Certos gêneros de games muitas vezes ficam restritos à certas plataformas, é o caso dos simuladores de construção e gerenciamento de cidades, vistos em sua imensa maioria apenas no PC. E quando falamos de construção e gerenciamento de cidades nos games, o que primeiro nos vem à cabeça é SimCity. Criado por Will Wright, com seu primeiro título em 1989, o game fez um enorme sucesso, o que garantiu várias sequencias e alguns spin-offs (The Sims foi um deles).
Mas não é só de SimCity que vivem os simuladores de gerenciamento de cidades, a Impressions Games, por exemplo, fez fama com seus games em que o objetivo era gerenciar cidades em grandes momentos históricos do passado, como a trilogia Caesar, que se passa na Roma antiga e, claro, o alvo desse texto, Pharaoh, que se passa no Egito antigo.
Então se você quer saber porque o Egito é uma dádiva do Nilo e como as mecânicas do game representam isso, pegue seu papiro e comece a tomar nota, pois hoje iremos administrar o Egito antigo e conhecer mais sobre a importância do rio Nilo para ele.
Em Pharaoh, lançado em 1999 exclusivamente para os PC’s, os jogadores supervisionam e gerenciam cidades e assentamentos do Egito antigo, passando por 5 períodos históricos.
O game simula muitos aspectos da vida egípcia e da gestão de cidades. A parte religiosa também está presente, sendo necessário “apaziguar” um ou mais deuses, para que os mesmos ofereçam presentes para a cidade.
A construção de novas habitações é essencial para manter o controle populacional da cidade. Uma cidade com uma super população e com poucas habitações pode gerar um êxodo de habitantes, fazendo com que o recolhimento de impostos caia drasticamente e limitando a verba disponível para a construção de outros prédios e monumentos essenciais para a cidade. Porém, o que mais chama a atenção no game é a agricultura.
No game, o rio Nilo é essencial para o desenvolvimento da sua cidade. Periodicamente o rio estende suas margens (as chamadas cheias), fazendo com que a área para o plantio diminuía. Entretanto, depois que o rio volta ao seu nível normal, a área antes alagada se torna exatamente fértil para o plantio, gerando uma colheita muito maior que o normal.
Isso é exatamente o que acontece na vida real e um dos motivos que ajudaram o Egito a ser o grande império que já fora no passado. Vamos então entender melhor isso.
Situado no nordeste do continente africano, o Nilo é o maior rio do mundo em termos de extensão territorial, com aproximadamente 7 mil quilômetros que cruzam 10 países. Sua nascente fica em Uganda e sua foz é no Mar Mediterrâneo, apresentando grande irregularidade em seu volume de água.
Entre junho a setembro ocorrem os períodos de cheia (períodos de chuvas que aumentam o volume de água). Essas cheias fertilizam as margens do rio com húmus (basicamente matéria orgânica), fazendo com que o solo seja mais “produtivo”, assim como no game.
Como a maior parte do território egípcio se encontra em regiões desérticas, os egípcios precisaram inventar meios de utilizar a água do Nilo para abastecer suas plantações mais distantes das margens do rio. E eles foram tão eficientes nisso que, junto com a Mesopotâmia, são considerados os primeiros inventores dos métodos de irrigação, o primeiro deles, a construção de canais, que também está disponível no game.
Através da escavação de canais, durante os períodos de cheia, a água do rio poderia ser utilizava para inundar outras terras, inclusive sendo armazenada em pequenas bacias quando havia excedente. No entanto, durante os períodos de seca não havia água suficiente para irrigar as lavouras.
Para um império que começa a dar seus primeiros passos e tinha sua economia baseada na agricultura, era extremamente necessário manter uma produção regular de alimento durante o ano todo, e não somente durante as cheias do Nilo. Então os egípcios começaram a se valer de ferramentas para bombear a água.
Apesar de essas ferramentas não serem vistas em Pharaoh, vale a pena a pena citá-las devido à sua engenhosidade.
Desenvolvido durante o período Amarna, dos faraós Akhenaten e Tutancâmon, o Shaduf era uma ferramenta operada por um a quatro homens e consistia em um longo mastro suspenso no qual em uma ponta se encontrava um balde e na outra um contrapeso. Fazendo o movimento de pêndulo, poderia se retirar água de um local mais baixo para outro mais elevado.
Estimativas dizem que operando por 12 horas seguidas, a ferramenta poderia bombear cerca de 100 mil litros de água, o que daria para irrigar um terço de um acre. Também era possível montar várias dessas ferramentas em “série”, fazendo com que terras ainda mais distantes do rio, pudessem ser irrigadas.
Já durante o período ptolomaico, os egípcios inventaram um moinho de água chamado Nora. Era feito de uma grande roda que continha jarros de cerâmica em torno da sua circunferência. À medida que a roda girava na água, os jarros eram enchidos e depois esvaziados em um canal.
Dependendo do tamanho dos jarros, um moinho Nora poderia erguer até 285 mil litros de água. Uma curiosidade é que os romanos só foram “desenvolver” o moinho de água depois que invadiram o Egito e viram os moinhos Nora em operação.
Por fim, não podemos deixar de citar a contribuição dada por Arquimedes quando estava em Alexandria (por muito tempo a capital do Egito Antigo): o Tanbour, mais conhecido como parafuso de Arquimedes. Constituído de um tubo oco de madeira, em sua parte interna ia uma peça com o formato de um parafuso e no topo uma manivela. Colocando-se uma ponta na água, ao se girar a manivela, a água era elevada até um canal através desse movimento giratório. É um sistema muito eficiente e usado até hoje, principalmente na área industrial.
Fora a agricultura, a pesca também era muito praticada, servindo tanto de ofício quanto como lazer.
No game, a pesca também é um elemento essencial para o sustento da cidade, sendo necessário construir estaleiros para que os pescadores possam atracar e zarpar com seus barcos. Barcos esses que, no Egito antigo, eram feitos de caules de papiros e tiras confeccionas a partir dessa planta. Papiro esse que é um dos recursos que devem ser coletados no game (podendo ser usado em trocas comercias) e foi de extrema importância para o desenvolvimento do Império Egípcio.
Devido à sua abundancia nas margens do Nilo, o papiro era largamente utilizado, desde a confecção dos barcos até a fabricação de roupa e calçados, mas foi na utilização da escrita que ele se mostrou inigualável até então. Por ser leve, flexível e de fácil acesso, logo ele substituiu todos os materiais que ofereceriam suporte à escrita. Seu único defeito era a fragilidade, resistindo pouco ao tempo e a umidade.
O papiro era produzido através do caule da planta de mesmo nome (nome cientifico Cyperus papyrus). Desse caule eram retiradas lâminas finíssimas que eram estendidas em tábuas onde eram constantemente molhadas com águas do Nilo.
Primeiro se colocava uma cama horizontalmente e depois uma segunda camada na vertical, formando uma espécie de malha. Depois de comprimida, esmagada e seca, essa malha ficava macia e polida o suficiente para receber escrita.
Todo esse processo foi o que nos deu o papel que tanto utilizamos hoje e possibilitou que o conhecimento adquirido por uma geração pudesse ser facilmente passado para a próxima. Se quiser aprender como fazer um papiro em casa, recomendo esse vídeo do Manual do Mundo:
E chegamos ao fim de mais um texto. Espero que tenham ficados claros os pontos que fizeram o Nilo ser tão essencial para o Egito (inclusive na Bíblia Cristã, é famosa a parte em que Moisés transforma em sangue as águas do rio, que representava a vida para os egípcios) e também como Pharaoh integra esses pontos à sua mecânica de gameplay.
Aproveito a deixa para colocar um trecho de uma das melhores animações da DreamWorks:
Se ficou com vontade de jogar o game recomendo que espere um pouco, pois em 2022 sairá um remake pelas mãos da Dotemu (empresa que já nos entregou o excelente Streets of Rage 4). Remake esse que além das melhorias gráficas e desbalanceamentos no gameplay, trará também a expansão Cleopatra: Queen of the Nile, que incialmente foi lançado no ano 2000. E se quiser saber mais sobre o Egito antigo, recomendo o Scicast #40 e o Fronteiras no Tempo #43.
Fico no aguardo dos comentários, críticas ou sugestões. Até a próxima.
Fonte: Wikipédia, Toda Matéria, Brasil Escola, Jacobucci, Jogo Véio, Fascínio Egito e Info Escola