Olá, pessoas, como estão? Vamos voltar para esse texto rapidinho?

No último texto, falamos sobre alguns conceitos bem básicos. Vimos ideias rudimentares sobre conjuntos e lembramos de alguns conjuntos numéricos ensinados na escola. Hoje, vamos falar sobre a primeira estrutura algébrica do título: os grupos.

Comecemos com algumas definições de termos que podem parecer confusos.

 

Afinal, o que é uma estrutura algébrica?

 

Existe uma maneira técnica de falar isso: uma estrutura algébrica é um conjunto principal munido de pelo menos uma operação, podendo, ou não, ter um conjunto auxiliar satisfazendo os axiomas adequados.

Contudo, se você for na Wikipédia, no dia de hoje (23/09/2022), vai encontrar que uma estrutura algébrica é um conjunto associado a pelo menos uma operação. Além disso, essa operação tem que obedecer a uma série de regras para evitar ambiguidades.

Então, recapitulando os termos técnicos, dizer que um conjunto é munido de uma operação é o mesmo que dizer que nós podemos associar uma operação a ele. Por exemplo: o conjunto dos números naturais (ℕ) com a operação de adição (+), dizer que ℕ está munido com a adição é o mesmo que dizer que podemos somar números naturais. Uma forma também muito comum de simbolizar isso é escrevendo (ℕ,+).

O segundo passo é entender o que são “axiomas”. Podemos ser levados a pensar que axiomas são, simplesmente, regras que as operações têm que obedecer, todavia eles são mais poderosos que isso. Axiomas são Verdades (com v maiúsculo mesmo) não provadas que utilizamos para construir matemática. É como uma verdade religiosa ou uma premissa filosófica, você pode aceitá-la, e ver que consequência é obtida aceitando essa verdade, ou não, e ver que consequências isso traz.

Sempre tentamos deixar os axiomas o mais simples possível. Por exemplo: se duas coisas são iguais a uma terceira, então elas são iguais entre si. Essa é uma ideia bastante intuitiva, então podemos dizer que ela é uma verdade que qualquer um pode chegar sem questionar.

Apesar disso, podemos construir coisas interessantes negando algo intuitivo. Creio que o caso mais conhecido é o dos axiomas de Euclides sobre geometria. Negar que “por um ponto exterior a uma reta passa exatamente uma reta paralela” nos permitiu construir e entender geometrias fantásticas (para saber mais, ouça o scicast 362) e, diria eu, até nos aproximar mais do significado primário da palavra “geometria” (Geo- Terra, -Metria- Medir), afinal, pudemos nos aproximar da medida do nosso planeta como um todo.

 

Agora que sabemos o que é uma estrutura algébrica, resta saber:

Que tipo de estrutura algébrica é um grupo?

 

Já sabemos que qualquer estrutura algébrica é composta de um conjunto e pelo menos uma operação. Um grupo é a estrutura que é composta por um conjunto não vazio e uma ÚNICA operação, não tendo nenhum conjunto auxiliar associado (falaremos sobre estruturas com conjuntos auxiliares em outro texto nessa série). Mas lembre-se, essa única operação deve obedecer a alguns axiomas.

Isto significa que para que um conjunto G munido da operação + seja um grupo então (G,+) deve ter as seguintes propriedades:

  • Se a ∈ G (lê-se: ‘a’ pertence a ‘G’), b ∈ G e c ∈ G, então vale:
  1. a + b ∈ G
  2. (a + b) + c = a + (b + c);

Notem que aqui não especificamos nenhuma propriedade do elemento a, nem do b ou mesmo do c, além do fato de esses três elementos pertencerem ao conjunto G. Nós chamamos a propriedade (ii) de associatividade ou ainda, propriedade associativa. Enquanto a propriedade (i) é o fechamento, podemos dizer também que a operação + é fechada em G, significa dizer qualquer ‘a’ e ‘b’ “somados” ainda dão um resultado que pertence a G.

  • ∃ e ∈ G (lê-se: existe um elemento ‘e’ que pertence a ‘G’) tal que:

e + a = a + e = a;

A gente chama esse elemento ‘e’ de elemento neutro.

  • Para qualquer elemento b ∈ G, com b ≠ e, ∃ b ∈ G tal que:

b + b = b + b = e;

Nós chamamos isso de “existência do inverso” e chamamos b de “inverso de b”. Em outros termos, para cada elemento de G há um outro elemento que, se operado com ele, resultará no elemento neutro.

 

Bom agora vocês já sabem o que é um grupo (espero eu, pelo menos). Estou falando deles primeiro pois um grupo é uma estrutura bem simples, mas com muitas aplicações.

Geralmente, quando pensamos em matemática, pensamos em números, de modo geral, números reais, ou seja, números com que nós contamos (1, 2, 55, 1000) e números com vírgula (pi; 2,5; 2,33333…; 5,1). Somos acostumades a poder multiplicar, dividir, subtrair e tudo mais, tudo isso vem da estrutura algébrica que os números reais têm (dou o nome dessa estrutura em outro texto). Mas, se restringíssemos os números aos inteiros, será que conseguiríamos todas essas propriedades? E mais, será que conseguiríamos formar alguma estrutura algébrica só com números inteiros? Bom vamos testar e ver.

 

Será que os números inteiros (ℤ) associados com a adição usual (ℤ,+) é um grupo?

Bom o primeiro passo é verificar se a adição é fechada em ℤ. Não vou fazer uma demonstração formal, então peço que me acompanhem no pensamento:

  • Números inteiros são “números sem vírgula”, no sentindo de que são números que não têm nenhuma parte decimal (nenhuma parte não nula depois da vírgula). Podemos sempre escrever 2 como 2,0 ou -5 como -5,0 , mas todo valor depois da vírgula desses números é igual a zero.
  • Se nós somarmos números inteiros, estaremos sempre adicionando fatores inteiros a um número e nunca surgirá uma parte decimal não nula. Se somarmos -20 + 3 teremos -17, ou ainda -20 + (-3) teremos -23. Qualquer soma vai nos dar um deslocamento inteiro de um número.
  • Se os números inteiros são aqueles números que têm parte decimal nula (números que só tem zero depois da vírgula), então qualquer soma entre números inteiros nos dará um número inteiro.
  • Fechamento verificado (V)

Agora temos que verificar que a soma é associativa.:

  • Primeiro, note que a associativa nos fala sobre a ordem da operação, no sentindo de “o que devemos resolver primeiro”, afinal, no caso da expressão (a + b) + c, sabemos que devemos resolver o que está dentro do parêntese primeiro.
  • Só que essa é a adição usual, sabemos que a ordem que somamos não altera o resultado final. Tanto faz somar primeiro ‘a’ com ‘b’ para depois somar ‘c’ ((a + b) + c) ou somar ‘b’ com ‘c’ para depois somar ‘a’ (a + (b + c)), o resultado é o mesmo.
  • Associatividade verificada (V)

Podemos verificar que existe um elemento neutro, pois já conhecemos o 0 (zero) e sabemos que podemos somar ele a qualquer número que o resultado será o próprio número.

E a existência do inverso se dá pela própria natureza dos números inteiros, que tem tanto os números positivos (1, 2, 3, 5…) como os números negativos (-1, -2, -3…) e é fácil ver que o inverso aditivo de 1 é o -1, assim como do 2 é o -2 e assim por diante.

Então está aí (ℤ,+) é um grupo. Contudo, nós fazemos mais que só somar com os números que conhecemos, será então que conseguimos fazer (ℤ,*) um grupo? (Sendo que * é o sinal da multiplicação usual)

Bom, de novo, vamos por partes, mas agora que já fizemos uma vez, vamos mais rápido.

 

FECHAMENTO

Um número inteiro não tem partes decimais não nulas, então não há como a multiplicação de números inteiros não resultar em outro número inteiro. O sinal pode mudar, isto é, um número inteiro multiplicado com um número positivo pode resultar tanto num número positivo quanto num número negativo, por exemplo:

2 * 50 = 100

2 * (-25) = -50

 

ASSOCIATIVIDADE

Vou lembrar aqui o velho ditado “a ordem dos tratores não altera o viaduto” que vem de “a ordem dos fatores não altera o produto”. Cada parcela de uma multiplicação se chama fator e o resultado se chama produto, então, tanto faz a ordem, por exemplo:

2 * 50 = 50 * 2 = 100

 

ELEMENTO NEUTRO

Esse elemento é o número 1, sabemos que qualquer número multiplicado por 1 é o próprio número.

 

INVERSO

É aqui que falha. Os números 1 e o -1 têm inverso multiplicativo nos inteiros, mas todo os outros números não. Isto ocorre pois o inverso multiplicativo de um número maior que 1 ou menor que -1 é um número compreendido no intervalo (-1,1), ou seja. É um número que é maior que -1 e menor que 1, por exemplo, o inverso multiplicativo do número 2 é o número ½ ou 0,5 e o do -2 é o -0,5.

Então (ℤ,*) não é um grupo. Não obstante, como 1 e -1 têm inverso multiplicativo, então é possível formar um grupo com o conjunto {-1,1} e com a operação de multiplicação. Recomendo testarem, pode ser divertido.

 

Por hoje é isso, e acho que me alonguei demais. Nas próximas tento fazer de um jeito que dê para quebrar o texto sem perder cadência para vocês. Fiquem bem <3