Salve, salve gente amiga!
“Preservar as gerações futuras do flagelo da guerra”.
É desta forma que principia a Carta das Nações Unidas, firmada em outubro de 1945, cujo objetivo elementar seria manter a paz e segurança internacionais.
Objetivo este que teria como début o ano de 1947, com a implementação da primeira missão de paz da ONU: o Comitê Especial das Nações Unidas para os Bálcãs – UNSCOB. A iniciativa da Organização marca também a estreia do Brasil em operações de tal monta, sob a égide daquela entidade, o que marcará indelevelmente a diplomacia nacional: a participação na busca de soluções pacíficas para litígios internacionais.
Entretanto, os serviços brasileiros prestados à ONU começam a ganhar musculatura a partir da segunda participação nacional em Operações de Paz, quando da formação da I Força de Emergência das Nações Unidas – UNEF I –, em 1956, a qual objetivava uma solução pacífica para a crise do Canal de Suez, no Oriente Médio.
A empreitada se desdobraria em duas frentes: num primeiro momento garantindo o cessar-fogo e assegurando que as forças invasoras do território egípcio – Grã-Bretanha, França e Israel – se retirassem pacificamente; no outro, criando uma Linha de Demarcação do Armistício na Faixa de Gaza (ADL) e atuando como força policial entre a fronteira Egito-Israel.
Após a criação da UNEF I, com o aval do presidente estadunidense Eisenhower, do premier canadense Pearson e do secretário-geral Hammarskjöld (os dois últimos idealizadores da Força), o Brasil recebe o convite para participar de tal Missão. Oficialmente, o país satisfazia uma série de condições preliminares e recebia a chancela do Egito como nação neutra.
Fontes oficiais relacionariam tal chamado a um histórico de sucessos da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, pois tal envolvimento fez com que o país conquistasse certo prestígio internacional. Outra motivação seria uma questão de relações diplomáticas, vez que o Brasil mantinha um mesmo padrão de votos na ONU, sempre buscando manter e ampliar boas relações com o Oriente Médio.
O presidente Juscelino Kubitschek aceitou prontamente o convite, pois vinha de encontro aos programas de relações internacionais elaborados em seu governo: projetar o Brasil no cenário internacional e, quiçá, ser galardoado com uma cadeira perene no Conselho de Segurança da ONU.
Ao ofertar seus serviços às Nações Unidas naquele contexto, o Brasil não apenas se colocava como veículo comunicante entre aqueles Estados – Egito e Israel em particular, mas de fato assumia um papel proativo em sua diplomacia e projeção internacional, caso soubesse manejar tal empreendimento.
Convocado o Exército, formou-se o contingente do batalhão de infantaria brasileiro que comporia a UNEF I, unidade esta que ficaria conhecida como Batalhão Suez: cerca de seiscentos combatentes, que partiram para o Egito em janeiro de 1957.
Durante os dez anos de duração da Missão, cerca de 6300 militares brasileiros atuaram junto à Força de Paz, com o efetivo sendo substituído a cada seis meses – no total, foram vinte os contingentes enviados entre 1957 a 1967.
Ricardo Seitenfus expõe que além da supervisão da região do Canal de Suez, os militares brasileiros foram encarregados de manter a paz e a segurança na Faixa de Gaza e na fronteira internacional da Península do Sinai em sua face ocidental.
Outrossim, nosso país exerceu o comando das operações da UNEF I em duas oportunidades: de janeiro a agosto de 1964, com o general Carlos Paiva Chaves; e de janeiro de 1965 a janeiro de 1966, com o general Syzeno Sarmento. Tal fato – comandar uma Força composta por dez países, por duas vezes –, evidencia o prestígio/importância militar e diplomática do país junto a ONU, apesar da turbulenta política doméstica nacional, especialmente a partir dos anos 1960.
Bruno Chagas comenta que, como Estado partícipe da Força de Paz no Egito, o Brasil se consolidara a nível internacional, notadamente em face de seu equilíbrio, profissionalismo operacional e diplomático, além da discursiva autonomia política no quadro dualista da Guerra Fria. Ao menos, esta seria a imagem que o governo brasileiro pretendia apresentar ao mundo. Amplificar as relações diplomáticas brasileiras, como procedimento do interesse nacional.
Outro reflexo da participação brasileira na UNEF I, aliás, o único país sul-americano que atuou durante toda a Missão, foi o deslocamento de militares brasileiros que nela atuavam para compor a Força de Segurança das Nações Unidas na Nova Guiné – UNSF – e para a Missão de Observação da ONU no Iêmen – UNYOM, nos anos 1960.
A Força Aérea Brasileira foi chamada a participar da Operação das Nações Unidas no Congo – ONUC –, também no início daquela década. Seitenfus ainda menciona que militares brasileiros foram enviados para a Missão de Observação das Nações Unidas na Índia-Paquistão – UNIPOM – em 1965-66, e para a Força das Nações Unidas para a Manutenção da Paz no Chipre – UNFICYP –, em 1964-67. Elementos estes que apontam sobejamente para uma maior visibilidade e prestígio do país no âmbito internacional.
Ainda no governo Goulart, o Batalhão Suez logrou ser a evidência de que as potências ocidentais, capitaneadas pelos EUA, reconheciam a credibilidade das FFAA brasileiras. Todavia, mesmo fazendo parte da Força de Paz e tendo assumido o comando em duas ocasiões, o Brasil não estabeleceu aliados ou associou-se a blocos de ação política no seio da ONU, perdendo uma oportunidade única para empreender ativismo político na cena global.
Apesar do reconhecimento de suas Forças Armadas, o país não seria fitado como um player de relevância na seara internacional, o que tornou ainda mais distante o almejado assento cativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A despeito dos pretensos reveses na área diplomática, as sucessivas participações nacionais em Missões de Paz mundo afora, a partir da UNEF I, conferiram ao Brasil a reputação de Estado fiável para a consecução do objetivo-mor da ONU, conservando seu papel de neutralidade e imparcialidade.
Vale a pena lembrar: Após a chegada ao Egito, o Batalhão brasileiro passou por três fases: a primeira teve início no dia 8 de fevereiro e foi até 7 de março de 1957, para a ambientação no acantonamento de Omar Camp, nas proximidades da cidade de El Ballah. A segunda fase, de 7 de março a 22 de janeiro de 1958, foi o momento de substituição do Exército de Israel, no Sinai e na Faixa de Gaza. A terceira fase teve início a 22 de janeiro de 1958, e durou até 1967, quando o Batalhão Suez exerceu a vigilância da Linha de Demarcação de Armistício (ADL) entre Egito e Israel. A ADL era identificada no terreno por uma pequena vala, um fosso cavado no chão do deserto, com cerca de cinquenta centímetros de profundidade, pontilhada por tambores de duzentos litros cheios de areia e pintado nas cores azul e branco da ONU. Ela delimitava a fronteira entre Egito e Israel.
Sugestão de leitura:
BUENO LOPES, Fabiano L. Batalhão Suez: história, memória e representação coletiva (1956-2006). Curitiba: Edição do Autor, 2008.
CHAGAS, Bruno R. S. O Batalhão Suez e a projeção internacional do Brasil (1956-1967). Tese (Doutorado em História) – Universidade de Brasília, 2010.
SEITENFUS, Ricardo. De Suez ao Haiti: a participação brasileira nas Operações de Paz. In: FUNAG – FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO (org.). O Brasil e a ONU. Brasília: Funag, 2008.
ZANATTA, Joel. “Em Defesa da Paz”: a crise do Canal e a participação do Batalhão Suez e seus contingentes gaúchos a serviço da ONU no Oriente Médio (1957-1967). In: Revista de Graduação – PUCRS. Porto Alegre, v. 6, 2013.
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