Sempre que chegamos nessa época do ano, é inevitável pensarmos o que vai acontecer no ano seguinte, especialmente depois de quase dois anos de uma pandemia que parece não ter fim e o tempo está passando em um ritmo completamente diferente. Então começamos a fazer nossas resoluções de fim de ano, avaliar o que fizemos de certo, de errado, o que poderíamos ter feito diferente ou repetido muitas e muitas vezes e, por fim, definir as metas para os próximos 365 dias, muitas delas que são inalcançáveis.
Meta para comer melhor, economizar dinheiro (essa é bem difícil hein!), fazer uma viagem para o exterior, emagrecer, fazer exercícios, parar de procrastinar, reduzir um pouco o ritmo de trabalho e cuidar mais da própria saúde.
Em tempos normais, as pessoas estariam se reunindo em multidões nas praias para agradecer, celebrar o ano que está terminando e renovar as energias para o próximo que está chegando. Neste momento, toda ideia é válida e muito do que ouvimos ou fazemos requer uma dose extra de criatividade.
Não é só em época de fim de ano que exigimos um grau a mais da nossa criatividade. Existem muitos momentos em que precisamos ter ideias para resolver um problema complexo no trabalho, para inventar uma brincadeira com as crianças quando elas estão no período de férias escolares (nesse período de aulas online isso é essencial), ou simplesmente para escrever um bilhetinho para aquela ou aquele paquera que estamos a fim (acabei de denunciar minha idade aqui)! Hahahaha
E você pode estar se perguntando ou afirmando para você mesmo que ser criativo é para poucos ou para aquelas pessoas que já nascem com essa predisposição. Mas é aí que você se engana! E se engana muito, muito mesmo! Segundo dados do banco mundial, os seres humanos chegam na fase escolar com 98% de potencial criativo e, ao final dos aproximadamente 16 anos de estudo, ensino fundamental + ensino médio + ensino superior, ficamos com apenas 2% desse potencial… Siiiiiiiim, apenas 2%!!!
Mas, por que raios isso acontece?
Existem muitos fatores que afetam a nossa capacidade criativa. Mas antes de falarmos sobre eles, quero que vocês se lembrem de quando eram crianças e brincavam com tudo que aparecia na mão. Uma vassoura, virava uma guitarra ou um cavalinho de pau, uma caixa grande de papelão virava uma casinha ou um carro movido à imaginação, bonecos eram responsáveis pelas peças de teatro, novelas e estórias de amor mais interessantes já vividas. Conseguiram lembrar dessas ou de outras situações parecidas?
Agora vamos voltar à nossa realidade…
Quantas vezes exercitamos a nossa mente para esse processo criativo que as crianças possuem? Na maior parte do tempo nós, adultos, estamos no modo automático e não damos muita importância para esses detalhes. Acordar cedo, tomar banho, se vestir, escovar os dentes, tomar café da manhã, pegar trânsito, trabalhar, pagar contas, cuidar da esposa ou do marido, cuidar dos filhos, comer, se exercitar, estudar… Tudo isso acaba virando uma rotina sem fim e entramos em um “looping infinito”, como se estivéssemos sob o efeito de uma programação que nos guia.
Sair dessa rotina não é tão simples e existem muitos estudos a respeito do assunto. O autor Roger Van Oech, em seu maravilhoso livro de nome “Um Toc Na Cuca”, aborda esse assunto e cita os 10 principais bloqueios do nosso processo criativo. Já que final de ano é momento de criar listas de coisas para fazer, aqui vão eles:
- A resposta certa! Vivemos em uma era em que temos que ter sempre a resposta certa para os problemas e as questões do dia a dia. Na escola, somos fuzilados com testes, provas e perguntas em público. Quando tentamos responder e erramos, somos alvos de chacota e isso faz com que não experimentemos a mesma situação novamente. Isso se perdura ao longo da nossa vida e carregamos o mesmo comportamento no trabalho, em nossa vida pessoal, amorosa etc.;
- Isso não tem lógica! Já participou daquelas famosas reuniões de brainstorming? Hoje em dia se fala bastante em momento de “ideação”. Pois é, como o próprio nome diz, brainstorming é um “toró de parpite”, onde as ideias, por mais absurdas que possam parecer, são muito bem-vindas. Porém, essas reuniões são sempre conduzidas por alguém e não é raro quando esse alguém que uma ideia produzida é absurda, idiota ou sem sentido;
- Siga as normas! Para que se possa ter uma convivência, minimamente decente em sociedade, leis, normas e costumes são necessários. Porém, quando estamos em um processo criativo, trabalhar com normas impedem que pensemos de uma forma diferente do que já está estabelecido. É como se alguém nos pedisse para criar um novo produto e já passasse todas as especificações desse produto – você pode criar, mas dentro dessa caixinha aqui – reduzindo nosso campo de criação;
- Seja prático! Lidar com todas as tarefas diárias não é fácil e precisamos sempre ser práticos para resolvermos as coisas de maneira mais simples, mais rápida para ganharmos tempo. No processo criativo, a praticidade e a velocidade é inimiga mortal da qualidade. Ser prático quando precisamos buscar em nosso arcabouço cerebral de experiências as melhores e mais absurdas ideias, é totalmente contraproducente;
- Evite ambiguidades! Você já passou por alguma situação onde precisava decidir fazer algo importante, como quando estamos de dieta e queremos comer 1 quilo de brigadeiro, mas se o fizermos engordaremos o triplo? Pois é, decisões que geram essa ambiguidade são importantes no processo criativo para podermos explorar todas as possibilidades, mesmo aquelas que nos causam desconforto;
- É proibido errar! É bastante comum termos esse pensamento que precisamos ser perfeitos o tempo todo. Em alguns países, como nos Estados Unidos, é bastante comum a cultura do “fail-fast”, ou seja, quanto mais rápido você errar, mais rápido você saberá o que não deve mais fazer. Então errar é algo incentivado. Não é a toa que o Vale do Silício fica lá;
- Brincar é falta de seriedade! Vocês se lembram do que eu havia comentado anteriormente sobre as brincadeiras de quando éramos crianças? Pois é, somos o tempo todo estimulados a serem sérios porém, é na brincadeira que a nossa imaginação viaja e temos as melhores ideias;
- Isso não é da minha área! Em uma empresa em que trabalhei, eu estava diretamente ligado ao processo de inovação da empresa. Muitas vezes reuníamos grupos de pessoas para discutirmos novidades que poderíamos implementar para melhorar um produto ou entregar um melhor serviço para os consumidores. Era bastante comum ouvirmos essa frase, demonstrando que as pessoas estão bastante acostumadas a não se envolverem em assuntos que não fazem parte do seu dia-a-dia, limitando muito suas possibilidades;
- Não seja bobo! Muitas vezes estamos em um ambiente de trabalho ou de estudos e existem pessoas que gostam de deixar o clima mais leve, fazendo brincadeiras com todo o grupo. Essas pessoas, como eu, sofrem bastante com críticas desse tipo. Em ambientes onde o processo criativo tem que ser estimulado, ser bobo é um excelente ingrediente potencializador;
- Eu não sou criativo! Essa é a frase que eu escuto sempre que vou falar sobre criatividade e inovação. Somos desestimulados o tempo todo e quando nos exigem momentos de criatividade, nossa reação natural é pensar que não somos criativos.
Ter uma mente criativa e gerar ideias que são úteis para nosso dia-a-dia, seja no trabalho, na escola, na faculdade, com a família, requer treinamento! Parece loucura, mas é isso mesmo. Para sermos bons jogadores de futebol, ou em qualquer outro esporte, precisamos de treinamento. Para ganharmos massa-muscular e não ficarmos com os músculos atrofiados, precisamos fazer exercício. Quando estamos estudando matemática ou física, para fixarmos os conceitos, é necessário praticar. Quanto maior a prática, melhor conseguimos executar nossas atividades. Um cantor precisa fazer exercícios para manter suas cordas vocais saudáveis e melhorar cada vez mais sua afinação.
Com a criatividade não é diferente! Se você passa a maior parte do tempo de sua vida exercitando esses bloqueios do processo criativo, você não será capaz de ter uma ideia quando isso for exigido de você. Eu costumo dizer que “a criatividade é uma camiseta que precisa de muito suor“.
Já que estamos falando de treinamento, vou dar mais uma listinha aqui e essa é uma lista com 3 dicas que são simples, porém valiosíssimas para manter seu cérebro criativo bem treinado:
- Faça um caminho diferente todos os dias para seu trabalho, faculdade, ou qualquer outro lugar que você vai frequentemente. Essa prática de mudar o caminho, faz com que o cérebro tenha diferentes estímulos e também que saia da rotina. A cada dia, novas paisagens, novos caminhos, novas pessoas, novas sensações. Isso mantém um fluxo virtuoso de novidades, fazendo com que se acostume com o novo;
- Brinque com crianças. Se tiver filhos, sobrinhos, irmãos mais novos, primos, etc., sempre que possível, se permita brincar como se fosse uma criança. Isso faz com que a imaginação seja estimulada e as ideias começam a surgir naturalmente. Estar com uma criança exige bastante de nós adultos, nos tira da nossa zona de conforto e temos que estar o tempo todo preparados para ter uma “excelente ideia” para uma nova brincadeira;
- Anote ou grave suas ideias! Cada ser humano responde de uma maneira diferente em relação aos estímulos que recebem. Quando anotamos uma ideia que tivemos, a guardamos e a acessamos depois de um tempo, conseguimos ter uma noção mais aprofundada de como nossas ideias evoluem e o que podemos fazer para tornar esse processo mais tranquilo de ser executado. Se durante o período de ideias anotadas, tiver uma ideia que parece excelente, você pode ficar rico com ela, ou dar essa ideia pra mim que eu fico rico no seu lugar! Hahahaha.
Falar de criatividade não é um assunto simples e pode parecer, muitas vezes, subjetivo. Porém, podemos aplicar o método científico para identificar o que funciona e, principalmente, o que não funciona com cada um de nós. É fato que sempre que somos expostos a situações onde nossa criatividade é exigida, bate um desespero e sempre nos perguntamos se iremos dar conta da situação.
Sempre que eu me vejo em um momento desses, eu fecho meus olhos e lembro de quando brincava sozinho no quintal lá de casa, usando tudo que eu achava para compor a minha brincadeira. Esse processo funciona como um tipo de aquecimento, preparando minha mente para encarar um momento prazeroso que está por vir.