Olá pessoal. Aqui sou eu, Lênin, trazendo para vocês mais uma experiência pessoal. No texto de hoje, quero apresentar ao leitor como foi minha iniciação científica, esta que é imprescindível para qualquer pessoa que vá trabalhar (ou já trabalhou) com pesquisa e análises de cunho científico.
Esta ideia surgiu com um grupo de colegas redatores do Portal Deviante. Pessoas que já passaram por esta experiência iniciática intensa para o universo da ciência. Com esta série de textos que sairá ao longo das próximas segundas, queremos também te passar algumas ideias sobre o que esperar dessa etapa na sua vida profissional. Vamos nessa?
A minha iniciação científica aconteceu bem no meio do meu curso técnico integrado ao ensino médio, quando eu tinha 18 anos. O campus ofertava oportunidades tanto para pesca, criação de peixes ou processamento de pescados (manipulação, conservação de carne, etc.). Como eu queria ir para a área de alimentos, busquei oportunidades com o grupo de processamento. Houve uma bolsa, e assim comecei minha iniciação como pesquisador.
Meu primeiro projeto de pesquisa foi sobre hidrólise enzimática em subprodutos da indústria do pescado, em especial da cabeça de atum (Thunnus albacares) e da carcaça do peroá (Balistes capriscus). Minha primeira bolsa veio desse projeto, que foi ofertado pelo GEPP (Grupo de Estudo em Processamento de Pescado) do IFES campus Piúma.
Para entendermos o projeto, precisamos partir de alguns problemas ambientais oriundos da indústria de pescados. Os dados de nossa pesquisa inicial reforçam que a indústria de pescados possui um grande peso ambiental agregado aos descartes. Sobra muito carne depois que os peixes são filetados, principalmente da carcaça, das cabeças, das escamas, nadadeiras e rabo do animal [1]. Peixes como o peroá — largamente conhecido no litoral capixaba como “peixe porco” — possui um índice de descarte que chega a 65%! Muito pouco do peixe é efetivamente aproveitado como carne.
Todo este “descarte”, para falar a verdade, é proteína de alto valor biológico, que possui aminoácidos de grande valor agregado e bons efeitos nutricionais. Essa proteína poderia ser utilizada como receita para vários alimentos diferentes, ao invés de virar mais um descarte poluente. Pensando nisso, o grupo de processamento de pescado indicou a hidrólise como alternativa para transformar o rejeito em subproduto industrial.
Ou seja, reaproveitar algo que ia ser jogado fora para se tornar mais uma fonte de receita para a indústria, ofertando mais alimentos com bons efeitos à população!
A hidrólise é o processo pelo qual a água, auxiliada por algum agente, funciona como reagente para quebrar moléculas em partes menores [3]. Esse agente pode ser um ácido, uma base ou até mesmo uma enzima. Para quem não sabe, enzima é uma proteína especializada em realizar funções. Algumas reúnem moléculas, outras as deformam. No processo de hidrólise, a enzima irá quebrar as moléculas — promover a “catálise” — logo é uma enzima catalítica.
Uma proteína é formada por muitas unidades de aminoácidos, como se fossem tijolinhos formando um prédio. No formato de prédios, a proteína da carcaça não era interessante para ser comestível. Então, precisávamos de uma enzima para quebrar a proteína da carcaça em dipeptídeos e tripeptídeos. Ou seja, pegar esses milhares de aminoácidos juntos, quebrá-los e pegar os caquinhos de dois aminoácidos ou três.
Assim, vira um produto de alto valor biológico e fácil digestibilidade. Porém, para uma enzima trabalhar de maneira eficiente, ela precisa estar em uma faixa de temperatura ideal, bem como pressão e pH adequados. Do contrário, a proteína/enzima vai perder sua estrutura, bem como sua função principal, ou seja, vai “desativar”.
Por ter um perfil de pH mais neutro, nosso trabalho preferiu trabalhar com a alcalase. A matéria prima foi solubilizada em água dentro de um biorreator, que auxilia na mixagem de todos os componentes. O tempo de reação do processo foi de 70 minutos com a temperatura de, no máximo, 65ºC.
Logo em seguida, para que a enzima parasse seu processo, foi necessário desativar a alcalase em temperaturas maiores. Lembra que eu disse sobre a desativação? Nessa fase, é um processo necessário para estabilizar o alimento. A desativação por desnaturação térmica ocorre na faixa de 85°C por 30 minutos.
Muitos indicadores foram avaliados para apontar se o hidrolisado estava apto a ser consumido ou não. O grau de hidrólise (GH) serve para medir a eficiência ou rendimento do processo de hidrólise naquelas condições de temperatura, pH e pressão. A estabilidade de emulsão e de espuma serve para entendermos o quanto a água e o óleo se misturam para formar a pasta, com poucas ou muitas bolhas.
Testes de composição centesimal também foram realizados, bem como de análise físico-química e microbiológica. Um resultado curioso foi a observação de maior quantidade de proteínas depois do processo em comparação com a quantidade anterior.
Isso ocorre pois também houve a quebra de lipoproteínas atrelados ao resíduo. Antes do processo, esse componente era contabilizado como lipídio em sua maior parte. Fatores como umidade, concentração de enzima e tempo de reação tiveram efeito significativo na qualidade da pasta final.
O resultado final é uma pasta de cor preta amarronzada, com aspecto viscoso, de minúsculas bolhas e sabor característico de pescado. O produto pode ser utilizado para formular alimentos como barra de cereal, pasta em creme ou até mesmo formular hambúrgueres e salgados. Pode ser usado por todos aqueles que precisam de ingestão de proteínas de alto valor nutricional, como atletas ou pessoas com necessidades especiais.
O que mais aprendi com esse projeto é que pequenas soluções podem revolucionar a maneira como a sociedade observa seus problemas. Quando cientistas se juntam com a comunidade, muitos benefícios podem ser colhidos por diversos grupos, incluindo empresas, governo, sociedade civil e a academia.
No meu caso, foi muito importante ver que a ciência tem que estar alinhada com os interesses da comunidade. Desta forma, somos capazes de observar a mudança das pessoas sobre o que é ciência, para que serve e quem a realiza. Tudo isso é de extrema importância nesses tempos de negacionismo científico. Hoje em dia, eu não mais trabalho com pesquisa, porém levo estes preceitos em todas as minhas vistorias técnicas e ações educativas. Só assim poderemos ter uma sociedade com consciência científica aprimorada.
Se você estiver entrando em um projeto de pesquisa, esteja pronto para aprender tudo sobre aquela área de estudo! Não se acanhe, pergunte sobre tudo o que quiser e mantenha sempre sua curiosidade afiada. Este é o seu momento de aprender, então cometa erros sem apreensão. Para fazer ciência de qualidade, é necessário aprender a lidar com resultados insatisfatórios às vezes. Não deixe que isso te coloque para baixo!
Qualquer resultado colhido é maravilhoso quando nos divertimos no caminho. E tenho certeza que o empreendimento científico se beneficiará de pessoas que sabem lidar com frustração de maneira leve e despretensiosa!
O que achou sobre minha experiência? Você também já fez algo como uma iniciação científica ou projeto igual a esse? Comente sobre sua experiência e até mais!