O consumo de ovos faz bem ou mal ao organismo?
De tempos em tempos, artigos científicos “elevam” ou “rebaixam” algum tipo de alimento, medicamento ou atividade física. Mas, quem está certo? Como devemos avaliar se esse alimento faz bem ou mal para nossa saúde?
De fato, um exemplo clássico é o ovo. Este pequeno objeto oval e muito consumido no mundo todo sempre foi alvo de pesquisas. Mas, afinal, como um alimento pode ser julgado diante de tantas variáveis a ponto de alguém bater um martelo e falar: “Ovos são maléficos muhahaha”, ou “Ovo é o alimento mais saudável que existe”?
Ovo cru, ovo mexido, omelete, ovo frito, ovo cozido, ovo com gema mole, ovo com gema dura, ovo no bolo… São tantas as variáveis possíveis em que o ovo pode comparecer na dieta de um ser humano!
Porém, por mais que ele seja amplamente usado no mundo todo, ainda apresenta controvérsias com relação ao seu consumo ou até à quantidade que deve ser consumida. Logo, eles são vilões ou mocinhos?
No inicio dos anos 70, começaram a surgir artigos referentes ao consumo de ovos. Principalmente com relação à quantidade de colesterol neles presente. Desse modo, cada vez mais notícias foram surgindo na mídia. Assim, o ovo acabou gerando um ciclo.
Desde que nasci até hoje, fui acompanhando esse “ciclo ovático”. Em algumas épocas, o ovo era considerado o pior alimento. Mas, assim que novas evidências e pesquisas iam “pipocando” na mídia, este rico alimento acabava mudando de lado. Logo, cada ano que passava, era um ano em que se podia ou não comer ovos.
Para se ter uma ideia, após analisar alguns artigos recentes, encontrei alguns trabalhos que demonstram que o consumo da gema do ovo pode ser pior que comer fastfood e do que fumar um maço de cigarros.
Em um desses trabalhos, em 2012, foram analisadas mais de mil pessoas e foi feito o acompanhamento para ver o aumento de placa aterosclerótica na carótida (vaso sanguíneo que leva sangue até a cabeça) ao longo do tempo, e esse fator foi relacionado com o consumo de gema de ovos e a quantidade de cigarros fumados. Demonstrando, desse modo, que o aumento da placa foi muito semelhante nos dois casos¹.
De fato, cada gema pode conter até 275 mg de colesterol – a recomendação deve ser um consumo menor que 200 mg por dia. Um artigo de 2010 fez uma revisão do consumo da gema do ovo e o excesso de colesterol. Nesse trabalho em questão, há um levantamento de artigos referentes a um processo inflamatório que pode ser desenvolvido em pessoas que consomem o alimento. Há uma ativação de uma célula (macrófagos) que pode oxidar lipoproteínas em vasos sanguíneos, resultando em placas aterosclerótica, corroborando com o artigo de 2012, o qual comentei anteriormente. Por consequência, então, há um risco maior de desenvolver doenças cardiovasculares, até levar a pessoa ao infarto cardíaco².
Por fim, de acordo com essa revisão: “Parar de comer ovos após um infarto do miocárdio ou um derrame é o mesmo que parar de fumar após ser diagnosticado com câncer de pulmão: um ato necessário, porém tardio.”
Outro trabalho de revisão disserta que, após alguns componentes dos ovos entrarem em nosso organismo, há um potencial de ativação do sistema imunológico por um processo chamado de “mimetismo molecular”. Esse mecanismo em questão tem a capacidade de desenvolver, em organismos suscetíveis, doenças autoimunes ou até a piorar quadros como artrite reumatoide ou esclerose múltipla³.
Agora, do outro lado da moeda, vou apresentar alguns artigos que batem de frente com os apresentados acima.
O primeiro é de 2018, que estudou mais de 460 mil pessoas que consumiam uma média de 0,47 ovos ao dia e foram acompanhadas por quase 9 anos. Este trabalho demonstrou que o consumo de uma quantidade menor de 1 ovo por dia pode estar relacionado a um risco menor de doenças cardiovasculares, derrames hemorrágicos, eventos coronarianos e derrames isquêmicos – isso em Chineses de meia idade. Claro que há vários fatores em questão, mas esse trabalho confronta um pouco os trabalhos anteriores4.
Além de diminuir o risco de infarto, por exemplo, há também um estudo, também publicado em 2018, que relaciona o consumo de ovos com um menor risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Este trabalho realizou um acompanhamento de mais de 800 Coreanos durante mais ou menos 9 anos e o consumo de 2 a 4 ovos por semana foi associado com uma diminuição de 40% de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 em homens Coreanos, mas não em mulheres5.
Embora haja evidências sobre os dois lados, como tudo na vida, cada caso é um caso. Ou seja, independente do ovo fazer bem ou mal, é evidente que ele é um alimento muito consumido no mundo inteiro e retira-lo totalmente da dieta é um erro.
Ao meu ver, essa “dicotomia oval” está intimamente relacionada com a mídia. A partir do momento que um paper é liberado para ser acessado, e esse trabalho tem como objetivo mostrar evidências, independente para que lado, portais de notícias podem pegar esses dados e usa-los da melhor forma para compartilhar nas redes sociais. Só que o que percebemos é que o mais importante são os cliques e a repercussão da matéria e não como o trabalho pesquisado e a relevância prática que alguma pesquisa tem. Todas as pessoas são diferentes umas das outras e um trabalho realizado em um país como a China, utilizando sua população, não reflete de forma integral aos habitantes brasileiros, por exemplo.
Outra questão é que fatores genéticos desconhecidos podem processar os metabólitos de alimentos de forma diferente de pessoa para pessoa. Logo, apenas esse fator – genético – já é algo a ser considerado antes de sair espalhando notícias com títulos chamativos. De fato, acaba sendo um desserviço para a população e para a ciência.
Por fim, podemos comer ovos?
É valido lembrar a frase do médico Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, ou, também conhecido como Paracelso: “Só a dose faz o veneno” (Dosis sola facit venenum).
Nesse sentido, mesmo após tantos artigos e pesquisas, para o consumo de qualquer coisa vale essa máxima: “Tudo de forma moderada”.
Bibliografia:
¹Spence, J. D., et al. Egg yolk consumption and carotid plaque. Atherosclerosis. 2012.
²Spence, J.D., et al. Dietary cholesterol and egg yolks: Not for patients at risk of vacular disease. Can. J. Cardiol. 2010.
³Cordain, L. Egg whites and autoimune disease. The Paleo Diet.
4Qin, C. et al. Associations of egg consumption with cardiovascular disease in a cohort study of 0,5 million Chinese Adults. Heart. 2018
5Lee, J.; Kim, J. Egg consumption is associated with a lower risk of type 2 diabetes in middle-aged and older men. Nutrition Research and Practice. 2018.