Oi, pessoas! Bom aí? Bom aqui! Quero apresentar para vocês hoje o linguista como perito forense. Um perito forense é alguém que tem conhecimento científico, que seja reconhecido pelos seus pares como especialista na área, e que é chamado para dar seu parecer técnico para ajudar a resolver uma disputa jurídica. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, o linguista forense tem espaço como perito em tribunal há mais de trinta anos. No Brasil, apenas recentemente começamos a estudar a linguística forense, portanto o linguista como perito forense ainda não é uma área muito conhecida.
O linguista forense pode trabalhar em várias áreas. Pode trabalhar junto à polícia, por exemplo, em treinamento para interrogatório ou situação de sequestro, ou em análise de cartas de ameaça. Um linguista forense pode contribuir para reformas linguísticas no âmbito jurídico que ajudem na comunicação com as pessoas leigas como jurados e testemunhas. E, o foco do nosso texto de hoje, pode trabalhar, em tribunal ou em escritórios de advocacia, como perito.
Uma das áreas mais requisitadas hoje nos tribunais do Reino Unido é a identificação de autoria (authorship). Se esse pode ser um assunto que te interessa, sugiro que siga o professor Tim Grant no Twitter (@timgrant123). Cada pessoa tem um estilo de escrita e a identificação de autoria em tribunais serve não só para identificação de plágio, mas para confirmar se um suspeito escreveu ou não determinado documento, ou se um bilhete de suicídio foi escrito mesmo pela pessoa que morreu ou ainda se as últimas mensagens de uma pessoa desaparecida são realmente dela.
Recentemente, saiu na mídia que a juíza Hardt teria copiado parte da sentença produzida pelo então juiz Sergio Moro. Aparentemente essa é uma prática comum e já existem contra-argumentos preparados para dizer que o juiz ou a juíza não se deu ao trabalho de argumentar a respeito daquele caso específico. A defesa do Lula, então, procurou o Instituto Del Picchia que faz perícias documentoscópicas. A ideia é ter um embasamento melhor para a argumentação. Qual foi minha surpresa ao ver que não há linguistas entre os profissionais? Zero. Afinal, o Brasil ainda não sabe que existem linguistas forenses.
Vou trazer aqui alguns exemplos tirados do livro Uma introdução à linguística forense, dos prof Malcom Coulthard e Alison Johnson, de casos em que linguistas forenses foram chamados para darem seu parecer.
Usando a linguística de corpus para analisar o morfema Mc (sim, esse de McDonald’s), o professor Shuy mostrou – em um caso do McDonald’s contra uma rede de hotéis que queria criar o McSleep – que o uso desse prefixo tinha se distanciado da marca e caído em um uso independente, que significaria ‘básico’ ou ‘conveniente’. Isso tudo em 1987!
Em outro exemplo, um especialista foi chamado para dar sua opinião a respeito das palavras ‘acidente’, ‘doença’ e ‘síndrome’ em um caso contra uma empresa de seguro de saúde. Em outro processo, um policial que estava ‘infiltrado’ apresentou no tribunal, por escrito, todas as suas interações feitas por telefone com o acusado. Ele disse que anotava tudo depois de desligarem. A contra argumentação não foi que a informação estava incorreta, mas, na verdade, precisa demais. Isso implicaria o uso de gravações as quais a polícia negava a existência. Uma análise linguística mostrou que seria necessária uma habilidade extraordinária de memória para transcrever uma conversa com aquela precisão. Outras situações que demandam um linguista forense são análises de confissões em apelações de processos e análises relacionadas à compreensão e produção de conteúdo por parte de não falantes nativos.
Na leitura dos exemplos acima, talvez tenha passado pela cabeça de vocês o problema do viés de confirmação. Se o perito é contratado por um dos lados, ele é contratado para ‘achar’ determinadas informações. Esse é um dos desafios de qualquer perito: ter sua metodologia muito clara para que possa, inclusive, ser refutada por um colega. Mas esse é um problema que já permeou outras áreas também, não só a linguística. A tendência é que as metodologias se tornem cada vez mais estabelecidas para trazer cada vez mais credibilidade ao trabalho.
Existem outros desafios como o limite do tempo de fala, a forma como os dados são apresentados e até o equilíbrio entre termos mais técnicos e uma linguagem mais acessível para leigos. Mas esses são assuntos para outro texto.
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Referência
Coulthard, M. and Johnson, A. (2007). An Introduction to Forensic Linguistics: Language in Evidence. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group
Sugestões de leitura sobre o assunto:
Clark, Isobelle, Kredens, K. 2018. ‘I consider myself to be a service provider’: Discursive identity construction of the forensic linguist expert. 2018. International Journal of Speech Language and Law, Vol 25, No 1, pp. 79-107.
Conley, John M., O’Barr, William M. 2005. Just Words: Law, Language, and Power. 2nd ed. Chicago and London: The University of Chicago Press.