Com a explosão das imagens geradas por inteligência artificial, eu, que sou designer, tenho visto a pergunta do título ecoando em todas as suas variações nas redes sociais. Não precisamos mais de artistas? Arte criada por inteligência artificial é arte? Os artistas vão perder seus empregos?

Na real, eu me preocupo bem pouco com isso.

Principalmente porque arte tem mais a ver com quem consome do que com quem (ou o quê) produz. Também porque ser artista e ter emprego na maioria das vezes não são a mesma coisa… E mais ainda, pouco me preocupa porque não sou artista, sou designer.

E agora que irritei um bando de gente, vamos ver como essas “inteligências” estão “criando” essas imagens?

Todas as ferramentas funcionam mais ou menos da mesma forma: você descreve o que está imaginando com uma frase ou uma série de palavras-chave e o robozinho monta algumas imagens para você. A partir daí você vai pedindo variações das imagens que mais gostou até chegar em um resultado que lhe agrade.

Descrevendo desta forma, é praticamente o mesmo processo de uma encomenda que você faria a um artista, com a diferença de que o robozinho faz isso tudo bem mais rápido. Muito mais rápido.

A imagem da capa deste post por exemplo foi feita em segundos lá no Dall-e Mini, uma versão bem simples deste tipo de ferramenta (“a robot holding a brush with paint splashes”).

Mas o que acontece a partir do momento que você manda a ordem para o robozinho?

De forma geral, estas inteligências artificiais (IA, a partir de agora) se baseiam em um sistema bem conhecido chamado CLIP (Contrastive Language–Image Pre-training), que você já conhece do google e das redes sociais. Já reparou que, enquanto uma imagem está sendo carregada existe um texto que descreve o que está na foto? Este texto não foi um humano que escreveu, é uma IA que aprendeu a reconhecer uma imagem e a descrever seu conteúdo em uma linguagem natural.

Só que no caso da geração de imagens é o inverso. A IA “interpreta” o seu texto e começa a montar uma imagem baseada em todas as outras imagens reais que ela conhece (que foram lidas e descritas por ela mesma em outro momento), pixel a pixel, pedaço por pedaço até que VOCÊ diga que ficou feliz com o resultado.

Eu enfatizo o “você” aqui porque a inteligência de todo o processo é sua, não da ferramenta. A inteligência artificial é bem burrinha na verdade.

Então como você deve ter percebido, sim, vamos precisar de artistas por mais algumas décadas (ou séculos) ainda. Nenhuma máquina será capaz de interpretar a realidade, fazer novas conexões entre informações e despertar emoções como o cérebro faz. Elas são muito boas e rápidas em descrever e relacionar coisas. Porém seu trabalho precisa ainda ser validado por um humano.

O desenvolvedor Tyler Vigen mantém um site há bastante tempo com gráficos que exploram relações inesperadas, este é um bem famoso que relaciona os filmes do Nicolas Cage com afogamentos em piscinas nos EUA.

gráfico sobrepondo dados com curvas similares de lançamentos de filmes do nicolas cage e afogamentos em piscinas

 

Isso quer dizer que precisamos pedir pro Nicolas Cage parar de fazer filmes? Bom, talvez… mas não por conta dos afogamentos, certamente.

O que é importante entendermos é que máquinas são muito boas em repetir tarefas e encontrar estas relações. Mas a interpretação destes resultados e o impacto que eles podem ter nos humanos ainda depende bastante de nossa moral e emoções.

Preste atenção nesta questão agora, quero que perceba como se sente ao pensar numa resposta: em caso de um acidente com seu carro autônomo, a inteligência artificial do automóvel deve priorizar a vida do dono do automóvel (sua, no caso) ou da criança que estava atravessando a rua para pegar a bola?

Se você não tiver nenhuma psicopatia grave, hesitou na resposta.

As máquinas não têm moral nem sentimentos, estes são atributos exclusivamente humanos. Mesmo aqueles robôs que riem e ficam tristes estão emulando emoções. Interpretar uma ironia é extremamente difícil para uma inteligência artificial. Acho que até para alguns humanos…

Mas voltando à pergunta do título, com a arte o pensamento é mais ou menos o mesmo. Quem decide se uma arte é boa ou ruim? Quem decide se uma pessoa (ou máquina) é um artista ou não? O mercado? O próprio artista? Ou quem está admirando a obra?

Nada fácil, mas interpretação e sentimento humanos estão nesta resposta.

Para mim, ser um artista é perceber as nuances e ângulos de nossa realidade, interpretá-los e expressar à sua maneira tudo o que viveu e sentiu durante este processo para que outras pessoas também possam tentar perceber isso.

Vejo artistas usando máquinas para isso hoje; mas ainda não vi nenhuma máquina fazendo isso sozinha.