O nono maior meteorito já encontrado no mundo com, ao menos, três minerais que não existem naturalmente na Terra está a venda por quatro milhões de dólares e pode ser comprado por alguém que vai fatiá-lo para usar como matéria-prima na produção de tranqueirinhas. Dá para acreditar?

 

Meteorito achado

Próximo à cidade de El Ali na Somália, numa área de pasto que é usada há séculos por pastores de camelos da região, uma empresa de mineração da pedra preciosa opala “descobriu” uma rocha diferente das demais da área. Enviou uma amostra para um laboratório determinar sua composição elementar e isso revelou a composição de Fe (44,28%), Ni (44,97%), Mg (5,54%), Co (1,80%) e Al (1,40%).

Essa proporção de elementos químicos revelou que a rocha era na verdade um meteorito ferroso, também chamado de siderito, que é basicamente composto de ligas de ferro e níquel. Meteoritos são materiais sólidos vindos do espaço e que atingem a Terra, sobrevivendo à sua entrada e passagem pela atmosfera.

Meteorito El Ali no local onde foi encontrado. Há diversos afundamentos na sua superfície, provavelmente devido ao uso de ferramentas ao longo de gerações dos povos locais. [Ref.]

Em agosto de 2020, percebendo que a rocha se tratava de um meteorito, a empresa o retirou do solo arenoso para envio para a capital da Somália, Mogadishu. Quando essa história se espalhou, o governo interveio no transporte e o caminhão com o meteorito foi mantido em custódia pelas forças de segurança nacional.

O Ministério de Minerais e Petróleo da Somália promoveu uma investigação sobre a rocha em conjunto com a Universidade de Almaas, que além da composição química, enviou fotos, medidas e o peso estimado de 16,8 toneladas. O geólogo A. A. Hussein recomendou que o governo comprasse o meteorito de volta e o mantivesse no país. Porém, segundo Hussein, o governo não se interessou por essa proposta e liberou o meteorito à empresa mineradora para que ela possa vendê-lo. Hoje o meteorito está na China aguardando a venda, estimada no valor de quatro milhões de dólares.

 

Novos minerais achados

Enquanto isso estava acontecendo, aquela amostra enviada pela empresa para determinação da composição química foi dividida e enviada para um pesquisador da Universidade de Duke, N. Gessler, e para um pesquisador da Universidade de Alberta, C. Herd.

Gessler promoveu o corte e polimento da amostra mostrando o padrão de Widmanstaetten e enviou mais pedaços para caracterização em outros laboratórios.

Amostras do El Ali após polimento e tratamento ácido das mesmas. As marcas presentes na superfície é o padrão de Widmanstaetten, que consiste em um entrelaçamento fino de bandas ou fitas de kamacite e taenite, conhecidas como lamelas, comum para meteoritos ferrosos. [Ref.]

Já Herd, estava no processo de classificação dos minerais presentes no meteorito e percebeu duas estruturas que não conhecia. Por sorte, essas duas estruturas já haviam sido sintetizadas em 1980 por um laboratório francês e já era de conhecimento geral que ambas não existiam naturalmente na Terra.

Apesar da estrutura já ter sido sintetizada em laboratório, estas só são chamadas de minerais e nomeadas quando encontradas naturalmente. Dessa forma, os dois novos minerais foram chamados de elaliite, por causa da cidade próxima do local onde o meteorito foi encontrado, e elkinstantonite em homenagem à cientista Lindy Elkins-Tanton que pesquisa como os núcleos planetários são formados.

Ainda, um terceiro novo mineral foi encontrado no Instituto de Tecnologia da Califórnia, nomeado de olsenite, em homenagem ao cientista Edward J. Olsen, que dentre suas pesquisas descreveu diversos novos minerais em meteoritos.

 

O El Ali em específico é importante?

Diversos meteoritos são encontrados na superfície do nosso planeta todos os anos. Para se ter uma ideia de quantidade, em 2021 o El Ali foi submetido e aceito no Nomenclature Committee of the Meteoritical Society juntamente com mais 2801 meteoritos.

Porém, meteoritos ferrosos, como o El Ali, não são tão comuns, correspondendo a apenas 5,7% dos meteoritos encontrados até hoje. No caso de 2021, apenas 43 dos 2802 meteoritos eram desse mesmo tipo. Esse tipo de meteorito ainda é classificado de acordo com a proporção de diferentes íons metálicos presentes em sua composição química, sendo que o El Ali faz parte do grupo IAB, o qual tem apenas 368 membros encontrados no total da história humana.

Além do El Ali já ser raro devido sua composição, esse meteorito é o nono maior já encontrado no planeta e o terceiro maior no continente africano. Para relacionar novamente com os meteoritos submetidos à Meteoritical Society em 2021, o peso total dos 2802 meteoritos foi de 18,9 toneladas, sendo que disso, o El Ali sozinho correspondia a 15,2 toneladas.

Meteorito El Ali sendo transportado após retirada da região onde foi encontrado. [Ref.]

A composição química e o peso do meteorito foram estimados utilizando uma amostra de menos de 100 gramas, ou seja, apenas 0,00066% da massa total, vinda de apenas um pedaço do meteorito que tem em média 2,0 metros de largura, 1,3 metros de comprimento e 1,0 metros de altura. Portanto, mais amostras que representem o meteorito de forma mais significativa podem dar informações adicionais importantes, quem sabe até mesmo mostrar mais minerais novos.

Além disso, como a região onde o meteorito se encontrava é usada há muito tempo como pastoreio e passagem para a cidade de El Ali, a rocha já era conhecida há pelo menos cinco gerações pelos locais, chamada por eles de “Nightfall”. Como ela parecia metálica, era usada para afiar facas, além de aparecer no folclore da região através de canções, danças e poemas.

Considerando seu tamanho, o El Ali é o quarto maior meteorito encontrado na superfície terrestre que chegou a ser utilizado por povos nativos, inclusive desde tempos pré-históricos, uma vez que estudos de datação realizadas na Universidade de Arizona indicam que o meteorito pode ter caído na região a mais de 2000 anos, ainda na Idade do Ferro ou do Bronze. Dessa forma, além da importância para as ciências naturais, o meteorito encontrado tem muita importância para as ciências humanas, uma vez que já fazia parte do patrimônio histórico e cultural da região.

Infelizmente, ao mesmo tempo que o estudo mais profundo do El Ali poderia trazer descobertas e benefícios tanto para a Somália, onde o mesmo foi encontrado, quanto para o mundo, poderemos ver o meteorito ser tratado como uma matéria-prima metálica qualquer, dependendo de quem for o comprador.

 

Fica a provocação

Um patrimônio natural é de quem o descobre? É um direito de quem encontrá-lo fazer o que bem entender?

Se extrapolarmos um pouco as coisas, podemos relacionar essas perguntas com o “descobrimento” de países, a colonização e, consequente, dizimação de povos nativos. Sua opinião continua a mesma?

 

Mais informações

Site da Universidade de Duke que compila e atualiza todas as informações obtidas até o momento sobre o meteorito El Ali.

 

Referências

Meteoritical Bulletin Database. El Ali.

Alberta researchers identify new minerals from meteorite found in Somalia.

The Meteoritical Bulletin, No. 110.

Meteoritos Sideritos (metálico/ferroso).

Abdulkadir Abiikar – The El Ali Meteorite (with 6 in situ images of the meteorite, 1 image of it on a crane in Mogadishu, and 3 others).

Nick Gessler – Natural and Cultural Heritage Considerations of El Ali Revised 26 June 2021.