Já se deparou com um alimento ou produto que é próprio de certa localidade, sendo dificilmente comercializado em outras regiões? Esse produto era famoso na localidade onde você se encontrava? Provavelmente o leitor encontrou um alimento com indicação geográfica, quem sabe até um pouco mais caro do que o mesmo produto em outra região.

Mas o que ele teria para ser mais caro do que outro produto “igual”? Existem pessoas interessadas em comprar um alimento assim? O efeito da indicação geográfica nos alimentos será o nosso tema de leitura hoje! Eu espero conseguir passar as variadas estratégias de valorização de produtos regionais, utilizadas por diferentes culturas e grupos de produtores.

Para entendermos a indicação geográfica, primeiro precisamos contextuar sua relação com o volume de produção. Como bem sabemos, os principais atores da manufatura, distribuição e fonte de abastecimento de produtos alimentícios são as indústrias alimentares.

A indústria ajudou a remodelar as relações de produção por todo o globo, podendo agora o consumidor buscar alimentos uniformizados (com a mesma característica sempre que ele comprar novamente), higienizado (sem risco sanitário aparente), processado e até mesmo pronto para o consumo [1]. Porém, para esta relação com este poderio econômico complexo, o ser humano precisou abdicar de certas relações que ele mantinha anteriormente com o alimento.

Podemos consumir quase todos os alimentos que conhecemos de forma facilitada, porém é difícil saber ao certo a sua rastreabilidade (origem de cada ingrediente e aditivo usado no produto), quais são necessariamente todos os passos da produção, quais os verdadeiros riscos que podem apresentar à saúde e até mesmo se aquele alimento é feito mesmo daquilo que diz ser [1]. Nossa relação coletiva com as redes agroalimentares é caracterizada pela impessoalidade e o desconhecimento do que colocamos à mesa.

Junta-se a este fenômeno os grandes escândalos alimentares dos anos 80/90 (em breve texto sobre isso, caro(a) leitor(a)) e veremos o nascer de uma necessidade mercadológica singular. O nascimento de alimentos com selos locais veio da constatação da perda de sabores e receitas tradicionais, agora elevadas ao status de elite.

Algumas operações de apoio aos alimentos de regiões de fora do grande aparato agroalimentar vieram do patrocínio de governos ou de tendências mais modernas, como o slow food [2]. Com este levante, observa-se a resistência de uma classe inteira de produtores artesanais e tradicionais que observam com criticidade o processo de padronização alimentar. O selo de indicação geográfica nasce justamente da necessidade de mostrar a diferença do produto destas pessoas com os produtos da grande rede de abastecimento.

 

Alguns exemplos de selos praticados no Brasil. Reconhece algum?

 

Da mesma forma que este selo oferece valorização do produto perante o mercado, a indicação geográfica oferece proteção para a identidade e a qualidade de produtos gerados ou alterados em determinadas regiões, ou até mesmo por determinados grupos étnicos. Logo, o selo é uma conquista coletiva, preservada por todas as pessoas que cooperam para a manutenção do seu produto e estilo de vida.

Mas não somente de boa vontade que é feito o selo. O saber tradicional, alinhado com a forma de produção, as potencialidades climáticas e a qualidade do solo interferem como instrumento diferencial para os demais produtos, sendo que a padronização já não é mais uma vantagem neste sistema de produção [3].

Entre as vantagens, o baixo volume de produção (em comparação às redes agroalimentares industriais) ajuda na manutenção das condições de valorização do produto e na preservação de qualidade e sensorialidade única de cada unidade. Pessoas que buscam experiências sensoriais únicas adoram este tipo de diferencial qualitativo, acabando por colecionar alimentos com indicação geográfica e pagando mais caro pelos mesmos [4].

Outra vantagem é a lógica de intercooperação entre os produtores nas regiões produtivas. Por meio dela, não mais a comunidade observa seu vizinho como um concorrente direto na venda do produto, mas como alguém que ajuda na manutenção da comunidade e compartilha das máquinas locais, com quem podemos contar nas dificuldades e nas comemorações das conquistas sociais [5]. Em regiões da Europa observa-se muito este fenômeno, como nas regiões produtivas de vinho na Itália, de presunto de porco especial na Espanha e de champagne na França. Todos eles possuem sua variante de produto registrado como propriedade intelectual de suas comunidades.

Aqui no Brasil, fenômeno parecido é observado com produtos registrados pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), destacando-se a aguardente tipo cachaça de Paraty (registrado em 2007, Rio de Janeiro), os doces tradicionais de Pelotas (2011, Rio Grande do Sul) e o café do Vale da Mantiqueira (também em 2011, Minas Gerais) [3]. Por meio do INPI, observa-se a auditoria e a conformidade das condições para a delimitação dos indicadores geográficos em produtos de diversas regiões.

 

A indicação geográfica é capaz de fortalecer comunidades inteiras e unir os seus conterrâneos, sendo condições indispensáveis para a formação de novos sistemas de organização dentro da comunidade, como a cooperativa ou a agroindústria. Na foto, avaliação de queijo minas artesanal de comunidades agrícolas [5].

Todavia, com o desenvolvimento de novas práticas e técnicas no cenário do agronegócio, os populares necessitaram de utilizar novas ferramentas para a manutenção da indicação geográfica. Agora, não somente os produtos finais são dignos de indicação, mas também as técnicas que originaram o produto final.

Entre essas técnicas locais, encontramos aquelas de utilização para fins agrícolas, de transporte, comércio e até mesmo marketing [7]. Juntando todas essas variantes locais, cria-se a técnica sociocultural, podendo estar sendo regularizada para ganhar um selo de indicação geográfica!

O interessante deste último processo é que ele será a causa da existência de manifestações gastronômicas inexistentes até então. O alimento gourmet, que também se refere a valorização dos aspectos de inovação da refeição, surgirá exatamente desta mesma ideia (olha o texto aqui).

A indicação geográfica é capaz de mudar lógicas inteiras da economia, sendo uma parte crucial do desenvolvimento da economia criativa e do agroturismo, do qual teremos textos especiais logo mais!

Em todas as regiões surgiram alimentos e produtos alimentícios com indicação geográfica. O leitor saberia de algum perto de sua casa? Algum já chamou sua atenção em uma viagem? O texto ficará por aqui. Não deixe de comentar suas críticas, sugestões e experiências pessoais, até a próxima!

 

Referências:

 

[1]: SGARBI, Jaqueline; MENASCHE, Renata. Valorização de produtos alimentares tradicionais: os usos das indicações geográficas no contexto brasileiro. 2015. Disponível aqui.

[2]: Contreras, H. (2005) Patrimônio e globalização: o caso das culturas alimentares. Em A. Canesqui e R. Garcia (Orgs.), Antropologia e nutrição: um diálogo possível (pp. 145-159). Rio de Janeiro: Fiocruz.

[3]: VALENTE, Lucia Regina Rangel de Moraes; FRAGA, Fernandes Sandra Aparecida Padilha Magalhães; DA COSTA, Vanise Baptista. Os saberes tradicionais e locais e as indicações geográficas: o caso das plantas medicinais do Brasil. Saberes tradicionais e locais: reflexões etnobiológicas, p. 127, 2018.

[4]: GONÇALVES, M. F. W. Propriedade Industrial e a proteção dos nomes geográficos: Indicações Geográficas, Indicações de Procedência e Denominações de Origem. Curitiba: Juruá, 2008.

[5]: AVELAR, S; VARELLA, M. Concurso estadual do queijo minas artesanal escolhe os melhores de 2020. Portal Agricultura.mg.gov.br, 25 nov. 2020. Disponível aqui.

[6]: VIEGAS, Selma Maria Fonseca et al. Alimentação, uma das chaves para a saúde: Análise de Conteúdo de reportagens da revista Veja. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, 2012. Disponível aqui.

[7]: SANTOS, A. S. R. Biodiversidade, bioprospecção, conhecimento tradicional e o
futuro da vida
. São Paulo, 2002. Disponível aqui.