Salve, salve gente amiga das Ciências!
A guerra é o fenômeno mais constante na história. Muitos a consideram inerente à natureza e, para estes, até mesmo a luta pela sobrevivência seria uma forma rudimentar de guerra, comum aos homens e aos animais.
Anatole France mencionava que “as causas principais da guerra são as mesmas no homem e no animal, que lutam um e outro para pegar e conservar a presa, ou para defender o ninho ou o covil, ou para gozar de uma companheira”. Na mesma vibe, Hobbes afirmava que “a condição do homem […] é a da guerra de todos contra todos”.
Por sua vez, Ortega y Gasset registra que “a guerra não é um instinto, mas um invento. Os animais desconhecem-na, e é de pura instituição humana, como a ciência e a administração”. Yvon Garland tem uma posição de equilíbrio entre essas definições divergentes, ao dizer que “a guerra é ao mesmo tempo, uma lei da natureza e uma invenção humana”.
Desde o início dos tempos, a guerra talvez seja o único fenômeno que ocorreu em todas as partes do mundo. A despeito de ser considerada um flagelo, a guerra continua presente hoje como no passado, desafiando filosofias e religiões que buscam eliminá-la, mas que a ela recorrem quando isto pode lhes ser favorável. Este tema — a mais destrutiva das ações humanas — inspirou (e ainda inspira) a literatura, as artes e a música, tem sido uma preocupação de longa data também entre historiadores, sociólogos e militares.
Uma das mais citadas definições de guerra deve-se a Clausewitz, que a relaciona à política. A famosa frase “a guerra é a continuação da política por outros meios” vem antecedida de outros esclarecimentos sobre a sua natureza, como “a guerra é um ato de violência cuja finalidade é obrigar o adversário a fazer nossa vontade”.
O sociólogo Gaston Bouthoul conceitua a guerra da seguinte maneira:
[…] é uma forma de violência que tem por característica essencial ser metódica e organizada, quanto aos grupos que a fazem e pela maneira como a conduzem. Em outras palavras, ela é limitada no tempo e no espaço, e submetida a regras particulares extremamente variáveis […]. Sua última característica é ser sangrenta porque, quando não comporta a destruição de vidas humanas, ela não é mais que um conflito ou troca de ameaças. A Guerra Fria não é guerra.
Bouthoul funda, em 1945, o Instituto Francês de Polemologia, bem como a disciplina de mesmo nome, utilizando os elementos gregos polemos (guerra) e logos (tratado), o estudo científico das guerras e seus efeitos, formas, causas e funções enquanto fenômeno social.
A complexidade da guerra é revelada por suas múltiplas e importantes funções histórico-sociais: desde enquadrá-la como mecanismo de seleção da espécie humana e do crescimento demográfico; marco cronológico de grandes mudanças históricas; momento de extinção ou afirmação de etnias e culturas; ponto de ruptura/início de ordenamentos sociopolíticos; supedâneo para formação e destruição de valores éticos e morais.
Manoel Domingos registra que a guerra está presente até mesmo nas elaborações mitológicas, quando os deuses confundiam-se com heróis em eterno combate, protagonizando e definindo batalhas, determinando o destino de homens e sociedades nas mais diversas religiões; nas sociedades primevas, onde homens cantavam e dançavam invocando divindades antes da utilização de suas armas; nas sociedades modernas, “quando os combatentes se persignam antes de apertar o gatilho”.
Raramente, em qualquer nação, uma geração passa sem alguma exposição à guerra. As estatísticas apontam que entre 1500 a.C. e 1860 d.C. houve, em média, treze anos de guerra para cada ano de paz. Virtualmente todas as fronteiras, entre nações, povos e religiões foram estabelecidas por meio de guerras, e a maioria das civilizações e impérios do passado desapareceu por causa delas.
Há quem fale que estudar uma guerra é a melhor maneira de perder a próxima. Será? A história das sociedades humanas (que sempre foi um banho de sangue) é, primordialmente, a história da guerra.
Sugestão de leitura:
BERGO, Marcio T. B. Explicando a guerra: polemologia: o estudo dos conflitos, das crises e das guerras. Rio de Janeiro: CEPHiMEx, 2013.
BOUTHOUL, Gaston. O desafio da guerra: dois séculos de guerra – 1740-1974. Rio de Janeiro: Bibliex, 1979.
DOMINGOS, Manoel. Os fundamentos da guerra. In: XX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambú-MG. Anais… Caxambú, 1996.
FERRARI, Ana C. (org.). Guerra: 5 mil anos de confrontos. São Paulo: Duetto Editorial, 2011.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MAGNOLI, Demétrio (org). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2008.
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