No texto anterior vimos o que gera as diferentes propriedades magnéticas e o que isso tem a ver com ligações químicas. Porém, com a bagagem que tínhamos não foi possível explicar o paramagnetismo do O2, então vem comigo para entender como o oxigênio molecular é atraído por imãs.
Para explicar o paramagnetismo do O2 entraremos em mais um modelo de ligação química: a teoria do orbital molecular. Tal teoria utiliza a propriedade ondulatória dos elétrons descrevendo o volume no espaço em torno da molécula na qual os elétrons podem ser encontrados.
Na teoria da ligação de valência vimos que orbitais atômicos são nuvens de densidade eletrônica, ou seja, descrevem regiões de probabilidade em que os elétrons podem estar ao redor do núcleo atômico. Ainda, vimos que essas nuvens com diferentes níveis energéticos podem sofrer interferência entre si, produzindo novos arranjos chamados de orbitais atômicos híbridos.
De forma semelhante, a sobreposição dos orbitais atômicos de dois átomos gera uma região de probabilidade combinada na qual os elétrons podem estar distribuídos de forma deslocalizada na molécula. Ou seja, os elétrons já não fazem parte de um átomo ou do outro, mas sim da molécula como um todo. A redistribuição da nuvem eletrônica em diferentes níveis energéticos para a molécula gera os orbitais moleculares.
A combinação entre os orbitais atômicos pode se dar de forma construtiva, ou de forma destrutiva:
- Forma construtiva (ou em fase): gera o que chamamos de orbital molecular ligante, em que há um aumento da densidade eletrônica entre os núcleos atômicos. Isso contribui para a estabilização da ligação e, por isso, o orbital molecular ligante tem energia menor que os orbitais atômicos de origem. Matematicamente, o orbital molecular ligante é formado pela soma entre as funções de onda dos orbitais atômicos.
- Forma destrutiva (ou fora de fase): gera um orbital molecular antiligante, em que há um nodo entre os núcleos atômicos, ou seja, o elétron não será encontrado nessa região. Isso faz com que os núcleos estejam mais expostos gerando uma repulsão entre si, dificultando que a ligação ocorra e fazendo com que o orbital molecular antiligante tenha energia maior que os orbitais atômicos de origem.
A cada dois orbitais atômicos sobrepostos, iremos gerar dois orbitais moleculares (um ligante e um antiligante). Quando a sobreposição é frontal, os orbitais moleculares sigma ligante e antiligante são formados (σ e σ*), já quando a sobreposição é lateral são formados os orbitais moleculares pi ligantes e antiligantes (π e π*).
Para moléculas heteronucleares, a sobreposição lateral dos orbitais atômicos p será assimétrica, uma vez que os elétrons não serão compartilhados igualmente devido à diferença de eletronegatividade entre os átomos.
O orbital atômico do átomo mais eletronegativo irá contribuir mais para a formação do orbital molecular ligante, pois os elétrons tenderão a estar mais próximos a esse núcleo. Pelo mesmo motivo, o orbital atômico do átomo menos eletronegativo irá contribuir mais para o orbital molecular antiligante.
Não vamos nos aprofundar nesses casos, pois nosso objetivo nesse texto é entender a diferença entre N2 e O2 que são moléculas homonucleares.
Mas, primeiramente, vamos para o caso mais simples de molécula diatômica homonuclear: H2.
Sabendo que cada átomo de H tem um elétron no orbital atômico 1s, para que a ligação ocorra teremos a combinação linear entre os dois orbitais 1s de cada átomo, gerando um orbital molecular ligante e um antiligante. Os orbitais moleculares são preenchidos em ordem crescente de energia seguindo o princípio de exclusão de Pauli e a regra de Hund (ambos vistos anteriormente aqui).
Dessa forma, o orbital molecular ligante recebe os dois elétrons formando a ligação H-H. Caso seja fornecida energia suficiente ao sistema, um dos elétrons pode ser promovido ao orbital molecular antiligante. Isso faz com que haja quebra da ligação, uma vez que um elétron do orbital molecular ligante será “cancelado” por um elétron do orbital molecular antiligante.
Essa energia suficiente para que haja a quebra da ligação é a diferença entre as energias dos orbitais moleculares antiligante e ligante e é chamada de energia de ligação.
A partir da quantidade de elétrons nos orbitais ligantes e antiligantes, podemos calcular o número de ligações entre os átomos ou a ordem de ligação, que é dada por:
Logo, a ordem de ligação para H2 é:
Ou seja, há uma ligação simples entre os átomos, formando H2.
Caso a ordem de ligação seja zero, não há ligações efetivas e a molécula não existe. Faça o teste para uma molécula diatômica de hélio, He2, por exemplo e veja se essa molécula existe.
De forma geral, a sobreposição frontal entre orbitais atômicos é mais efetiva, levando à formação de orbitais moleculares de mais baixa energia do que aqueles formados pela sobreposição lateral de orbitais atômicos.
Além disso, essa sobreposição mais efetiva faz com que a diferença de energia entre os orbitais moleculares ligante e antiligante seja maior, ou seja, a energia de ligação sigma é maior que a energia de ligação pi.
Podemos visualizar esses efeitos nos diagramas de energia de nossas moléculas de interesse, O2 e N2.
Agora, vamos analisar o preenchimento dos orbitais moleculares formados. Lembrando que elétrons em camadas internas não participam das ligações.
Cada átomo de N tem cinco elétrons na camada de valência (2s2 2p3). Começando pela sobreposição dos orbitais atômicos 2s, temos a formação de um orbital molecular sigma ligante e um orbital molecular sigma antiligante, cada um deles totalmente preenchido com dois elétrons.
Como cada elétron em orbital molecular antiligante “cancela” um elétron em orbital molecular ligante, não há ligação efetiva proveniente desses orbitais moleculares e tais elétrons ficam como dois pares de elétrons não compartilhados (ou não ligantes).
Já para os orbitais atômicos p temos dois tipos de sobreposição. Imaginando que o eixo de ligação seja o eixo x num eixo cartesiano, há uma sobreposição frontal entre os orbitais atômicos px, gerando um orbital molecular sigma ligante e um orbital molecular sigma antiligante. Há dois elétrons para preencher tais orbitais, logo, somente haverá elétrons no orbital de menor energia (ligante) e, portanto, há ligação efetiva (ligação sigma).
Já os orbitais atômicos py irão se sobrepor lateralmente, gerando um orbital molecular pi ligante e um orbital molecular pi antiligante. Como há dois elétrons para preencher tais orbitais moleculares, haverá somente elétrons no orbital molecular ligante e, portanto, há ligação efetiva (ligação pi). O mesmo irá ocorrer para os orbitais atômicos pz.
Dessa forma, a molécula de N2 terá uma ligação sigma e duas ligações pi entre os átomos, além de dois pares de elétrons não compartilhados, como visto na estrutura de Lewis.
Já cada átomo de O tem seis elétrons na camada de valência (2s2 2p4). Começando pela sobreposição dos orbitais atômicos 2s, temos a formação de um orbital molecular sigma ligante e um orbital molecular sigma antiligante, cada um deles preenchidos com dois elétrons. Semelhante ao que ocorreu para a molécula de N2, não há ligação efetiva proveniente desses orbitais moleculares e tais elétrons ficam como dois pares de elétrons não compartilhados.
Indo para a sobreposição frontal entre os orbitais atômicos px e a geração dos orbitais moleculares sigma ligante e antiligante, temos dois elétrons para preenchê-los. Logo, somente haverá elétrons no orbital molecular ligante e há ligação efetiva. Já os orbitais atômicos py e pz irão se sobrepor lateralmente, gerando seus respectivos orbitais moleculares pi. Logo, como já vimos para o N2, haverá dois orbitais moleculares pi ligantes degenerados e dois orbitais pi antiligantes degenerados.
Porém, aqui vem a diferença entre o N2 e o O2: temos um total de seis elétrons para preencher esses quatro orbitais moleculares pi. Como os orbitais moleculares ligantes tem menor energia, quatro desses elétrons os ocupam. E pelo o que já sabemos da regra de Hund, os dois elétrons restantes não podem ocupar o mesmo orbital para evitar repulsão entre si, logo cada orbital molecular pi antiligante degenerado recebe um elétron. Ou seja, temos dois elétrons desemparelhados na molécula de O2.
Esses elétrons geram um momento de dipolo magnético permanente na molécula, que tende a se alinhar com um campo externo que seja aplicado, explicando o paramagnetismo do O2!
Ainda, temos que esses dois elétrons desemparelhados, por estarem em orbitais moleculares antiligantes, irão cancelar dois dos elétrons presentes nos orbitais moleculares ligantes, ou seja, além de uma das ligações pi não ser efetiva, há mais dois pares de elétrons não compartilhados (ou não ligantes) na molécula.
No total, a molécula de O2 apresenta uma ligação sigma e uma ligação pi entre os átomos, além de quatro pares de elétrons não compartilhados. Coincidindo com a estrutura de Lewis.
Aqui se encerra (ao menos por enquanto) os textos sobre diferentes modelos de ligações químicas. Mesmo apresentando as teorias somente do ponto de vista qualitativo, espero que tenha ficado clara a importância dos diferentes modelos para explicar as propriedades dos materiais.
Até mais!
Referências:
ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente. 3a ed. Bookman, 2006.
ARAUJO, M. P. Teorias de ligação.
AYALA, J. D. Teoria do Orbital Molecular.
BRONDANI, P. B. De Orbitais Atômicos a Orbitais Moleculares: Explicando Ligações Químicas e Polaridade.
PUREUR, P.; SILVEIRA, F. L. Diamagnetismo, paramagnetismo e ferromagnetismo.
SENESE, F. How do I explain bonding in O2 using hybridization?