No primeiro texto sobre tópicos interessantes do ato religioso da cultura alimentar, eu havia salientado a importância do sacrifício animal para algumas religiões de culto africano (bem aqui). Na redação, eu informei sobre como outras religiões também requisitam a prática em benefício de suas próprias divindades, mesmo com um verniz mais moderno em comparação com o passado.
Neste texto, iremos observar a prática da jugulação cruenta realizada nos rituais halal (ritual muçulmano) e qual sua diferença e similaridade com o abate humanitário como conhecemos. Qual a importância, por exemplo, do “selo halal” para as exportações de carne bovina no cenário brasileiro?
Bilhões de animais são abatidos anualmente para produção de proteína animal, sendo que a técnica do Abate Humanitário é aquela reconhecida mundialmente para garantir o abate ético e efetivo nos diferentes cenários do mercado cárneo [1]. No mais, a técnica garante o bem-estar animal até o momento da morte e o princípio das cinco liberdades ao animal, das quais se destaca a liberdade de dor, lesão e de medo.
Uma das maneiras de conseguir a integridade do processo, garantindo uma carne livre de defeitos oriundos do estresse do abate, seria por meio da insensibilização pré-abate. Este atordoamento eficaz garante insensibilidade ao animal, reduzindo o estresse do manejo até sua completa inconsciência.
As técnicas de insensibilização por atordoamento – sendo mais famosa a eletro-imobilização – garantem estado de inconsciência e diminuição do nível de vigília no animal. Desta forma, asseguram o abate sem grandes traumas ou estresses ao bovino/suíno/ovino. Ainda que exista certo nível de “sofrimento não evitável” no processo (jejum higiênico-sanitário, insolação no transporte etc), o abate humanitário permanece sendo o mais seguro tanto à qualidade da carne quanto à ética do ramo agroalimentar.
Porém, existem sistemas sociais/religiosos que possuem alternativas ao abate dos animais e que tem origem histórica tão consolidada quanto antiga. É o caso do sistema halal, que possui origem islâmica. Halal significa legítimo na língua muçulmana, e toda carne que não passou pelo processo é chamada de ilegal, haram.
Alguns animais serão sempre restritos e não farão parte da alimentação árabe, como é o caso de porcos, animais carnívoros e outros carniceiros. Certas regras precisam ser satisfeitas para que a carne passe a ser legítima aos consumidores muçulmanos. Primeiro, necessita-se que o abatedor seja crente da religião, além de versado nos procedimentos. O mesmo é conhecido como zabeh [3].
O abate legítimo em nome de Deus é aquele em que se pronuncia o nome de Allah antes da incisão. Apesar de contidos, os animais devem estar protegidos, em bom estado de saúde e nenhum deve ver a morte do outro [4]. Cortam-se os vasos sanguíneos e a traqueia com uma faca afiada, seguindo-se à sangria. O muçulmano não pode comer sangue residual, logo este procedimento é um pouco mais demorado (cercado de dois minutos e meio) logo após o corte das veias jugulares.
O Halal tradicional não recomenda um método de atordoamento ao processo, porém o Halal se adequou aos procedimentos de países onde o atordoamento é realizado [3]. Um dos métodos mais conhecidos é a eletronarcose de baixa intensidade na cabeça do animal. Todo o processo posterior (processamento, embalagem, armazenagem e transporte) deve ser realizado por materiais e instalações não contaminados por produtos haram, devendo um auditor externo garantir as condições à certificação halal.
O conhecimento é passado de maneira gradual para cada pessoa. A prática é a maneira pela qual os participantes abastecem seu repertório simbólico para saber, por exemplo, qual o alimento favorito de cada tipo de entidade, ou qual refeição deve ser evitada de ser oferecida ao mesmo.
Consumidores da carne legítima preferem que a carne seja realizada sem insensibilização, mas aceitam o procedimento caso o método não resulte em lesões ou interfira na eficiência da sangria [4]. A eficiência é observada como sendo maior na carne em que não houve o método de atordoamento, segundo alguns trabalhos científicos.
A eletronarcose provoca um súbito aumento da pressão arterial no início, mas vai decrescendo com o tempo. No final, a insensibilização pode resultar na menor eficiência de sangria, porém outros fatores como estresse e posição do animal interferem nesta análise.
A certificação halal é a maneira que as entidades de auditoria escolheram para indicar companhias que cumprem as legitimações. Desta forma, a empresa ganha o selo correspondente e o direito de exportação aos países da Liga Árabe. A auditoria por selos está sendo um dos mercados de certificação religiosa de maior crescimento, em vista do número crescente de muçulmanos, sobretudo em território europeu, euroasiático, africano, persa e do extremo oriente.
Alcançando cerca de 22% da população mundial, os islâmicos estão disseminados pelo mundo, não somente na região dos países árabes. Necessidades de consumo de alimentos, cosméticos e produtos biotecnológicos fazem parte do número cada vez mais crescente de pessoas ao redor do mundo, sendo que o Brasil é o maior exportador de proteína animal aos países com taxa significativa de pessoas islamizadas.
A Câmara de Comércio Árabe Brasileira apresenta a relação de entidades que emitem certificações halal reconhecidas internacionalmente para exportação. Dentre elas, o Cdial Halal (CDIALHALAL) [6] é uma opção que entrega serviços diferenciados de certificação às empresas declaradas.
Com uma das maiores projeções de crescimento do mundo, o mercado islâmico está a aquecer a economia do mundo pós-pandemia. Com o texto de hoje, espero ter tirado algumas dúvidas sobre o halal e a importância do mesmo no mercado mundial. A próxima redação promete ser tão interessante quanto essa! Obrigado e até a próxima!