Meu objetivo com esse texto é mostrar uma coisa que para mim não teve, até o momento, a repercussão necessária, principalmente pela gravidade do ocorrido. Vou falar de crime ambiental, de descaso, de influência de grandes empresas no poder público e na mídia (por quê não?), de tanta injustiça que chega até doer. 

Vamos falar do que houve em Maceió e da Braskem.  

A primeira vez que vi o que aconteceu em Maceió foi no twitter há uns 4 anos. Era uma thread que mostrava os efeitos da mineração de sal-gema no bairro de Mutange, em Maceió. 

Quando vi as imagens da situação das casas, eu fiquei chocada. Naquela altura já se sabia o que tinha acontecido e quem era o responsável, nesse caso, a responsável. 

Esse assunto circulou nas redes sociais recentemente, ainda sem a repercussão necessária,  porque a Braskem é uma das patrocinadoras do BBB23, com um discurso de empresa sustentável. Algumas pessoas apontaram a tentativa da Braskem em se vender como uma empresa sustentável e que pensa no meio ambiente como puramente ações de marketing. 

 

Tremores e Rachaduras  

A Braskem explorava minas de sal-gema em Maceió, capital do estado de Alagoas, desde 2002 e, em 2018, tremores de terra começaram a ser sentidos pelos moradores do bairro de Pinheiro.

Os primeiros tremores foram sentidos após fortes chuvas em fevereiro de 2018. Esses tremores foram se transformando em rachaduras enormes nas casas e os relatos vindos de muitos moradores chamou a atenção da Defesa Civil de Maceió, que começou a investigar as causas. 

Casas de outros bairros de Maceió, como Mutange, Bebedouro, Farol e Bom Parto também começaram a ter as mesmas rachaduras. Os bairros de Mutange e Bebedouro ainda em 2018. Em maio de 2019, o Serviço Geológico do Brasil concluiu em seu estudo que as consequências do que estava acontecendo em Maceió eram provocadas pela atividade de mineração da Braskem na extração de sal-gema. 

A extração do sal-gema em Maceió provocou um fenômeno geológico chamado de subsidência. A subsidência acontece quando as camadas mais profundas do solo e das rochas que formam o relevo são retiradas por ação humana ou não e o solo que está exposto não consegue se sustentar e cede. Ok, agora eu devo ter matado do coração os geólogos que possam estar lendo isso aqui. 

A extração do sal-gema era feita pela técnica da dissolução em que poços eram cavados e água com pressão era injetada no solo. O sal era dissolvido em uma salmoura (água super concentrada de sal) que era sugada para purificação do sal. Aqui conseguimos ver o infográfico produzido pela Braskem para ilustrar o método de extração.  

Imagem ilustrativa que mostra como era feita a extração de sal-gema pela Braskem. Um poço era cavado para que água sob pressão fosse injetada na mina. Com a pressão o sal dissolve formando uma salmoura. Essa salmoura era retirada por outro poço.

Além dos  poços de extração existiam os de monitoramento, que eram cavados para monitorar a profundidade dos poços. Os pilares de sustentação entre poços deveria ter uma espessura mínima para garantir que os poços não se misturassem. Isso não foi respeitado e acabou provocando sua união, formando cavernas muito grandes. 

Com a retirada do sal, o solo ficou encharcado e, sem as camadas de sustentação, o solo começou a ceder. 

Imagem Ilustrativa da Situação de Maceió. Podemos ver a extração do sal-gema, as rachaduras no solo e nas casas e o terreno cedendo.

Resultado: milhares de casas e de famílias foram atingidas e as pessoas precisaram ser removidas de suas casas às pressas por conta dos riscos envolvidos. Hoje já são mais de 55 mil famílias que precisaram sair e abandonar suas casas do dia para a noite. 

O Ministério Público Federal, em conjunto com o Ministério Público de Alagoas e a Prefeitura, entrou com uma ação na justiça para que a Braskem assuma a responsabilidade pelos danos sociais e ambientais exigindo a responsabilização e a reparação dos danos causados. 

A Braskem foi condenada a uma série de ações que foram desde a implementação de um sistema de sismógrafos e equipamentos de monitoramento do solo e área de risco à remoção das famílias das áreas de risco, demolição das casas mais atingidas, pagamento de indenizações pelos danos materiais e morais causados e compensação ambiental pelos danos causados. 

O Ministério Público Federal possui uma descrição detalhada de todas as suas ações e qual o plano de trabalho da Braskem após as condenações que sofreu na mitigação dos impactos gerados pela sua atividade. 

Leia aqui se você quiser entender toda atuação do MPF no Caso Braskem. A linha do tempo do Ministério Público Federal, em que todos os eventos são descritos com detalhes, pode ser lida aqui. 

As primeiras condenações da Braskem ocorreram em 2020 e as ações de mitigação começaram desde então. A área de risco segue sendo monitorada e assim que outras áreas inicialmente não mapeadas são identificadas como de risco, as ações de mitigação são tomadas. 

 

Impactos: Questão Ambiental x Questão Urbana 

Quero destacar aqui alguns dos impactos que podem passar despercebidos e que são negligenciados quando se pensa em impacto ambiental. Quero mostrar como os problemas ambientais estão mais ligados aos problemas urbanos do que a maioria das pessoas pensa imediatamente. 

É importante lembrar que, até o laudo de confirmação do Serviço Geológico do Brasil e das condenações na Justiça Brasileira, a Braskem negava que sua atividade mineradora estivesse causando estragos em Maceió. E até hoje, com algumas famílias atingidas tentando uma condenação da empresa na Holanda, país de origem da mineradora, os efeitos da mineração ainda são negados. Os impactos, no entanto, são inegáveis. 

 

Impactos Sociais 

Os bairros atingidos pelas consequências da  mineração da Braskem fazem parte do ponto mais antigo de Maceió, onde estão localizados os primeiros bairros da cidade. Muitas igrejas antigas, cemitérios, comércios antigos estão localizados na área que as pessoas desocuparam. Uma parte da história da cidade não pode mais ser acessada pelas pessoas. 

Muitas famílias foram removidas e indenizadas por suas perdas materiais, mas existem diversos relatos de pessoas que se sentem injustiçadas com a indenização que receberam, pois os valores recebidos são menores dos que as avaliações realizadas dos bens afetados. Existem diversas matérias que descrevem o ponto de vista dos afetados aqui, aqui e aqui. 

Algumas pessoas estão contrariando as ordens da Defesa Civil e resolveram permanecer nas casas ou comércios da região porque não conseguem deixar sua história e de seus familiares para trás.

 

Impactos Ambientais e Urbanos 

Para além do Crime Ambiental flagrante com a desestabilização geológica de uma área de 5 bairros inteiros em que mais de 50 mil pessoas que tiveram que desocupar suas casas e abandonar suas vidas e se mudar, a questão da moradia é um dos maiores impactos ambientais e urbanos. Mais de 50 mil pessoas tiveram que, de uma hora para outra, deixar sua casa e todos seus pertences e procurar outro lugar para morar. 

Nenhuma cidade, por maior que seja, está preparada para lidar com esse êxodo de uma região e para acomodar as famílias em outros bairros da cidade. 

Todos os serviços e equipamentos públicos são afetados. Nas áreas atingidas existiam escolas, postos de saúde, hospitais, serviços de água e esgoto, drenagem urbana, coleta de resíduos sólidos, serviços de atendimento à população etc. 

Outro impacto muito importante é que uma região inteira da cidade está isolada e não pode ser acessada. Diversas ruas e avenidas que eram usadas para deslocamento urbano das pessoas, como rotas de transporte público não podem mais ser usadas. O trânsito em Maceió foi afetado, o deslocamento das pessoas, o transporte público também. 

O Acordo  Ambiental que a Braskem fez com o Ministério Público pode ser lido aqui e prevê uma séria de ações para mitigação de alguns dos impactos ambientais causados e também o compromisso de que eles serão responsáveis pelos impactos que podem vir a surgir em decorrência ainda das atividades mineradoras, conforme monitoramentos e laudos que estão sendo realizados. 

 

Existe reparação? 

As ações da Braskem na tentativa de minimizar os impactos causados continuam, mas as pessoas atingidas estão longe de sentirem que a justiça foi feita. Procurando pelas palavras #Maceió e #Braskem nas redes sociais vemos diversos relatos de pessoas que não estão satisfeitas com as indenizações recebidas e nem com as ações que estão sendo feitas. 

A verdade é que um impacto desse tamanho que atinge as vidas das pessoas de forma tão definitiva dificilmente pode ser remediado ou compensado de alguma forma. 

As pessoas atingidas perderam muito mais do que seus bens pessoais, perderam sua história, a cultura e patrimônio dos lugares onde nasceram, cresceram e viveram suas vidas e o direito de acesso a tudo isso. 

Maceió, Fevereiro de 2020. Google Earth.

Maceió, Outubro de 2020. Google Earth. Os telhados das casas das áreas atingidas foram retirados deixando as casas a mostra.

Maceió, Dezembro de 2022. Google Earth. As casas das áreas mais atingidas foram demolidas como medida de segurança.

Os impactos continuam…

Em uma das ações, a Braskem foi condenada e, para mitigar o impacto ambiental, deve executar o fechamento das minas para estabilidade da cavidades com areia dentro do que foi estabelecido nos estudos ambientais e geológicos que foram realizados. A Braskem precisaria se atentar ao impacto ambiental decorrente da atividade de extração de areia e ter certeza de que a areia que seria utilizada para estabilização da área é proveniente de fonte sem impacto ambiental. 

Agora em janeiro de 2023, um mês antes de quando escrevo este texto, a Braskem foi pega utilizando areia de uma praia que é Área de Preservação Permanente. Apesar de ter assumido que a areia é retirada de área proibida a Braskem colocou a culpa na empresa responsável pelo fornecimento da areia. 

A matéria você lê aqui.

 

Mitigação? 

Os impactos gerados por tudo isso ainda permanecerão por muitos anos. As feridas abertas nas pessoas são eternas e é muito difícil chutar quantos anos a cidade de Maceió ainda vai levar para conseguir ter uma vida mais normal. 

A Braskem, no entanto, já começou a correr atrás do prejuízo causado à sua imagem e está tentando se vender por aí como empresa com responsabilidade sócio ambiental. O patrocínio ao BBB 23 gerou revolta a população de Maceió, porque uma das reclamações é a de que as ações são insuficientes financeiramente e que para patrocinar o reality não faltou dinheiro. 

A pergunta que fica… é possível mitigar os impactos de forma satisfatória?

Existe reparação possível?

Espero que esse texto tenha te deixado tão revoltado quanto eu fiquei quando li essa história anos atrás no twitter. Quem sabe, com repercussão, impactos gigantes como esse deixam de acontecer.

Vejo você na próxima!

 

Imagem da Capa

Casas da área atingida antes das demolições sem as coberturas dos telhados. É possível ver o interior das casas.

Fonte: Afundamento em Maceió já atinge 4.500 comerciantes e realoca até hospital. Folha de São Paulo 01/08/2021. Disponível Aqui. 

 

Referências

Subsidência do Solo. Disponível aqui.   

Água Sua Linda Mineração Sal-gema. Disponível aqui. 

Extração do Sal-gema. Braskem aqui. 

Documentário: A Braskem passou por aqui. 05/08/2021. Youtube. Disponível aqui. 

Maceió Está Sumindo do Mapa 02/08/2021. Meteoro. Youtube. Disponível aqui. 

Braskem patrocina BBB23 e Gera Revolta entre moradores de Maceió. Uol. Disponível aqui.