É bem provável que você tenha ouvido alguém comparar o corpo humano com uma máquina. Se assumirmos essa analogia, podemos dizer que a maquinaria biológica é extremamente complexa, já que é composta por 78 órgãos, centenas de tecidos e mais de 30 trilhões de células. Todos esses componentes, assim como as engrenagens da máquina, devem atuar em sincronia para garantir a estabilidade interna do organismo. Para isso, a evolução garantiu a existência de uma classe de substâncias químicas que atuam como mensageiros e possibilitam a comunicação e a integração de todas essas estruturas — os hormônios. Pense nos hormônios como se fossem os correios do nosso organismo: são responsáveis por enviar recados importantes e entregar pacotes cheios de instruções para todas as células do corpo.Foram inicialmente identificados pelos fisiologistas britânicos Ernest Henry Starling e William Maddock Bayliss no início do século XX. Até então, acreditava-se que todo o comando exercido sobre as células era feito exclusivamente por neurônios do sistema nervoso central. Starling e Bayliss causaram grande alvoroço na comunidade científica quando publicaram um artigo sobre uma substância extraída do pâncreas batizada de “secretina”, nome dado por ela ser capaz de estímular a secreção de suco pancreático nos cães em que era injetada. Essas substâncias, secretadas por células epiteliais especializadas, e não por neurônios, receberam o nome de hormônios (do grego ormal – “pôr em movimento”) e abriram um novo e importante campo de pesquisa biológica com aplicação médica direta.

Os hormônios são mensageiros químicos secretados na corrente sanguínea por células especializadas que compõem o sistema endócrino. São substâncias extremamente potentes, uma pequena quantidade (na razão de nanomolar!) viaja por todo o corpo diluída no sangue e atua em células que possuem receptores específicos. Dessa maneira, apesar de os hormônios serem distribuídos para todos os tecidos, apenas aqueles cujas células apresentam moléculas capazes de reconhê-los vão gerar a resposta associada à sua ação, como se o hormônio fosse uma chave capaz de abrir apenas algumas fechaduras. Eles desempenham um papel vital em muitos processos corporais, incluindo o crescimento, reprodução, resposta ao estresse e até mesmo na regulação do nosso humor. Vamos conhecer um pouco mais sobre eles:

 

Hormônio do crescimento

Produzido pela hipófise, glândula do tamanho de uma amêndoa localizada no encéfalo, o hormônio do crescimento, ou GH (do inglês – “Growth Hormone”) tem várias funções importantes, entre elas o estímulo ao crescimento muscular e esquelético, queima de gordura e fortalecimento do sistema imunológico.

Ele é essencial durante a infância e, principalmente, durante a puberdade, fase em que ocorre o seu pico de produção. Continua sendo secretado durante toda a vida, no entanto, de maneira reduzida após o envelhecimento, o que pode levar a uma série de alterações fisiológicas, como a diminuição na massa muscular e aumento de gordura. Esse é um dos motivos pelo qual se manter em forma é mais difícil depois dos 30. Vida ingrata, né?!

 

Testosterona

Apesar de ser conhecida como um hormônio masculino, a testosterona também está presente nas mulheres, em menor quantidade. É produzida nas gônadas: testículos nos homens e ovários nas mulheres. Sua função está relacionada com o aumento e a manutenção da massa muscular, da força, da libido e até mesmo do humor!

Apesar de ser comumente associada a comportamentos agressivos e impulsivos, um artigo publicado em 2022 por neurocientistas da Emory University indica que a testosterona pode promover o comportamento não sexual e sociável, dependendo do contexto social.

Nesse estudo, os animais que receberam injeção de testosterona se mostraram mais sociáveis e carinhosos com as fêmeas após estas ficarem prenhas. Uma das conclusões foi que os roedores podem nos ajudar a desconstruir a masculinidade tóxica (contém ironia).

 

Estrogênio e progesterona

Se o seu objetivo é entender profundamente os mecanismos que regulam a secreção hormonal, estudar o ciclo menstrual é uma boa estratégia.

O ciclo menstrual dura, em média, 28 dias, começando no primeiro dia da menstruação até o início da menstruação seguinte. A secreção hormonal desse período envolve basicamente todos os fatores relacionados ao controle endócrino e os dois hormônios ovarianos que comandam toda a brincadeira são o estrogênio e a progesterona.

O estrogênio prevalece durante a primeira metade do ciclo, e é responsável por estimular o crescimento e o desenvolvimento do folículo ovariano, conjunto de células que abriga o ovócito. O ovócito maturado é liberado por volta do 14º dia do ciclo e está pronto para ser fecundado por um espermatozóide. Na segunda fase do ciclo, a progesterona predomina e, como o próprio nome diz, tem a função de preparar o endométrio para a gestação.

 

ADH

O ADH, ou hormônio antidiurético, é responsável pelo controle da eliminação de água do nosso organismo, causando sua reabsorção pelos rins. É produzido em uma estrutura encefálica chamada Hipotálamo, que é estimulado com a diminuição do volume total de sangue e pela redução na pressão arterial.

Sabe quando você sai com os seus amigos para tomar uma cervejinha e logo fica com aquela vontade incontrolável de fazer xixi? O álcool age diretamente nos neurônios hipotalâmicos, inibindo a produção de ADH. Logo, sem o hormônio que fecha a torneirinha, a perda de água pela urina é maior, bem como suas visitas ao banheiro.

 

Cortisol e adrenalina

Os famigerados “hormônios do estresse” são produzidos pelas glândulas adrenais, localizadas logo acima dos rins.

O cortisol e a adrenalina estão envolvidos em uma resposta adaptativa essencial para a sobrevivência, conhecida como resposta de “luta ou fuga”, que prepara o corpo para situações que possam ameaçar sua estabilidade. Essa ameaça — que pode ser desde um leão faminto até estados prolongados de jejum — geram situações que são entendidas como estressantes. Dessa maneira, esses hormônios aumentam a oferta de glicose no sangue, elevam o batimento cardíaco e a frequência respiratória, além de “desviarem” o sangue do trato gastrointestinal para os membros, facilitando a luta ou a fuga (ninguém precisa digerir o almoço enquanto foge do leão, certo?).

Portanto, os “hormônios do estresse” são um dos fatores que garantiram a manutenção da vida. O problema é quando eles são liberados de maneira contínua, como no estresse crônico. Aí, o aumento da glicemia, dos batimentos cardíacos e da frequência respiratória pode gerar quadros de hipertensão, colesterol alto e diabetes tipo 2.

 

E ainda tem mais

Até o dia de hoje, mais de 100 hormônios já foram caracterizados e precisaríamos de muitos artigos para falar sobre todos eles. No próximo texto, vamos falar sobre os “hormônios da felicidade” e algumas disfunções endócrinas.

Lembre-se que, ao longo do tempo evolutivo, os organismos que foram capazes de produzir e responder efetivamente aos hormônios tiveram vantagem seletiva sobre aqueles que não o fizeram. Portanto, os hormônios desempenham um papel fundamental na evolução dos seres vivos.

 

Referências:

Kelly, A. M., Abreu, J.A.G., Thompson, R. R. (2022). Beyond sex and aggression: testosterone rapidly matches behavior responses to social context and tries to predict the future. The Royal Society Publishing. v. 289, issue 1976.

Marcolin, N. (2002). Mensageiros Químicos. Pesquisa Fapesp. v. 03/2002, p. 06 – 07.

Molina, P. (2021). Fisiologia Endócrina – 5ª Edição. Editora AMGH – Lange.

Silverthorn, D. U. (2017). Fisiologia Humana – 7ª Edição. Editora ArtMed.