Homens se preocupam menos com sua saúde, consequentemente vão menos ao médico, não se previnem, adquirem doenças que seriam facilmente tratáveis caso tivessem o diagnóstico precoce. Logo, morrem mais cedo. No primeiro texto falei sobre masculinidade (caso não tenha lido clique aqui) e os motivos que levam os homens a irem menos ao médico. Nesta segunda parte comentarei em como o Sistema Único de Saúde (SUS) vêm tratando a saúde do homem atualmente.
Uma das diretrizes do SUS é a Equidade, que busca tratar as pessoas da melhor forma que convém. Eu e você somos pessoas diferentes e temos necessidades diferentes, assim o SUS busca tratar desigualmente os desiguais. Na discussão do texto essa definição é importante pois é a partir dela que o SUS procura novas formas de atender o público masculino que pouco o frequentava.
Contexto histórico da saúde do homem no Brasil
O Brasil foi pioneiro nos anos de 1930 e 1940 na luta contra doenças sexualmente transmissíveis, na criação de uma definição “ciência do problemas sexuais masculinos” – mais tarde essa definição foi descartada.
Na década de 1970, surgem os primeiros debates em torno da homogeneidade do homem, porém não se pode dizer que existiam políticas públicas voltadas para população específica. Apesar de não ser o foco, existia um movimento de saúde com campanhas voltadas para o consumo de álcool e das chamadas “doenças venéreas” que se destinavam a espaços de convivência masculino como bares e bordéis.
Porém o debate de saúde do homem não conseguiu se consolidar como movimento social de base na saúde. Acredita-se que na época a reivindicação de uma política de saúde integral específica para a população masculina poderia ser mal interpretada e entendida como um movimento contrário aos que lutavam para promover programas de gênero destinados à saúde da mulher.
Nos anos 90 houve duas conferências mundiais que foram marcos para discussão da saúde masculina: em 1994 na cidade do Cairo (Egito) sobre População e Desenvolvimento e em 1995 em Pequim (China) na IV Conferência Mundial De Saúde de Mulher, onde se discutiu a inclusão dos homens nas políticas de saúde.
No Brasil, em 2007, no âmbito do SUS, foi incluída a meta prioritária a implantação de uma política nacional de saúde do homem. Na viabilização desse projeto, foi criado o Área técnico de Saúde do Homem (ATSH) mais tarde, em 2013, nomeada como Coordenação Nacional de Saúde do Homem (CNSH). Dentro deste contexto foi criada a portaria da Política Nacional de Saúde Integral do Homem (PNAISH).
POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO HOMEM
Com a formulação da PNAISH, o Brasil foi o primeiro país das Américas a ter uma política voltada para o público masculino – e o segundo no mundo após a Irlanda ter formulado a sua em 2008 (1).
A PNAISH visa a qualificar a saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado que resguardem a integralidade da atenção. A portaria foi criada em Agosto de 2009, partindo justamente da observação de que os homens frequentavam menos os espaços de saúde. Convencionalmente o SUS tinha sua prioridade voltada para mulheres e crianças – mais recentemente aos idosos – considerando-os como mais frágeis e com maior necessidade de atenção. Políticas essas que deixavam de fora 41% da população de homens no Brasil, os que estão entre 20 a 59 anos (dado de 2009).
Desde 1988 o Brasil tem em sua constituição o direito à saúde como dever do Estado para com todos os cidadãos. Nesta lógica os homens também se incluem, tal como outras populações específicas. Os princípios e diretrizes do SUS devem estar em consonância aos da PNAISH.
Caso queira saber mais sobre os Princípios e Diretrizes do SUS vou deixar nas referências um texto sobre o tema. Vamos aos elementos listados como principais objetivos da PNAISH.
- Seu objetivo principal é “de facilitar e ampliar o acesso com qualidade da população masculina às ações e aos serviços de assistência integral à saúde da Rede SUS, mediante a atuação nos aspectos socioculturais, sob a perspectiva de gênero, contribuindo de modo efetivo para a redução da morbidade, da mortalidade e a melhoria das condições de saúde” (2).
Os objetivos específicos se dividem em três grupos de forma a garantir a integralidade:
- I.”Organizar, implantar, qualificar e humanizar em todo o território brasileiro a atenção integral à saúde do homem, dentro dos princípios do SUS” (2).
Dentro do princípio da integralidade fala sobre tratar não só a doença, engloba ainda educação, lazer, renda, moradia entre outros.
- II. “Estimular a implantação e implementação da assistência em saúde sexual e reprodutiva, no âmbito da atenção integral à saúde” (2).
Aqui engloba aspectos relacionados com a reprodução, problemas sexuais, doença sexualmente transmissíveis (DST). Garante a equidade de outros grupos como: LGBTQI+, com alguma deficiência física, trabalhadores rurais, privados de liberdade e em situação de risco.
- III “Ampliar, através da educação, o acesso dos homens às informações sobre as medidas preventivas contra os agravos e enfermidades que os atingem” (2).
Espaço onde se possa ter reuniões de grupos masculinos com o objetivo de promover educação em saúde, parcerias com movimentos sociais e outras estruturas de governo com o mesmo objetivo. Permitindo assim a Participação Popular.
CÂNCER DE PRÓSTATA
Quando se fala de saúde do homem um tópico que não poderia deixar passar em branco é o do Câncer de Próstata, sendo em solo brasileiro o segundo maior tipo de câncer diagnosticado entre homens (atrás apenas de pele não melanoma) e, quando se leva em consideração ambos os sexos, é o segundo tipo mais comum (3). Desde os estigmas que cercam a doença, o medo do exame do toque, as inúmeras piadas sobre o tema acabam por criar um certo preconceito em torno da doença.
As taxas de incidência do câncer de próstata vem aumentando no Brasil e no mundo, justificadas pela falta de acesso aos exames de diagnóstico, pouca informação em torno do tema e o aumento da expectativa de vida. É considerada uma doença da terceira idade, pois 75% dos diagnósticos são acima dos 65 anos. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), estima-se que houve 68.220 novos casos em 2018, e tem uma taxa alta de mortalidade quando comparado a outros tipos de câncer, 14.844 em 2015 (3).
A próstata é uma glândula masculina localizada logo abaixo do abdômen, um órgão pequeno situado abaixo da bexiga e frente ao reto. Além de envolver a porção inicial da uretra, a próstata tem como principal função a produção do sêmen.
- Diagnóstico:
Pode ser feito de duas maneiras, a dosagem de PSA e o exame do toque. Ambos os métodos de diagnósticos não possuem 100% de precisão, por isso, devem ser complementares (3).
Dosagem de PSA – exame que avalia a quantidade do antígeno prostático específico. Na maioria dos homens, o nível costuma ficar abaixo de 4ng/ml. Pacientes com nível normal podem ter um tumor maligno, podendo até mesmo ser mais agressivo, o exame feito de forma isolada não é confiável.
Exame do Toque ou Toque Retal – A glândula é localizada logo na frente do reto, o exame permite o médico apalpar a próstata e perceber se há nódulos ou tecido endurecidos. O toque é feito com o dedo protegido por luva lubrificada, é rápido e indolor. É isso, nada muito complicado. Então por que existe um estigma tão grande voltado para esse exame?
No ano de 2011, um artigo publicado relatou que, de 160 homens, 34% afirmavam que o exame “afeta sua masculinidade” e se possível preferiam não fazer-lo. O mesmo artigo relata que 10,9% não acham o exame importante e 16,9% têm medo de realizar-lo (4).
No primeiro texto eu comentei bastante sobre Masculinidade. Vendo esses dados me faz pensar em como somos frágeis. É sim um exame invasivo, mas mulheres fazem exames semelhantes frequentemente. Talvez seja devido ao toque retal estar de certa forma no imaginário masculino relacionado a “ser gay”, logo, fazer esse exame está descartado.
Ainda no artigo de 2011, os entrevistados relataram ter uma barreira ao realizar esse exame. Segundo o autor, “mesmo que o homem não sinta a dor, no mínimo, experimenta o desconforto físico e psicológico de estar sendo tocado, numa parte íntima”. Em estudos internacionais também se vê o relato de “medo ao realizar o exame”, mostrando assim que essa masculinidade frágil não é somente no Brasil. “O ato de realizar o toque retal é delicado para o homem, pois nesse momento, sua visão de masculinidade pode ser ameaçada” (4).
Para combater esse preconceitos em relação ao Câncer de Próstata temos o Novembro Azul com um mês inteiro dedicado a políticas públicas voltadas para o tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falei no primeiro texto e volto a dizer novamente, toda a visão relatada aqui é da minha vivência como homem hétero cis. Adoraria ver outras opiniões sobre o tema. Comentei bastante do SUS e como as políticas públicas estão se voltando para o assunto, neste governo tudo está incerto e falo com medo pois o SUS está ameaçado.
Tinha o plano de falar sobre como a masculinidade vem sendo retratada de forma diferente na cultura POP, porém isso vai ficar para outro texto. Caso queira saber mais sobre o tema vou deixar uma série de referências abaixo. Em caso de dúvidas sempre procure um profissional de saúde. Comentários, dicas e críticas são sempre bem-vindo. Abraços.
REFERÊNCIAS:
(1). CARRARA, S.; RUSSO, J. A.; FARO, L. A política de atenção à saúde do homem no Brasil: os paradoxos da medicalização do corpo masculino. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 659-678, 2009.
(2) _____. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Plano de Ação Nacional (2009-2011). Brasília, 2009a.
(3)Instituto Nacional de Câncer. Síntese de resultados e comentários [texto na Internet] 2005.
(4) PAIVA, E. P et. al. Barreiras em relação aos exames e rastreamento do câncer de próstata Rev. Latino-Am. Enfermagem Artigo Original19(1):[08 telas] jan-fev 2011.
Apesar de não citar diretamente, parte do texto foi tirada da Política Nacional de Saúde do Homem disponível em: http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-do-homem
Usado bastante também está disponível em pdf: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/novembro/07/livroPol–ticas-2018.pdf
Citados no texto: