Aqui no Portal Deviante falamos muito sobre o Cerrado. Esse importante bioma brasileiro está ameaçado pelo avanço da fronteira agropecuária e possui ritmo de devastação de 0,5% de sua área por ano (o que é duas vezes superior ao observado na Amazônia).

Nos últimos 36 anos, o Cerrado perdeu quase 20% do que restava de sua vegetação original. Originalmente, esse bioma ocupava toda região central do Brasil, indo do sul do Piauí e do Maranhão até o norte do Paraná. É o bioma mais alterado pela ação humana, só perde para a Mata Atlântica (que perdeu quase 90% de sua área original).

Em um artigo publicado na Global Change Biology, os pesquisadores analisaram dados de 45 estações meteorológicas na área do Cerrado. Foram dados de 1961 até 2019 e os pesquisadores constataram que na estação seca, a temperatura média do Cerrado subiu de 2,2ºC a 4,0ºC. A temperatura é uma grandeza observada em várias estações meteorologicas e em geral possui séries mais longas, o que torna a análise mais robusta. Entretanto, a elevação da temperatura afeta o regime de chuvas e a disponibilidade de água no solo e isso pode afetar a sobrevivência da fauna e da flora local.

Ainda de acordo com esse artigo, ao esmiuçarmos essa elevação de temperatura o incremento é maior quando falamos da temperatura máxima (a maior temperatura do dia, medida no ínicio da tarde). O aquecimento foi mais evidente no fim da estação seca, no mês de outubro.

O aquecimento do Cerrado é bem superior aos 0,2ºC por década indicado nas projeções do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) para o Hemisfério Sul. De acordo com os autores do artigo, a elevação de temperatura no Cerrado está relacionada com a mudança de uso do solo e um importante marcador que permite essa constatação são os aumentos maiores de temperatura máxima do que de temperatura mínima. Em outras palavras, as mudanças climáticas (pelo aumento da emissão de gases de efeito estufa) não são o fator principal do aumento da temperatura média no Cerrado.

Quando falamos em mudança de uso do solo, nos referimos ao desmatamento: substituição da vegetação nativa por monocultura (soja, milho, sorgo, etc) ou por área de pasto. Mas como isso afeta a elevação das temperaturas máximas?

Cerca de 25% da energia solar recebida pelas plantas é usada no processo de fotossíntese e na evapotranspiração. Quando a vegetação nativa de um local é substuída por monoculturas ou pasto, parte do solo fica exposto ou coberto por palha em boa parte do ano. A parte da energia solar que seria usada na fotossíntese e na evapotranspiração é então absorvida pelo solo que então aquece a atmosfera. O resultado são temperaturas máximas mais elevadas.

Portanto, temos aqui uma questão muito interessante: além da emissão de gases de efeito estufa, a atmosfera terrestre também está se aquecendo em consequência da mudança de uso do solo, como está sendo observado no Cerrado. E esses mecanismos se relacionam: com o aumento do desmatamento, temos menos absorção de CO2 e também temos solo exposto, que também contribui no aquecimento da atmosfera.

Fontes:

HOFMANN, G. S. et alThe Brazilian Cerrado is becoming hotter and drierGlobal Change Biology. 21 de mai. 2021.

ZORZETTO, Ricardo. Cerrado Ameaçado. Pesquisa FAPESP, Novembro de 2021. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/cerrado-ameacado/>. Acesso em: 25 de nov. de 2021.

Fonte imagem de capa: Wikimedia Commons