Em 15/08/2022, a Agência Fiocruz publicou os resultados de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz sobre possíveis benefícios à saúde mental associados à prática do Reiki. O estudo contou com apenas 8 pessoas e concluiu pela presença de efeitos positivos do Reiki no alívio das pacientes diante de transtorno depressivo e agudo ou em remição. Mas será que devíamos, sequer, dedicar esforços nesse sentido?
Fiquei sabendo desse estudo da Fiocruz (link) no Twitter diante de uma postagem indignada da (diga-se, incrível) Natália Pasternak. Na mensagem, além do n amostral assustadoramente pequeno, é destacado que a prática avaliou efeitos de “sons de alta vibração” emitidos pelo celular em atendimentos telepresenciais de Reiki.
Nos termos da matéria publicada, as 8 pacientes envolvidas, que sofreriam de transtorno depressivo e agudo ou em remição, teriam recebido o tratamento de Reiki à distância, além da prática de escuta terapêutica e atendimento presencial com um psiquiatra. O estudo teve foco nesse tipo de atendimento, refletindo o distanciamento de pacientes e profissionais durante o período da pandemia do SARS-COV-2.
Primeiramente, mesmo se focarmos só na parte científica da coisa, podemos citar inúmeras críticas ao estudo.
O cientificamente qualificável…
“Sons de alta vibração” são comprovadamente ineficazes. Desde 2005 a tese de supostos “narcóticos auditivos” é alvo de críticas, com a publicação do I-Doser, um aplicativo que vendia faixas sonoras que teriam supostos efeitos similares ao de fármacos e drogas, desde analgésico até simulação alucinógena.
O assunto gerou uma onda de boatos entre pais e mães preocupados com seus filhos, por possível vício em “drogas eletrônicas”.
A efetividade disso, no entanto, já foi mais que sepultada, com diversos estudos apontando a ineficácia, em resultados indistinguíveis do placebo, tal como publicado pela própria Revista Questão de Ciência (link) e, mais recentemente, pela Revista Super Interessante (link).
Ah, claro, os tais “sons de alta vibração” do estudo da Fiocruz não consideram qualquer verificação dos tipos de equipamentos de reprodução de sons, variação de qualidades, frequências, tipos de fone de ouvido ou caixa de som, qualidade de processamento, etc.
A publicação do estudo, ainda, aponta diretamente o Reiki como responsável pela melhora das pacientes, quando, em verdade, a própria matéria se contradiz ao citar a prática de Escuta Terapêutica e formação de “vínculos entre usuário e terapeuta”.
Por si só, essa afirmação invalida qualquer vínculo direto entre o Reiki e a melhora de pacientes, já que a Escuta Terapêutica é uma estratégia que pode ser adotada na psicoterapia e é conhecida há tempos. Mais do que desabafar, é uma oportunidade de ouvir o paciente e perceber, em linguagem verbal e não verbal, os problemas que o afetam para, então, buscar soluções. E, por isso, vem sendo adotada em diversos ramos de atendimento à saúde além da psicoterapia, como, por exemplo, na enfermagem.
O número de pacientes observados, por sua vez, é chocante.
Com o registro de mais de 34 milhões de diagnósticos confirmados de COVID no Brasil, os relatos de casos de depressão entre pessoas diagnosticadas ou não, diante do medo da enfermidade e da instabilidade no mundo todo, dispararam.
Mesmo que tomássemos apenas uma pequena parcela da população, digamos, 340 mil pessoas, correspondente a 1% da população diagnosticada, para um estudo com um mínimo de confiabilidade para ciências de saúde, o número de pessoas escolhidas para o estudo, apenas 8, representa uma parcela percentual tão ínfima (0,00235%) que poderia ser desconsiderada.
Não sou da área, então não posso sequer apresentar um cálculo que me pareça razoável. Mas, vendo artigos sobre o tema (tal como, por exemplo, em link), vejo que um estudo qualitativo, como se propõe o divulgado, precisaria de uma amostra muito maior de pacientes para uma conclusão minimamente razoável.
Com a constatação do aumento sensível de casos de depressão e ansiedade pós-COVID (vide notícia da Veja Saúde, de 08/02/2022, link), é impressionante que o estudo tenha selecionado um número tão reduzido de pacientes.
Ah, e bom dizer, não há sequer menção de um grupo controle!
Dito isso tudo, é bom olhar para o objeto da apuração, o Reiki, que, por sua vez, também é alvo de críticas. Por isso, é importante contextualizar para quem não conhece a prática.
…e aquilo que não dá para cientificamente qualificar…
O Reiki foi criado por Usui Mikao, um japonês nascido em 1865 e morto em 1926. Ele foi um monge budista focado no estudo de terapias de saúde holísticas e tinha como conceito descobrir uma maneira de, tal como fizeram Jesus e Buda conforme relatos religiosos, promover a cura por meio da imposição de mãos.
Usui estudou diversos exercícios de meditação, respiração e oração de diversas origens, incluindo o Kiko, uma prática chinesa que expressa o uso de “energia vital” para cura de pessoas. Usui não teria se agradado com esse método e, depois de 21 dias de meditação e jejum, teria recebido uma visão, com aplicação de símbolos místicos em seu corpo, liberação de chakras e o acesso à energia do Reiki (que se traduz, literalmente, energia universal), uma fonte de energia vinda de Deus e que poderia ser canalizada pela pessoa para a cura.
O método do Reiki teria sido mantido em segredo por Usui, transmitido apenas a alguns discípulos, sendo que um deles o difundiu e iniciou outros membros mediante a aplicação dos símbolos místicos, por meio gestual, no corpo dos novos iniciados. A passagem ao Ocidente, por sua vez, veio por meio de uma mulher nipo-americana, Hawayo Takata, a qual criou uma clínica no Havaí e difundiu a prática.
Aqui, vemos como o Reiki está enraizado na fé. Para ser reikiano, é preciso acreditar na existência de um Deus (não necessariamente ligado a uma vertente religiosa específica), na capacidade de se conectar diretamente a ele e na possibilidade de obter e direcionar suas energias, como meio de cura.
…e, concluindo, nenhuma evidência de eficácia!
Esse que vos escreve aqui é teísta e reikiano. Mas, não é por isso que entendo como minimamente razoável um estudo tido por científico fazer conexões entre uma prática religiosa e a cura de pacientes.
Um estudo (link) conduzido por Anita Catlin, professora de enfermagem e jornalista norte-americana, em 2011, fez a análise de tratamento com 189 pacientes, divido em três grupos iguais de 63 pacientes cada, todos em tratamento oncológico para verificação do uso do Reiki na melhora da qualidade de vida e bem-estar.
Os pacientes foram divididos entre um grupo controle, sem tratamento, um grupo de aplicação de Reiki e um terceiro grupo de falso-Reiki. O grupo de falso-Reiki tinha voluntários que tocavam nos pacientes, sem serem iniciados em Reiki e apenas pensando em assuntos cotidianos enquanto o faziam, como nas compras que precisavam fazer para sua rotina.
O resultado do estudo apontou, de fato, uma melhora geral nos pacientes que receberam Reiki, mas em efeito exatamente igual ao do falso-Reiki, demonstrando que o tratamento humanizado e o contato físico são relevantes, não havendo evidências de forças místicas de cura.
Um outro estudo, de 2015, conduzido pela Universidade de Otago, da Nova Zelândia (link), fez uma análise comparativa de artigos científicos que relacionam o Reiki a curas de diversos tipos, concluindo que a esmagadora maioria dos estudos eram baseados em forte viés de confirmação e com baixos números de amostra de pacientes, impedindo a reprodução confiável de resultados para análise comparativa.
Esse tipo de postura, na publicação de estudos sem critérios científicos, e que rende usos e abusos por mídias tendenciosas a crendices, gera efeitos práticos graves. Outro estudo, esse de 2021, publicado no European Journal of Clinical Pharmacology (link), conduzido em 25 países, aponta que ao menos 21% dos participantes optaram pelo uso de métodos de tratamento alternativos, como o Reiki, em substituição da medicina tradicional, ou seja, sem a realização de tratamentos efetivos.
Situações como essa, em que o paciente se embriaga em suas crenças a ponto de rejeitar tratamentos efetivos, fez diversas vítimas famosas, como Steve Jobs, morto em 2011, que tratou câncer a base de sucos e ervas, e Marcelo Rezende, jornalista, morto em 2017, que abandonou a quimioterapia em favor da dieta cetogênica e retiros espirituais.
Considerando dados de estudos feitos pela própria Fiocruz em 2021 (link), quando se constatou que mais de 61% da população brasileira buscou métodos como Reiki, homeopatia e outros tratamentos alternativos durante o período de pandemia como ferramentas de autocuidado, evidente que a falta de instrução e consciência da população ao acesso à saúde é uma hipótese preocupante, e pode gerar um evitável agravamento de enfermidades e mortes, baseado exclusivamente em crenças.
A crendice, suportada pela mídia, estimula o imaginário popular, o que causa reflexos na escolha de representantes e políticas públicas de saúde. Nisso, temos um Ministério da Saúde que, em 2018 (Portaria nº 702, link), incluiu no SUS práticas como Constelação Familiar, Ozonioterapia e diversas outras práticas pseudocientíficas, gastando dinheiro público, tempo e acesso de pacientes a tratamentos reais, em prejuízo da população.
Por conta disso, opinião desse que vos escreve, bola fora fortíssima da Fiocruz em promover conclusões como as da publicação feita. A fé como ferramenta de paz espiritual e qualidade de vida é válida e deve ser, evidentemente, reconhecida. Mas confundir essa mesma fé como uma verdade científica é extremamente perigoso! Um verdadeiro risco social de saúde e educação.
Para quem quiser ler um pouco mais sobre o assunto, e ter mais referência a estudos sobre o tema, sugiro a leitura de uma linda matéria da Revista Questão de Ciência (link), que traz uma leitura em diversos artigos sobre as suposições e falha de evidências de tratamentos alternativos.
E que lutemos por uma medicina baseada em evidências. Nossa fé, guardemos para nós mesmos.
– Túlio Monegatto Tonheiro “
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