O título em japonês soa como uma atrocidade para os ouvidos brasileiros, se chama Josou Shite Mendoukusai Koto Ni Natteru Nekura To Yankee No Ryou Kataomoi (女装してめんどくさい事になってるネクラとヤンキーの両片想い). Traduzindo, significa basicamente “Os Sentimentos Incômodos do Emo e do Delinquente Travestidos”, também chamado em inglês de Crossplay Love: Otaku x Punk. De autoria de Tooru, essa comédia romântica é a coisa mais fofa que você vai ler esse mês.

Começamos com “O que é BL e GL?”.

São as histórias de romance de meninos com meninos (Boy’s Love – BL) e meninas com meninas (Girl’s Love – GL). No Japão essas histórias são uma mistura com gênero e demografia. Então existe um público específico para a revista que vende os títulos, portanto é uma demografia; mas também existe essa constante de temáticas de romances homoafetivos, o que é um tipo de gênero.

Hanae é um menino tímido e ansioso que gosta de anime, videogames e cosplay, mas sabe que isso é muito mal visto pelas pessoas. Ele só não sofre bullying porque o mangá não é sobre isso, mas ele acha que vai sofrer bullying a cada instante. Ele tem medo particularmente do delinquente da sala dele. Para se animar e tentar provar que ele pode ser melhor do que isso, e para tentar se colocar no mundo e enfrentar os perigos da sociedade, Hanae vai trabalhar como garçonete num maid-café. Com o nome de Hana.

Shuumei é um delinquente briguento, que só não faz bullying com as pessoas porque ele acha isso coisa de otário. Mas ele tem uma certa vontade de bater no menino emo-otaku da sala dele. Shuumei tem uma irmã que usava ele como cobaia para maquiagem e acabou aprendendo a se maquiar. Um dia ele saiu, vestido de mulher, para ver se ninguém o reconhecia (rever) e acabou indo num maid-café. Quando perguntavam seu nome ele respondia Mei.

Hana e Mei se conhecem e se apaixonam à primeira vista.

E nenhum dos dois tem a menor ideia da identidade do outro. 

E não é porque eles estão de vestido e maquiagem que eles mudam a própria personalidade ou quem são. E, aos poucos, a crush mútua que eles sentiam vai se transformando num amor que vai além da aparência.

Afora esses dois personagens principais, o mundo desse mangá é forrado de personagens que desconstroem o que é gênero. O melhor amigo do Shuumei, Yuzuru, reconhece o Hanae imediatamente, porque o pai dele é uma mulher trans que também trabalha no maid-café. Já o melhor amigo do Hanae, Shimazaki, reconhece o Shuumei imediatamente, porque ele é cosplayer e sabe reconhecer a face das pessoas por detrás da maquiagem. Nisso temos os colegas de trabalho de Hanae (que são todos homens), os amigos da escola, os encontros de Hana e Mei, e o esforço que esses dois fazem para que o outro não descubra que eles são homens. Os encontros de Hanae e Shuumei, os de Hana e Shuumei e os de Hanae e Mei… Todas as permutas possíveis desses personagens acontecem nesse mangá. De forma orgânica e de forma a aprofundar a relação entre eles. 

Algumas análises de mangá separaram as demografias dizendo que BL é sobre realização de desejos e que GL é sobre aquela sensação ansiosa de gostar de alguém sem ser recíproco, é sobre o “yearning”. Esse mangá é um romance entre dois meninos, mas é sobre as inseguranças e ansiedades de gostar de alguém. Gostar de alguém que não sabe quem você é, e com quem você não pode ser sincero sobre sua identidade. Mas ao mesmo tempo ficando confortável nessa nova identidade. 

Também é sobre a sinceridade em outros tipos de relações interpessoais. Sobre amigos com os quais você consegue se abrir, pois eles não julgam quem você é. Ou sobre tentar se reconciliar com a família, quando essa família não se adequa às expectativas da sociedade. É sobre superar os medos do desconhecido. É sobre criar coragem para tentar se comunicar com as pessoas.

É impossível não rir desses encontros e desencontros. Mesmo com temas sérios, é um mangá com uma narrativa leve, com uma arte que faz você querer criar um pack de stickers só com as reações dos personagens. E também é impossível não ter algum nível de frustração com o “slow burn”, o dito “romance banho-maria”, já que parece que os personagens principais são os últimos a descobrirem a identidade um do outro.

A pessoa que faz esse mangá pode, então, fazer um shoujo GL, só que com homens, pois começou a publicação pelo antigo twitter, então nenhuma revista impôs exigências nas expectativas da história.