Nem todo herói usa capa, alguns usam seu material interno para combater o crime. Dão sua vida para proteger um bem maior: Você!

Hoje vou comentar um pouco do nosso herói com muita causa (na maioria das vezes). Ele é conhecido por alguns nomes, alguns bonitos e outros nem tanto, tais como polimorfonuclear (devido ao seu núcleo, que se apresenta em vários formatos; PMN) e neutrófilo. Além disso, dependendo de sua idade, também pode ser chamado de bastonete, que é sua fase mais jovem e está presente na medula óssea (e pode aparecer no sangue em alguns casos).

Neutrófilos, corajosos e destemidos como são, entre as células sanguíneas, se apresentam primeiro para o combate de qualquer invasor. Ora, essas células atingem o tecido que necessita de ajuda em pouco tempo e morrem nessa luta, tendo sua vida fora do vaso sanguíneo de apenas 1 a 2 dias. São os kamikazes da imunidade. Dão a vida para nos proteger. Por isso, deixo aqui minhas homenagens ao exaltar essa comunidade.

Como comentei, neutrófilos (ou PMN) são células de vida curta. São as primeiras a atuar no local. Não usam capa e dão sua vida para proteger seu corpo de invasores.

Se você olhar seu sangue no microscópio, observará muitas células sem núcleo (as hemácias) e algumas células com núcleo (os leucócitos; as células brancas). Agora, se observar, entre as células com núcleo, um núcleo com diversos lóbulos (pode variar; quanto “mais velha” a célula no sangue, mais lóbulo), os quais estão conectados entre si, esse é o neutrófilo (figura 01).

Figura 01 - Neutrófilo

Figura 01 – Neutrófilo

A função principal dessa célula é “comer” (fagocitar) bactérias. Além disso, são responsáveis também por se suicidarem para nos ajudar a combater o que está nos afligindo. Em decorrência à sua morte, podemos ver a formação de pus. Assim que você tiver sua garganta inflamada (dor, calor, vermelhidão, edema) e com pus, provavelmente teremos bactérias e neutrófilos no embate. Além de restos celulares, que são as células que sofreram o dano colateral da batalha.

Contudo, não apenas a fagocitose nos mantém longe de bactérias. Podemos chamar o neutrófilo do Homem-Aranha das células, ou célula-aranha.  Porém, antes de chegar a esse ponto, vou comentar um pouco de como um chamado do nosso corpo pode trazer um neutrófilo até o local desejado.

Imagine o seguinte, a bactéria entra em nosso tecido, começa a colonizar, se dividir. Células que estão no local lançam fatores quimiotáticos, os quais “chamam” nosso herói para a batalha inicial. Para isso, como podemos observar na figura 02, alguns processos aparecem, tais como rolamento, adesão e migração através do endotélio do vaso sanguíneo.

 

Imagem mostra os passos para que o neutrófilo atravessa o vaso e chegue ao sangue.

Figura 02 – Migração dos neutrófilos

 

Ao chegar até o local pretendido, o campo de batalha, o neutrófilo começa a liberar seus grânulos (os quais contêm Espécies Reativas de Oxigêno (ROS)) e a fagocitar o que for preciso. Sua membrana celular mais “maleável” que a de outras células permite ao neutrófilo a ser o primeiro, a linha de frente contra o invasor.

Como são nossos “peões”, eles chegam em massa e sua produção chega a 10¹¹ células produzidas diariamente pela medula óssea.

Mas a produção de ROS e a fagocitose não são as únicas armas que o nosso pequeno guerreiro apresenta. O nome usado de “Célula-Aranha” não é à toa.  Pois, uma nova arma fora descoberta, a chamada NET, ou Armadilha Extracelular de Neutrófilos (ou Neutrophil Extracelullar Traps).

No ano de 1996 o pesquisador Takei e colaboradores descobriram uma forma de morte dos neutrófilos que não era apoptose ou necrose. Esses neutrófilos analisados morriam com sua cromatina descondensada, dissolvendo sua membrana celular e liberando a cromatina coberta com grânulos proteicos. Porém, apenas em 2004, o pesquisador Brinkmann publicou e cunhou o nome NETs, e assim se iniciou o estudo para entender melhor as NETs.

Com os estudos, logo foi descoberto que sua formação se dava entre 2 e 4 horas após a célula estar ativada. Também, descobriu-se que a formação das NETs se dá por dois caminhos, como pode ser ilustrado no esquema abaixo, na figura 03.

Imagem mostra dois caminhos para formação das NETs. Primeiro é chamado de Netose e o outro é Netose não lítica

Figura 03 – Caminhos para formação das NETs

 

Contudo, na formação das NETs nem tudo são flores, pois quando há excesso, facilmente podem ocorrer danos. Por exemplo, danos direto às células podem levar a sepse, facilitar doenças autoimunes. Ativar macrófagos por essa via pode facilitar a formação de aterosclerose. Quando a NET está presente em excesso na circulação, podem ocorrer coagulação, oclusão intravascular e a formação de trombose.

Enfim, apesar desses eventuais problemas, os neutrófilos correm agora em sua corrente sanguínea esperando o próximo microrganismo entrar em contato com você para que possa fazer seu serviço, nem que seja agarrar a bactéria com sua própria “teia”.

Deixo aqui uma imagem de microscopia eletrônica de bactérias presas nessa teia. E vale lembrar que todos os artigos que citei estão abaixo do texto. Até a próxima!!!

 

Bactérias presas pela NET formada pelos neutrófilos

Bactérias presas pela NET formada pelos neutrófilos

 

Bibliografia

Gretchen SS., et al. An overview of the role of neutrophils in innate immunity, inflammation and host-biomaterial integration. Regenerative biomaterials. 2017.

Mutua V, & Gershwin LJ. A review of Neutrophil extracellular Traps (NETs) in disease: Potential Anti-NETs Therapeutics. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2020.

Papayannopoulos V. Neutrophil Extracellular traps in immunity and disease. Nature. 2018.

Abbas AK, et al. Imunologia Celular e Molecular. 9ª edição. 2019.