Algo que sempre me chamou atenção ao estudar a epidemiologia de algumas patologias era a incidência, que geralmente acomete mais mulheres do que homens. Na época me questionei se era por as mulheres serem mais suscetíveis à doença ou se era por homens pouco se prevenirem (tinha uns 19 anos, óbvio que é a segunda opção rs). Na real, já parou pra pensar em por que é super comum uma mulher ir ao ginecologista, já ao homem fazer o exame do toque, para prevenção de câncer de próstata, ser motivo de piada. No texto eu vou tentar falar um pouco do conceito de masculinidade é como isso reflete na saúde masculina.

Patologias como Depressão, Doenças Cardiovasculares, Alzheimer, Osteoporose, Incontinência Urinária (que pouco existe dado de acometer homens) entre outras têm maior incidência em mulheres. As justificativas vão desde de fatores genéticos a uma expectativa de vida maior. Tudo bem alguns desses fatores podem sim influenciar no desenvolvimento de doenças. Porém observe que, segundo o IBGE (2019), a expectativa de vida de 80 anos para mulheres e 73 para homens tem como principais fatores para esse número o fato de que homens têm comportamento mais violento; vão menos ao médico; fumam, bebem e se alimentam de maneira errada com maior frequência. Provavelmente esses comportamentos derivam de uma sociedade cheia de preconceitos em torno da masculinidade que cultivamos e pouco refletimos durante a vida.

MASCULINIDADE

Clint sempre teve sua imagem ligada ao “homem de verdade”

O tema masculinidade encontra-se presente pelo menos por duas décadas no meio das ciências sociais e humanas, e existe uma variedade em sua definição [1], de forma geral é descrito como: a posição nas relações de gênero, as práticas pelas quais os homens e mulheres se comprometem nessa posição e os efeitos dessas na experiência corporal, na personalidade e na cultura [2].

O período também é importante para a definição de masculinidade. Partindo de uma época hegemônica (essa definição é apenas para esclarecer e de longe reflete minha opinião), masculinidade constitue o antagonismo de homens e mulheres, ou seja, qualquer negação de características ditas “femininas”. O homem procura ser “forte”, racional, ter uma sexualidade sem limites enquanto as mulheres cabe a ternura e a fragilidade [3].

Este modelo homofóbico da masculinidade, em que existe a superioridade masculina frente às mulheres, é essencializado na cultura, onde tem-se a crença de que o corpo masculino tem predominância, resultando na esfera pública o “homem de verdade” ou “homem normal” [4].

Essa visão é prejudicial não só para mulheres como para a sociedade em geral. Falo da minha visão. Cresci com pessoas ao redor me falando que devia engolir o choro, que devia me relacionar com o máximo de mulheres que pudesse (o famoso “e as namoradinhas”). Tendo isso em vista, ir ao médico sem aparentemente “nenhuma doença” seria uma fraqueza ou no mínimo uma vulnerabilidade. Minha irmãs iam frequentemente, eu só ia em caso de doença grave.

Chimamanda Adichie fala brilhantemente melhor em como o machismo é prejudicial, em sua palestra no TEDx “Devemos todos ser feministas”. também tem um documentário sobre o tema: “Mask You Live In” (2015).

BARREIRAS SOCIOCULTURAIS E INSTITUCIONAIS

Vemos em alguns números sobre o uso dos serviços de saúde no Brasil, que  40,3% das mulheres (excluindo o pré-natal e partos)buscam por motivo de prevenção já os homens em torno de 28,4%. Por motivo de doenças, os homens ficam com 36,3%, já as mulheres 33,4%. Na questão da atenção primária, os números são próximos, com 32,6% para mulheres e   30,2% os homens [5].

Dentre as causas apontadas pelo distanciamento dos homens ao serviço de saúde estão as barreiras socioculturais e institucionais [6]. Quanto às socioculturais, que já foram explicadas acima, um exemplo prático: O homem deve ser provedor, ajudar sua mulher e filhos a terem moradia, comida e o que for necessário para que eles consigam uma vida digna e saudável. Em meio a isso, pouco lhe sobra tempo para se preocupar consigo mesmo. Depressão e ansiedade, por serem doenças muito “novas”, refletem pouco, consequentemente pouco vão ao médico.

Você deve estar imaginando “parece tão simples de se resolver, é só os rapazes se conscientizarem e procurar ajuda profissional”. Na teoria sim, porém, na prática não. Temos um processo difícil de ser quebrado chamado socialização que pode ser definido como: assimilação de hábitos característicos de seu grupo social, todo o processo através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade, assimilando a cultura que lhe é própria.

Dentro desse conceito podemos dividir em socialização primária e secundária. Primária é no início de sua vida, por exemplo, quando criança você vê sua mãe, com medo de uma barata, correr e chamar seu pai para matá-la. Indiretamente aprende-se o papel do homem de proteger, matar algo que represente algum perigo. Já a secundária é tudo que vem subsequente do indivíduo já socializado, por exemplo, seus amigos fumam, logo você, para fazer parte desse grupo, tende a fazer o mesmo. Não quer dizer que futuramente você irá seguir isso – caso seja mulher ter medo de barata ou caso seus amigos fumem irá fumar também.

Outro processo que distanciam os homens são os institucionais,  dentre eles podem ser citados: o horário de funcionamento das unidades que coincidente com a jornada de trabalho; as equipes de saúde constituídas, predominantemente, por mulheres; a demora em conseguir atendimento; o acolhimento deficiente; o despreparo dos profissionais; a ausência de programas voltados ao público masculino; a estrutura física que não permite uma privacidade no atendimento; a precarização e baixa resolutividade dos serviços de saúde, principalmente na atenção básica.

Dentro do meio da saúde pública, vêm sendo discutido recentemente as relações entre masculinidade e cuidado em saúde. Tem-se analisado, com base na perspectiva de gênero, que o foco está na dificuldade na busca por assistência de saúde e as formas como os serviços lidam com as demandas específicas dos homens, o que pode ampliar as dificuldades [7].

As dificuldades dos homens têm a ver com a estrutura de identidade de gênero (a noção de invulnerabilidade, a busca de risco como um valor), a qual dificultaria a verbalização de suas necessidades de saúde no contexto da assistência.

O IMAGINÁRIO MACHISTA REFLETINDO NA SAÚDE

Acho que já ficou claro como alguns preconceitos refletem diretamente na saúde masculina e como a associação dessa imagem faz com que o homem tenha um “descuido”, logo desvalorizando a prevenção e promoção em saúde [8]. Olhamos de maneira geral agora vou me aprofundar um pouco em alguns mais relevantes.

  • Despreparo de alguns profissionais de saúde: existe uma demanda na qual os profissionais de saúde não estão preparados [9]. Eu, na minha formação, tive uma cadeira específica de saúde da mulher, enquanto na saúde do homem pouco ia além de algumas piadas (faz alguns anos que me formei, espero e acredito que tenha mudado).
  • Medo de descobrir alguma doença grave: você já deve ter ouvido aquela “não vou ao médico, vai que eu descubro alguma coisa de ruim”. O medo da morte ou de alguma doença grave distância o cuidado masculino. Por volta de 57,6% constatou esse sentimento [10]

  • Por vergonha de expor seu corpo, principalmente quando se fala no exame da próstata [10]. Quantas piadas em inúmeras séries, filmes, comédia stand up tem-se sobre o assunto.
  • De compartilhar espaços educativos com mulheres, ou até mesmo de expor suas necessidades a profissionais do sexo feminino [8].
  • Querer um atendimento imediato: priorizando muita vezes os serviços de farmácias, pronto socorro ou até mesmo a automedicação [8].

MUITA PROBLEMATIZAÇÃO E POUCA CONCLUSÃO (OU CARAS VAMOS LEVAR NOSSO GUARDA-CHUVA)

Esse texto era pra ser pequeno falando de alguns problemas e como a saúde pública vem buscando soluções. Existe todo o movimento que está mudando a saúde masculina que vou apresentar no próximo texto. Outra coisa importante pontuar, falo muito da minha experiência sou homem cis hétero, adoraria ver outra visões e opiniões sobre o tema.

Se tem algo que aprendi ouvindo podcast foi que “para problemas complexos não existem soluções simples”. Falei de muitos problemas que nos levam ao pouco cuidado na nossa saúde, e, sim, esse texto serve como uma autocrítica pra eu mesmo, já fiz e faço muito dos costumes citados no texto.

Lembro que sempre tive vergonha de andar com um guarda-chuva. Não sei o motivo. Desde criança, apesar de minha mãe obrigar a sair com ele, dificilmente eu abria kk. Acho que  por vergonha, por isso o paralelo com a saúde: levar um guarda-chuva é um sinal de prevenção.

REFERÊNCIAS:

  1. SEPARAVICH, M. A; CANESQUI, A.M. Saúde do homem e masculinidades na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem: uma revisão bibliográfica, Saúde Soc. São Paulo, v.22, n.2, p.415-428, 2013.
  2. CONNELL, R. W. La organización social de la masculinidad. In: VALDÉS, T.; OLAVARRÍA, J. (Ed.). Masculinidad/es: poder y crisis. Santiago: Ediciones de las mujeres, 1997. p. 31-48.
  3. GOMES, R. et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 6, p. 1975-1984, 2008b.
  4. WELZER-LANG, D. Os homens e o masculino numa perspectiva de relações sociais de sexo. In: SCHPUN, M. R. (Org.). Masculinidades. São Paulo: Boitempo; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. p. 107-128.
  5. PINHEIRO, R.S. et al. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cienc. Saude Colet., v.7, n.4, p.687-707, 2002.
  6. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional De Atenção Integral à Saúde do Homem. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009.
  7. COUTO, M.T. et al. Men in primary healthcare: discussing (in)visibility based on gender perspectives. Interface – Comunic., Saude, Educ., v.14, n.33, p.257-70, abr./jun. 2010.
  8. Machado MF, Ribeiro MAT. Os discursos de homens jovens sobre o acesso aos serviços de saúde. Interface: Comunicacao, Saude, Educacao; 2012 abr/jun;[citado 15 mar 2014];16(41):343-56. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/2012nahead/aop2912.pdF
  9. Gomes R, Rebello LEFS, Nascimento EF, Deslandes SF, Moreira MCN. A atenção básica à saúde do homem sob a ótica do usuário: um estudo qualitativo em três serviços do Rio de Janeiro. Cienc. saude colet. [on line]. 2011;[citado 15 mar 2014];16(11):4513-22. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011001200024&script=sci_arttext.
  10. Albano BR, Basílio MC, Neves JB. Desafios para a inclusão dos homens nos serviços de atenção primária a saúde. Revista Enfermagem Integrada; 2010 nov/dez;[citado 15 mar 2014];3(2):554-63. Disponível em: http://goo.gl/t4sdkQ.

VÍDEOS CITADOS NO TEXTO:

Chimamanda Nós Deveríamos todos ser Feministas (legendado)

Documentário You Mask Livin In (legendado)

Tese Onze fala um pouco sobre socialização e machismo

CITADOS NO TEXTO:

Expectativa de vida de Homens e Mulheres

Depressão maior entre Homens

A relação entre homens e médicos

Conceito de Socialização

Tirinha

Texto do coleguinha aqui no Deviante sobre violência 

PODCAST SOBRE O TEMA:

Mamilos sobre Masculinidade

Tricô de pais sobre masculinidade tóxica

Tricô de pais sobre saúde mental

Tricô de pais sobre depressão

Teologia de boteco outras masculinidades possíveis