O filme “Matrix” é, sem sombra de dúvida, um dos maiores clássicos da ficção científica da história do cinema. Em pleno ano de 1999, a película nos levou para uma realidade distópica apavorante onde todos os seres humanos foram dominados por uma inteligência artificial e, enquanto servem como fonte de energia para as máquinas, vivem dentro de uma simulação, uma realidade virtual feita para imitar a sociedade humana perto da virada do século XX para o XXI e manter todo mundo inconsciente sobre a situação. A produção original ainda teve duas grandes sequências: “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”, ambos de 2003.
Nos último 20 anos, muitos tipos de tecnologia deram saltos enormes. Se pararmos para pensar, em 1999 a internet ainda engatinhava, com conexões lentas e instáveis e ainda estava longe de ser como é hoje. Celular era só para quem tinha muito dinheiro e, mesmo assim, não fazia quase nada além das chamadas telefônicas (tem gente que já nem sabe direito o que é isso). Mesmo o SMS, que tinha o bizarro nome de “torpedo” na época, ainda não era algo usado corriqueiramente. Smartphone e internet móvel, então, nem se fala.
Hoje em dia, vivemos em um mundo de drones, realidade virtual, inteligência artificial, internet das coisas e tantos outros recursos que se beneficiaram diretamente desse rápido avanço tecnológico das duas últimas décadas. Então vamos analisar o quão longe nossa tecnologia está distante do que vimos no filme “Matrix”. Será que já é possível sermos subjugados pelos robôs com inteligência artificial e virarmos meras baterias deles?
No universo de “Matrix”, durante as primeiras décadas do século XXI, o ser humano criou robôs com inteligência artificial para servir como assistentes, seja em tarefas domésticas, por exemplo, seja em trabalhos mais braçais. Para que fossem mais agradáveis no trato com as pessoas, eles foram criados como humanoides e interagiam pacificamente com as pessoas. Até algo diferente acontecer.
No ano de 2090, após ser extremamente maltratado por seu dono, um desses robôs se rebela e o mata, juntamente com sua família e até seus animais de estimação. A máquina assassina é julgada e condenada à destruição. Isso desencadeia uma série de protestos contra e a favor do que poderíamos chamar de “direitos dos robôs”, visto que a IA neles os torna assustadoramente parecidos com o ser humano. Com medo que mais dessas máquinas sencientes se rebelem contra os humanos, os governos autorizam a destruição em massa dos robôs.
As máquinas que sobreviveram à perseguição se reúnem e criam uma nação própria, que se torna extremamente bem-sucedida economicamente, mas a perseguição por parte dos seres humanos não pararia por aí. Em uma tentativa de acabar com os robôs de uma vez por todas, a ONU cobre toda a recepção de luz solar na Terra para cortar a fonte de energia das máquinas. O que ninguém esperava é que eles optariam, então, por uma bateria alternativa: a própria raça humana.
Com isso, os robôs subjugaram os humanos e passaram a “cultivar” pessoas para utilizar toda a energia produzida pelo nosso corpo para funcionarem. E para que ninguém consiga se rebelar contra eles, todos os humanos gerados para fornecer energia vivem eternamente plugados a um sistema de realidade virtual que os faz achar que vivem normalmente na Terra, como tudo sempre foi antes do surgimento dessa inteligência artificial tão poderosa. Mas será que já existe um sistema de IA capaz de tudo isso?
A resposta mais simples para essa pergunta é “não”. Porém, os sistemas de inteligência artificial avançaram assombrosamente nos últimos anos, o que muda um pouco esse questionamento – a pergunta deveria ser: algum dia uma IA vai ser capaz disso? E a resposta seria “talvez”.
O que conhecemos hoje como inteligência artificial é a ciência que torna máquinas inteligentes. Isso não quer dizer necessariamente que assim elas já se aproximam de um ser humano em intelecto – IA pode ser apenas uma grande sequência de linhas de código que desencadeiam a realização de uma tarefa de maneira inteligente. Porém, indo muito além disso, temos o que é chamado de machine learning, ou aprendizado de máquina.
Machine learning, que compõe uma parte dos sistemas de IA, é quando uma máquina possui uma inteligência artificial suficiente para que consiga aprender coisas novas a partir de dados recebidos. Ela faz o uso de algoritmos para organizar essas informações, reconhecer padrões e obter conhecimentos novos a partir disso. Com isso, é possível até que um sistema altere seu modo de trabalho, por exemplo, caso aprenda uma maneira melhor de fazer o que faz.
Se com machine learning já dá para ficar levemente receoso com o que pode acontecer, não se esqueça que ainda existe o deep learning, que compõe uma parte dos sistemas de aprendizado de máquina. O deep learning, como o nome já indica, é o nível mais profundo de aprendizagem. Seus algoritmos imitam – ou pelo menos tentam copiar – a rede neural do cérebro humano. Aí a coisa fica bem mais avançada.
Hoje, a inteligência artificial está espalhada por toda nossa volta, nas assistentes virtuais de nossos smartphones, como a Siri, a Alexa e a Google Assistente, e em sistemas menos visíveis, como aqueles encontrados em redes sociais que sabem nos direcionar conteúdo e produtos que sabem que queremos acessar.
Grandes mentes ligadas à tecnologia, como Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, e o falecido cientista Stephen Hawking, tinham suas opiniões formadas e não eram assim tão favoráveis à inteligência artificial. Hawking dizia que isso poderia “significar o fim da humanidade” e Musk ia até mais longe, dizendo que ao mexer nessa área, a humanidade estava “invocando o demônio”. Bill Gates, fundador da Microsoft, também é bem reticente: “Concordo com Elon Musk e alguns outros sobre isso e não entendo porque algumas pessoas não estão preocupadas”.
Ray Kurzweil, famoso inventor e engenheiro da computação, deu uma declaração que pode ser assustadora, ressaltando que “os computadores de 2029 devem ter todas as capacidades intelectuais e emocionais dos humanos”. Será? Ele vai ainda mais longe dizendo que, no futuro, nossos cérebros vão estar conectados à nuvem por meio de nanorrobôs, o que torna o universo de “Matrix” ainda mais realista: imagine se uma inteligência artificial autônoma resolver tomar conta de nossos cérebros.
No fim das contas, é muito complicado prever onde o ser humano vai chegar com o desenvolvimento de inteligências artificiais cada vez mais capazes e de deep learning cada vez mais profundo. Se ao mesmo tempo isso soa perigoso e pode ser uma ameaça para nós, como muitos influenciadores afirmam, não podemos negar que essa tecnologia é extremamente útil e benéfica (por enquanto, pelo menos). Para o nosso bem, tomara que Musk, Hawking e Gates estejam enganados.
Grande parte de “Matrix” também diz respeito a outra tecnologia que foi bastante desenvolvida recentemente – a realidade virtual. No filme, os humanos que servem como bateria das máquinas passam a vida toda em casulos no mundo real onde são alimentados e produzem a energia necessária para as máquinas. Eles também estão sempre conectados a um sistema de simulação onde, ao receber os pulsos elétricos corretos no cérebro, acham que vivem uma vida plena na Terra em torno do ano 2000.
Dentro dessa realidade virtual, tudo pode ser manipulado – afinal, nada é real, mas sim uma simulação feita por computador, com códigos e regras que podem ser quebrados, como as leis da física. Por isso nos filmes o protagonista e seus companheiros conseguem agir praticamente como super-heróis.
No nosso mundo real, porém, tudo ainda está bem distante disso. O que se utiliza em termos de realidade virtual hoje não chega nem perto da imersão mostrada no filme, porém, já existem óculos de VR com resoluções maiores, sistemas de som mais realistas e aplicações que conseguem quase nos fazer esquecer que ainda estamos nesse nosso universo fisicamente limitado.
Indo além daquilo que existe disponível comercialmente por aí, como os dispositivos Oculus Rift, HTC Vive ou mesmo o PlayStation VR, encontramos projetos como o da startup Neurable, que trabalha com estímulos captados diretamente no cérebro dos usuários para enriquecer a criação de realidades alternativas.
A startup foi capaz de criar suas interfaces cérebro-computador graças a desenvolvimentos sinérgicos em dois campos não relacionados, a eletroencefalografia (EEG) e a realidade virtual. EEG é o processo de registrar as ondas cerebrais de uma pessoa através de eletrodos conectados diretamente ao crânio, porém, os dados coletados eram complicados de se decifrar e forneciam apenas informações simples, como se a mente que foi analisada estava concentrada ou distraída, entre outras coisas.
A Neuralink, uma das empresas lideradas por Elon Musk, anunciou recentemente (um pouco antes de eu escrever este texto) uma grande evolução no seu sistema de implante cerebral. Durante o evento, foram apresentadas todas as possibilidades do que esse pequeno dispositivo é capaz de fazer quando inserido em nosso crânio e influenciando as nossas conexões neurais. Um aumento da capacidade e velocidade para absorver novos conhecimentos, a possibilidade de comunicação direta entre seres humanos em o uso de qualquer tipo de interface (podemos chamar isso de telepatia?), além da possibilidade de trazer a “cura” para condições neurais como paraplegia, usando a interface da Neuralink para (re)conectar os nervos que foram rompidos por algum tipo de trauma. Além desse avanço, uma das coisas que mais chamaram a atenção é o fato deste procedimento cirúrgico de implante no cérebro ser totalmente realizado por um robô.
É aí que entra aquilo tudo que já foi tratado por aqui: redes neurais e deep learning. Sistemas desse tipo possuem uma capacidade imensa de detectar padrões e, com isso, são capazes de compreender muito melhor os registros cerebrais feitos por meio da EEG. Com isso, é possível determinar o estado emocional de uma pessoa e quase desvendar o que ela está pensando.
Por meio da captura dessa atividade cerebral e, mais importante ainda, da tradução desses sinais, as experiências de realidade virtual podem – e vão! – se tornar cada vez mais imersivas ao ponto de chegarmos a confundir a simulação com o mundo real. E aí sim nos aproximamos ainda mais do que vemos no filme “Matrix”.
De fato, sistemas de inteligência artificial dos mais avançados podem carregar seus perigos – nós não fazemos muita ideia de onde tudo isso vai chegar, mas dá para arriscar que nada de muito grave deve acontecer pelo menos nos próximos 50 anos ou mais. Afinal, por mais que as redes neurais artificiais de deep learning se aproximem de alguma forma do funcionamento do cérebro humano, nós mesmos conhecemos pouquíssimo sobre nossa própria mente. Muito dificilmente teríamos a capacidade de criar uma rede neural próxima a ponto dela ter autonomia suficiente para se rebelar contra nós.
Já a realidade virtual é certamente uma das ferramentas com maior potencial que temos nos dias atuais, podendo ser usada em treinamentos de diversos tipos, em aplicações de saúde, em ambientes militares, na manipulação de dados e muitos mais. E, é claro, como não poderia faltar, no entretenimento. Dificilmente um sistema de VR poderia causar algum para o ser humano. A não ser em um futuro distante, quando ligado a uma inteligência artificial senciente muito mais avançada do que as de hoje e que, por algum motivo, tivesse algum ressentimento muito grande contra nós. Aí, meus amigos, torçam para que o Escolhido esteja perto de ser encontrado.