“Pedra dura em pedra dura bate tão forte até que vira água mole” – COLORADO, Chapolin.

O impacto de um asteróide na península de Yucátan (e o principal motivo para a extinção dos dinossauros, como consequência) é considerado a divisão entre as Eras Mesozóica e Cenozóica (ou os períodos Cretáceo e Paleoceno, K-Pg). Já falei um pouco sobre esse impacto aqui, mas vamos nos aprofundar hoje. 

Em 2016 um grupo de cientistas de diversas áreas de pesquisa e de diversos países fizeram parte da Expedição 364, que faz parte de um projeto conduzido pelo Consórcio Europeu para Pesquisa de Perfuração Oceânica (ECORD). Essa expedição teve como objetivo estudar uma seção profunda do solo da região do impacto do asteróide que formou a cratera de Chicxulub

 

A área da cratera que serviu de base para os estudos foi a chamada “anel de pico” que é uma estrutura criada pela elevação do solo após uma colisão. Esse termo foi usado primeiramente para descrever os anéis montanhosos e descontínuos que eram observados nas crateras lunares. Uma vez que os anéis de pico foram observados na Lua, pesquisadores identificaram estruturas semelhantes em todos os corpos planetários com alto teor de silício. Ao mesmo tempo, nos satélites gelados de Júpiter e Saturno não são observadas crateras com anéis de pico, indicando que certas propriedades do material da crosta do corpo desempenha um papel importante na formação dessa estrutura.

Na Terra, a cratera de Chicxulub é a única estrutura com anéis de pico intactos, porque todas as outras crateras formadas por impactos de objetos vindos do espaço foram sofrendo erosão ao longo da vida do planeta. 

Cratera de Schrödinger na superfície da Lua. Os anéis de pico são aqueles internos à borda da cratera (NASA SCIENTIFIC VISUALIZATION STUDIO).

A cratera de Schrödinger presente na superfície da Lua é morfologicamente semelhante à cratera de Chicxulub, porém o anel de pico da cratera lunar chega a mais de 2,5 km de altura acima da base da cratera, enquanto o da cratera terrestre tem cerca de 400 metros. Sugere-se que essa diferença é principalmente graças à ela: a gravidade (que é maior na Terra do que na Lua).

Os pesquisadores da Expedição 364 começaram seus trabalhos perfurando a região do anel de pico por volta de 500 metros abaixo do nível do mar, já que até ali, o que havia de sedimentos era calcário no leito do Golfo do México. Essa parte não era de interesse para seus estudos uma vez que já era de conhecimento que até essa profundidade os sedimentos eram de épocas geológicas mais recentes (e não do período de transição K-Pg).

“Então basicamente os pesquisadores chegaram ao fundo do mar na região do anel de pico, perfuraram cerca de 500 metros e só aí que chegaram no material de interesse pra eles?” Aham, isso mesmo. 

A partir daí, o solo foi sendo perfurado de forma que tubos fossem coletando os depósitos rochosos, até pouco mais de 1300 metros de profundidade. 

A Myrtle foi a embarcação que serviu como plataforma de perfuração para o projeto.

Dentre os diversos estudos publicados utilizando o material que foi coletado no cilindro de pouco mais de 800 metros, os cientistas participantes da Expedição puderam entender melhor a formação dos anéis de pico formados nos impactos. Até esse momento, ainda não era claro como ocorria a formação dessas estruturas. 

Esses anéis são formados quando há um impacto tão energético que faz com que as rochas atingidas apresentem um comportamento fluido durante um período curto de tempo. Um dos líderes da expedição, Sean Gulick da Universidade do Texas, em entrevista à BBC, chegou a dizer que o impacto em Yucátan teve uma energia equivalente a 10 bilhões de bombas de Hiroshima!

Um pedaço de um dos tubos coletados na Expedição 364.

Analisando os tipos de rochas presentes e as formas que elas tomaram, chegou-se à conclusão que, apesar do comportamento fluido que as rochas apresentaram, este não ocorreu somente devido ao derretimento das rochas. O impacto de alta energia levou à fragmentação das rochas em pedaços tão pequenos que esse material pulverizado apresentou um comportamento semelhante ao de um líquido. No estudo em questão foi realizada uma simulação considerando o impacto de um objeto de 12 km de largura vindo do espaço, mostrando a formação da cratera e de seu anel de pico. Tal simulação pode ser vista gratuitamente como material suplementar do artigo publicado na Nature nesse link.

A simulação indica que primeiramente foi formada uma cratera com 30 km de profundidade e até 100 km de largura. O material pulverizado pelo impacto acaba desmoronando para dentro dessa cratera e uma parte sobe no centro dela, ou seja, o material se comporta como se fosse água sendo despejada rapidamente pelas bordas de uma tigela. Essa parte que sobe no centro, pode ter chegado à alturas maiores que o monte Everest! Ao final, a cratera apresenta cerca de 200 km de largura e 1 km de profundidade, próximos aos valores da cratera de Chicxulub. 

No vídeo abaixo essa explicação fica ainda mais clara (outra modelagem encontrada no youtube, porém não encontrei quais dados foram utilizados). Aqui realmente parece algo como uma pedra caindo na água.

 

Ao final, com esse estudo foi possível entender o mecanismo da formação de crateras com anéis de pico, sendo que, seja na Terra, na Lua ou em Vênus, acredita-se que a estrutura seja formada do mesmo jeito. 

 

Referências:

Riller, U. et al. Rock fluidization during peak-ring formation of large impact structures. Nature. v. 562. 2018.  

Chicxulub and the Exploration of Large PeakRing Impact Craters through Scientific Drilling 

Cientistas escavam cratera formada por asteroide que ‘dizimou dinossauros’

O dia em que a Terra ficou líquida: como foi o impacto colossal que dizimou os dinossauros (título do texto em homenagem à esse aqui)

Chicxulub: Drilling the K-Pg Impact Crater

Expedition 364 Chicxulub K-Pg Impact Crater

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