A cor rosa tem recebido bastante destaque graças ao novo filme Barbie, estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling e dirigido por Greta Gerwig. Nas últimas semanas, a quase ubiquidade da cor em seus diversos matizes serviu como pano de fundo para discussões acerca de papéis de gênero. Entretanto, Barbie não é a única estreia recente a dar destaque ao rosa em uma obra que traz suas próprias questões sobre tópicos ainda polêmicos.
Falo de Nimona, animação que estreou na Netflix em 30 de junho de 2023.
Descrição do filme com spoilers mínimos
Em um reino medieval incrivelmente tecnológico, cercado por uma muralha que separa a população dos monstros do “mundo lá fora”, Ballister (Riz Ahmed) está prestes a se tornar o primeiro plebeu em mil anos nomeado como cavaleiro. Porém, a rainha morre durante a cerimônia e todos acreditam que Ballister é o assassino. Enquanto se esconde, ele conhece Nimona (Chloë Grace Moretz), uma jovem rebelde que se oferece para ser sua assistente. Inicialmente, o cavaleiro em desgraça recusa o auxílio da garota, decidido a provar sua inocência.
Mas ao ser imediatamente preso por seus ex-colegas de cavalaria, Ballister fica sem opções a não ser aceitar que Nimona o ajude. É nesse momento que ele descobre que Nimona é muito mais que apenas uma garota rebelde: ela é, na verdade, capaz de metamorfosear-se em qualquer criatura, geralmente na cor de rosa, o que a torna um monstro perante o Reino. Assim, Ballister precisa questionar conceitos que aprendeu durante toda a sua vida, de maneira a provar sua inocência e recuperar o amor de Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang).
Nimona é uma animação que mistura comédia, ação, momentos tocantes e mistério, com um estilo de animação muito bonito e uma trilha sonora maravilhosa.
Sobre o que é o filme
Acima de tudo, Nimona é um filme sobre a dificuldade que as pessoas têm em lidar com aquilo que é diferente. O fato de o Reino ter carros voadores e internet rápida, mas ainda ter uma “aura” medieval deixa bem explícito como tecnologia e costumes não evoluem na mesma medida.
O povo do Reino aprende a odiar o que é diferente e a não questionar as autoridades que reforçam esse pensamento. E isso não está presente só na forma com que agem com Nimona. Logo no início do filme, antes da morte da Rainha, a mídia e a sociedade demonstram repúdio contra Ballister, pois é impensável que um plebeu venha a ser um cavaleiro. Nunca aconteceu em 1000 anos, e para a maioria, isso deveria continuar da mesma forma, para sempre.
Há também a questão da identidade, mais especificamente a identidade de Nimona. Ballister questiona diversas vezes: “o que você é?”. E a resposta dela é, sempre, “Nimona”.
Não importa se ela tem a forma de uma menina, de uma baleia, de um rinoceronte, de um tubarão, um gorila, um rato ou de uma lontra. No final, Nimona é apenas Nimona. Mudar de forma é parte de quem Nimona é. Por isso, não metamorfosear seria não viver. Mas como isso é errado para a sociedade, Nimona vive uma vida solitária. Independente de quem ela é por dentro, ser diferente a faz um monstro. E monstros devem ser mortos… ou pelo menos é isso que o Reino diz.
A mensagem de Nimona
Ao explicitar como os preconceitos levam a sociedade à violência e ao sofrimento de quem é diferente, o filme comunica sua mensagem de forma sensível. Isto é, Nimona nos mostra como os preconceitos são destrutivos e perigosos. Em vez de abraçar o outro pela sua singularidade, nós nos fechamos em comportamentos excludentes. Desta maneira, perdemos a oportunidade de aprender com quem é diferente de nós, nos fechando em nosso próprio mundo.
Além disso, a experiência da personagem Nimona ressoa com a experiência de muitas pessoas que, por serem quem são, acabam vistas como erradas e impróprias pela sociedade. Por ser diferente, sua presença causa desconforto. Até mesmo Ballister, que se beneficia do poder de Nimona, demonstra dificuldade de aceitá-la como ela é. Pelo menos o cavaleiro plebeu tem boa vontade em entender sua assistente, ao perceber que há mais em Nimona do que sua habilidade fantástica.
Por outro lado, existe uma sociedade inteira confortável com o status-quo e que continua acreditando naquilo que os poderosos falam. Enquanto os “vilões” do filme (Ballister e Nimona) tentam provar que o sistema está errado, cada mínima ação deles é tida como prova de sua maldade inata. Até que eles se provem dignos, a sociedade já determinou que eles estão errados.
A origem de Nimona
O filme é uma adaptação da graphic novel de mesmo nome, de N. D. Stevenson. Para quem não conhece Stevenson, ele foi o responsável pelo desenvolvimento de She-Ra e as Princesas do Poder, a versão da Netflix para o clássico da década de 1980 (que é uma animação igualmente maravilhosa).
Stevenson é uma pessoa transmasculina, ou seja: ele foi designado menina no nascimento, mas reconhece-se com uma identidade masculina. Sobre o uso da cor rosa na história, ele disse ao The Hollywood Reporter:
Crescendo como alguém designado menina no nascimento, todo mundo sempre é tipo rosa, rosa, rosa. Quando era criança, eu era tipo ‘Eu não sou como as outras meninas. Odeio rosa. Nada de rosa pra mim.’ Então, quando eu estava criando [Nimona], eu quis reivindicar o rosa de um jeito que eu gostasse. Foi um desses tropos estereotipados que eu só queria reverter e fazer algo totalmente novo.
Stevenson conseguiu, sem dúvidas, resgatar o rosa: em sua história, a cor não é de meninos ou de meninas – rosa é a cor da mudança, da auto-afirmação e do amor incondicional de si.
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Você pode assistir Nimona na Netflix. Também sugiro que assista She-Ra e as Princesas do Poder, no mesmo streaming.