Não é de hoje que cartões de crédito são uma das ferramentas mais usadas pelas instituições financeiras como método para vinculação de produtos ou serviços múltiplos numa mesma contratação, quer seja pela expedição não solicitada no ato de abertura de contas bancárias, quer seja na vinculação de serviços de cobrança mensal como obrigatórios para uso dos próprios cartões, como serviços de seguro, previdência privada, dentre outros.

Como consumidores, nós estamos expostos todo momento a situações em que recebemos ofertas constantes de produtos e serviços e, com o avanço da tecnologia, nos vemos obrigados a aderir a novas formas de consumir esses produtos e serviços, muitas vezes sem sequer entendermos as consequências e os riscos envolvidos.

Uma “novidade”, não tão nova assim, tem sido o uso da tecnologia NFC, sigla do Inglês Near Field Communication, Comunicação por Campo de Proximidade em tradução livre, e a RFID, Radio Frequency Identification, que seria a Identificação por Frequência de Rádio.

Ambos são serviços muito utilizados nos meios de pagamento, seja por meio do uso de cartões de crédito diretamente, pelo uso de acessórios, como pulseiras especiais fornecidas por instituição bancárias, ou por meio de algum equipamento eletrônico, como os nossos smartphones e smartwatches.

O que antes era um serviço exclusivo e opcional se tornou regra e, hoje, quase todo cartão de crédito novo expedido por instituições financeiras contém a função.

O ponto é que essa função vem habilitada como um padrão, e muitas instituições não permitem, sequer, que a função específica seja inabilitada ou bloqueada de qualquer forma. E aí? O que fazer?

Oi pessoal do Deviante, tudo bem? Esse é meu primeiro texto aqui com vocês e, por isso, queria me apresentar. Meu nome é Túlio Monegatto Tonheiro, advogado e apaixonado pela ciência do Direito que, para muitos, parece um bicho de sete cabeças. Por isso gostaria de vir aqui trazer para todos um gostinho desse ramo das Ciências Humanas que muita gente até esquece que é Ciência também.

Para entendermos a situação em questão, precisamos ir buscar na Lei o que está acontecendo e quais os efeitos. Parece muito complexo, mas ler as leis é um bom exercício de lógica. Com um pouco de contexto, que pretendo trazer aqui para vocês, a coisa descomplica.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, nasceu de um Projeto de Lei de 1989, de nº 97, e teve, desde sua origem, o interesse de regulamentar o mercado de consumo, reduzindo as diferenças de poder técnico e econômico que permitiam aos fornecedores realizar atos que, em pequena escala, prejudicavam o consumidor, mas, em larga escala, diminuíam a segurança geral do mercado de consumo e da economia.

Uma das atitudes consideradas proibidas desde o texto base da lei é a proibição de condicionar o fornecimento de um produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço, a conhecida “venda casada”. Essa condição está prevista no artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Veja:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

A prática sempre foi muito praticada em todo mercado nos mais variados tipos de negócios.

Exemplos que alguns leitores mais novos talvez nem tenham tido contato são a proibição de entrar em cinemas com alimentos, obrigando a comprar pipoca ou outros alimentos dentro do estabelecimento, redes de fast food não fornecerem brinquedos sem a compra dos lanches infantis, consumação mínima em restaurantes, obrigação de contratar garantia estendida na compra de um produto, dentre outros.

Esses serviços e produtos continuam por aí, mas, na maioria dos casos, há alertas para sua aquisição em separado e de forma facultativa.

Na prática, isso significa que as empresas podem fornecer produtos ou serviços “acessórios”, mas não podem jamais obrigar alguém a realizar esse tipo de compra para fornecer o produto ou serviço “principal”.

E, é importante dizer, não importa nem mesmo se tal produto ou serviço é fornecido de forma gratuita. Tal prática é igualmente vedada, também na forma do Código de Defesa do Consumidor. Veja:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

Mas você pode pensar, “ah, se é de graça, não tem problema”. Tem sim!

O problema é que todo consumo envolve certos riscos inerentes ao produto ou serviço associado, e o simples fornecimento sem que o consumidor tenha anuído a esses riscos é violação de, ao menos, prestação de informações, por parte do fornecedor, de informações adequadas sobre no que o consumidor está se metendo. Tudo isso, novamente, conforme o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

(…)

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

 

Quando falamos dos cartões de crédito, atualmente, não é raro que os bancos, já no fornecimento do primeiro cartão, ou quando de sua renovação, estejam atrelando o fornecimento do serviço à entrega de um cartão de crédito que tenha o chip com a tecnologia de compra por aproximação, identificado por um sinal de ondas, parecido com o símbolo de Wi-Fi.

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Ocorre que, em momento algum, é observado pela instituição financeira que o serviço independe de senha, e comumente não são apresentadas informações específicas de como a tecnologia funciona, ou os limites dos valores das operações que podem ser feitas com o uso da tecnologia.

Repito, para quem não pegou o problema: para realizar uma cobrança, basta aproximar o cartão de uma máquina que faça a operação. Por conta disso, não são incomuns casos de golpes e fraudes cometidos em lojas ou nas ruas, em que uma pessoa, de forma fraudulenta habilita uma cobrança numa máquina e, simplesmente aproximando do bolso da pessoa onde está sua carteira, faz a cobrança sem ela nem perceber ou, ainda, o uso indiscriminado em casos de cartões furtados ou extraviados.

E esse risco raramente é comunicado pelo próprio fornecedor do cartão de crédito, cabendo ao consumidor se informar, muitas vezes depois de já ter sofrido algum golpe nesse sentido.  Tal situação é proibida pela Lei, como define o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 54-C. É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:

(…)

III – ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo;

Embora a Lei responsabilize o fornecedor dos serviços em casos como o citado acima, obrigando, inclusive, ao ressarcimento de valores pagos e, quando cabível, indenização, historicamente as instituições financeiras só atendem a demandas de questionamento de débitos de fraude em processo judicial, o que é bastante complexo e demorado, podendo ser, também, custoso ao consumidor, caso o valor discutido seja alto e não permita o uso dos Juizados Especiais Cíveis.

E, bom dizer, a Justiça ainda está caminhando seus primeiros passos para entender a tecnologia NFC, o que pode gerar dificuldade de juízes e desembargadores de entenderem os riscos ao consumidor do novo serviço e resultar em decisões desfavoráveis. Por isso, todo cuidado é pouco.

Na dúvida, fique atento! Não aceite receber produtos ou serviços que não solicitou, peça imediatamente o cancelamento ou, caso queira mantê-los, busque se informar não só sobre os benefícios do produto ou serviço, mas também os riscos associados.

Em caso de negativa do fornecedor em cancelar o fornecimento não solicitado, lembre-se sempre de acionar o órgão de defesa do consumidor da sua região, os PROCONs, ou já a um Juizado Especial Cível. Principalmente nas grandes capitais, é comum achar orientação jurídica gratuita junto a universidades. Seja você agente da sua segurança jurídica.

 

Fonte da imagem de capa: Photo by Clay Banks on Unsplash. Perfil do(a) autor(a) disponível em <@claybanks">https://unsplash.com/@claybanks>. Imagem disponível em <https://unsplash.com/s/photos/contactless-credit-card>.