Texto de Izabelle Viana Costa

Caro leitor(a), antes de iniciar este texto, preciso levá-lo(a) de volta às suas lembranças (espero que boas) sobre suas aulas de biologia no ensino básico. Lá, estudamos sobre conceitos importantes dentro da citologia, incluindo as organelas. Isso mesmo que você pensou: ribossomos, mitocôndrias, retículo endoplasmático liso e rugoso… e todas essas parafernálias que a célula eucariótica usa para funcionar adequadamente. 

No texto de hoje trago informações sobre a descoberta relativamente recente de uma nova organela que virou capa de revista (literalmente): o nitroplasto.  

Figura 1: “Além da simbiose: aumentam as evidências de uma organela fixadora de nitrogênio”. A descoberta do nitroplasto estampou a capa da renomada revista científica Science em abril de 2024. A imagem ilustra algas marinhas em divisão celular, contendo nitroplastos, representados por estruturas redondas marrom-avermelhadas.

Em suma, podemos dizer que o nitroplasto é nada mais nada menos do que uma organela fixadora de nitrogênio. A fixação do nitrogênio presente no ar permite a transformação do nitrogênio gasoso em compostos como amônia ou íons amônio que podem ser assimilados e posteriormente transformados por diferentes organismos. Como você sabe, o nitrogênio é essencial para qualquer ser vivo, sendo parte, por exemplo, das proteínas e do DNA. Mas o que há de impactante nesta descoberta? 

Bom, a fixação de nitrogênio, até onde conhecíamos, era realizada única e exclusivamente por bactérias. Contudo, a descoberta do nitroplasto colocou este conhecimento em cheque, uma vez que foi encontrada uma estrutura fixadora de nitrogênio, pela primeira vez, em um ser eucarionte: a alga marinha Braarudosphaera bigelowii. Após anos de estudos, evidenciou-se que o nitroplasto era de fato resultado da internalização de um procarionte fixador de nitrogênio, que passou a ser totalmente dependente de seu hospedeiro eucarionte. 

A descoberta do nitroplasto é recente, já o antigo procarionte que o caracterizava e a sua relação simbiótica com B. bigelowii não o eram. Explico.  Há vários anos, pesquisadores na Universidade da Califórnia em Santa Barbara investigam esta intrigante relação entre o fixador de nitrogênio, denominado UCYN-A, e esta alga marinha. De forma paralela, um grupo de pesquisa na Universidade de Kochi no Japão também se empenhou em cultivar B. bigelowii, e após diversas tentativas, conseguiu o cultivo que possibilitou estudar esta alga, e consequentemente UCYN-A, mais a fundo. Só recentemente os pesquisadores conseguiram demonstrar que UCYN-A, de fato, cumpria todos os requisitos necessários para ser considerado uma organela. 

O que faz uma organela ser uma organela? 

Talvez você esteja, assim como eu, pensando quais foram os fatores e evidências que fizeram os cientistas concluírem que o UCYN-A era uma organela. Podemos citar, por exemplo, o crescimento de UCYN-A e B. bigelowii, que é controlado por uma troca de nutrientes, demonstrando a conexão entre seus metabolismos.  

Outro ponto essencial é que uma parte importante das proteínas de uma organela são codificadas originalmente a partir do DNA do hospedeiro e transportadas para a organela posteriormente. Isto foi observado durante as pesquisas com o nitroplasto, em que metade das proteínas presentes na organela eram produzidas pela alga marinha, e sinalizada com sequências de aminoácidos específicos que então serviam de guia até a organela recém-descoberta.  

E para confirmar, por fim, a suspeita, foi demostrado que a replicação que ocorre em ambos também é delicadamente sincronizada, o que reforçou definitivamente a proposta dos autores da pesquisa: estamos diante de uma nova organela! 

Afinal, por que a descoberta do nitroplasto é importante? 

Esta descoberta revela mais um caso raro do que chamamos de endossimbiose primária, isto é, quando um procarionte é “engolido” por um eucarionte, permitindo posterior integração à sua maquinaria celular e o título de organela. A partir deste tipo de pesquisa podemos mergulhar ainda mais profundamente nos estudos sobre a evolução dos seres vivos e sua complexidade resultante de processos impactantes como este. De maneira análoga, acredita-se que, há bilhões de anos, mitocôndria e cloroplasto também eram procariontes que se integraram a células criando uma relação de endossimbiose, eventos que mudariam o curso da história da vida, como propõe a famosa teoria endossimbiótica de Lynn Margulis.   

Para além disso, a descoberta do nitroplasto adiciona mais uma camada de conhecimento sobre o que sabemos a respeito do ciclo do nitrogênio no ambiente marinho. Ele certamente desempenha um papel importante na fixação do nitrogênio no mar, dada sua ampla distribuição. Vou ainda mais a fundo: sabendo da existência de uma organela específica para a fixação de nitrogênio, e se pudéssemos introduzi-la na célula vegetal? Seria essa uma alternativa ao uso dos fertilizantes na agricultura? Bom, deixemos estas perguntas e projeções, por ora aparentemente distantes da realidade, pairarem no ar. 

 

Foto de capa

 


Izabelle Viana Costa

Bióloga, doutoranda em microbiologia e grande apreciadora de açaí com farinha e divas pop.