2014. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ln/n92/a04n92.pdf> acesso em: 08 de Jan. 2021.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: UNB, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região”. In: O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 107-132
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva; trad. de Regis Barbosa e Karen E. Barbosa –4º ed. –Brasília: Universidade de Brasília, 2012. Vol. 2.
Imagem da Capa: Jornal El País – matéria publicada em 13/08/2015.
Anderson Couto é historiador, professor, podcaster e colaborador do time de História do Portal Deviante.