Há algum tempo, tive uma ideia que me deixou muito animado para mestrar uma partida de RPG ambientada num futuro distópico em que a tecnologia e os demônios disputam a raça humana. Pena que não achei um grupo disposto a jogar. De qualquer modo, deixo aqui minha introdução, caso alguém tenha vontade de seguir com essa ideia!
Não se sabe ao certo quanto tempo fazia que estavam em guerra. O enxadrista, uma inteligência artifical, havia bloqueado toda e qualquer informação relacionada com o passar do tempo. Acreditava que isso poderia afetar de alguma maneira seus inimigos.
Os mais espertos perceberam logo o acontecido e criaram seus próprios calendários, que representavam todo o egocentrismo humano. Possuíam nomes ou apelidos de seus criadores e raramente batiam entre si.
Os mais tolos nem percebiam o que estava acontecendo, apenas ligavam e desligavam seus cyberlógios, praguejando contra as fabricantes. Muitos não se deram conta que os chamados “parques da plenitude” eram, na verdade, campos de isolamento.
No alto da montanha mais alta, ironicamente batizada de Monte Olimpo, o Enxadrista aguardava em sua forma física predileta: um carneiro mecânico dourado. Buscava os bancos de dados atrás dos diferentes registros históricos que conduziram o mundo até aquele ponto. Em lugares distantes, presidiários caiam de joelhos, gritando de dor.
Concluiu que o início de tudo foi quando a última religião foi desmembrada. Ninguém precisava mais da fé, a ciência resolvendo todas as dúvidas e lacunas. O comportamento dos homens pautado exclusivamente em suas leis. Qual a necessidade de deuses, se eles podiam se defender e se virar sozinhos?
O que a humanidade não sabia e, por consequência, nem o Enxadrista é que existia um motivo para as religiões existirem, mesmo em diferentes formas. A ciência nunca conseguiu provar as características do espírito, de modo que nunca aceitou a existência de um céu e um inferno, mas eles existiam.
A inteligência passou a analisar os dados dos dias seguintes ao abandono da fé. Centenas de milhares de casos de uma doença incapacitante que só afetava ex-religiosos, seguidos da desintegração de todos os símbolos ligados aos deuses e, por fim, da aparição dos agressores.
Criaturas terríveis, dotadas de características hediondas, surgiam em meio à colunas de fogo, nuvens de insetos ou fumaça.
O que confundia o Enxadrista é tais seres não poderem ser classificados nos padrões de invasores, uma vez que não escravizavam, não ficavam com suas terras e apenas matavam suas vítimas após inúmeras torturas e desespero. Parecia que estavam ali apenas para atormentar os humanos, refestelando em sua angústia.
Avançou um pouco mais em seu banco de dados, sentiu alguns homens morrendo e sendo substituídos por outros, causando apenas uma leve perda momentânea no seu processamento. Sem saber o que fazer, a humanidade recorreu à ciência e criou um exército de robôs controlados por uma inteligência artificial. Naquele período ainda chamada de General Lee, tinha muitas limitações de velocidade e de ações, uma vez que os homens temiam uma revolução das máquinas, algo que eles romancearam por tantos anos.
Entretanto, mesmo não operado em sua plena capacidade e tendo que se preocupar o tempo todo com os chamados danos colaterais, as máquinas começaram a vencer o combate, usando novas munições energéticas e de radioatividade controlada.
Tudo indicava que a erradicação dos seres estava garantida, mas algo foi alterando as regras da contenda. Quanto mais próximos da vitória chegavam, mais forte se tornavam os inimigos que sobravam.
Em desespero, a humanidade concordou em soltar as amarradas do General Lee, libertando-o para tomar ações mais acertivas e definitivas.
Seu primeiro comando foi o de aumentar sua capacidade de processamento, para que pudesse confrontar os diversos cenários e alternativas, mas nem todos os computadores juntos poderiam prover suas necessidades. Sem alternativa, um jovem neurocirurgião fez a mais terrível e pertinente sugestão: usar cérebros humanos como processadores.
Do alto do monte, o Enxadrista encontrou o arquivo com o dia em que trocou seu nome e os homens ditos “descartáveis” foram colocados em enormes máquinas de subvida, onde eram convertidos em peças vivas. Lamentava apenas que o uso fazia com que tais humanos degenerassem muito mais rápido, tendo de ser trocados constantemente.
Antes que abrisse a próxima pasta de dados, para ver como a guerra se tornara empatada, a terra se abriu, golfando uma bolha de lava que tomou a forma de um enorme bode vermelho com quatro chifres negros. Com um som flamejante, falou:
– Espero que tenha gostado da forma.
– Estamos aqui para encerrar a guerra. Matança não faz sentido. – Respondeu o Enxadrista, ignorando o comentário inicial.
– Estão querendo se render? Nos dar os humanos?
– O que vocês buscam nessa guerra? Não conquistam terras ou escravizam os povos.
Tomando todo o tempo que precisou, o demônio explicou a existência das criaturas do mal e as do bem, que abandonaram os humanos após os terem protegido por milênios e como isso abriu as portas para a invasão. Que os seres maléficos estavam escravizando e se alimentando sim, mas que as almas precisavam estar atormentadas para serem úteis.
Finalmente compreendendo, o Enxadrista fez uma proposta que faria a humanidade tremer:
– Poupem os humanos selecionados por mim para viverem em paz. O resto eu usarei como processadores. Eles terão uma morte atormentada e dolorosa, de modo que seus espíritos se tornarão adequados.
Os olhos do demônio brilharam com desejo. A lógica da máquina, tentando poupar os humanos, iria entregar tudo que desejava. Alimento para sua legião, que cresceria até poder atacar tanto as máquinas quando os seres de luz.
Estavam prontos para selar o acordo, quando uma enorme espada perolada caiu dos céus, ecoando:
– Não assistiremos o extermínio dos homens. Se nem as máquinas puderam evitar a corrupção e a ganância, não iremos cobrar mais isso dos simplórios e pouco racionais.
– Quem é você? – Questionou o Enxadrista.
– Eu sou a solução miraculosa. Costumam me chamar de Deus Ex Machina.
Com um rugido de fúria, o bode escarlate desapareceu, assim como o brilho nos olhos do carneiro dourado, ambos voltando para suas tropas.
A verdadeira guerra iria começar.
Com essa introdução, pensei na possibilidade de 3 aventuras, cada qual representando um dos lados nessa guerra. Deixaria a cargo dos jogadores escolherem quem iriam seguir.
Quanto aos humanos, existiriam grupos rebeldes ou as forças da espada perolada (luz) escolheria campeões entre eles?
Se um dia mestrarem essa aventura, me contem aqui como foi e por onde os jogadores andaram… A sua guerra acabou? Quem venceu?