Recentemente, fiquei fascinado por duas séries de vídeos do produtor norte-americano@BobbyBroccoli"> BobbyBroccoli. The man who faked human cloning (O homem que forjou a clonagem humana) e The man who almost faked his way to a Nobel Prize (O homem que quase forjou seu caminho até o Prêmio Nobel) são duas séries de vídeos sobre fraudes científicas, seus perpetradores e as consequências sentidas pela comunidade acadêmica nos campos da biologia, engenharia e física.
Caso seu inglês seja bom, recomendo fortemente os conteúdos — infelizmente ainda não temos legendas em português.
“O homem que forjou a clonagem humana” conta a história do doutor Hwang, um cientista sul-coreano que, no meio do auge das pesquisas envolvendo clonagem por células-tronco, maquiou e mentiu sobre dados, obtendo resultados que se mostraram parcialmente ou totalmente falsos. Isso levantou uma série de outras questões éticas, políticas e econômicas.
“O Homem que quase forjou seu caminho até o Prêmio Nobel” conta como um físico alemão, Jan Hendrik Schön, mentiu sobre seus resultados em diversas pesquisas em semicondutores, causando um verdadeiro caos no mundo da física e engenharia. Jan foi descoberto, inicialmente, por utilizar gráficos duplicados em suas publicações, mas o buraco era muito mais profundo.
Depois de assistir, questionei-me quais seriam as fraudes científicas mais famosas no Brasil. Para nossa sorte, uma pesquisa rápida me ensinou que existem pouquíssimos casos do tipo no país. Mas existem alguns, claro.
O caso
Fraude acadêmica pode se dar de várias formas, o artigo estar errado não configura fraude por si só, para isso, é necessário que haja a intenção de fraudar, quando a metodologia ou resultado é alterado propositalmente, a publicação é considerada fraude.
Quando um artigo é examinado por especialistas e a fraude é registrada, uma das primeiras consequências é a retração do artigo. A editora pedir a retração (retraction, em inglês) significa, basicamente, que ela não reconhece mais o conteúdo apresentado no artigo em questão.
Foi isso que aconteceu com não um, nem dois, mas onze dos artigos publicados pela dupla de pesquisadores brasileiros Denis Lima Guerra e Claudio Airoldi. No final de 2011, a Elsevier (maior editora de artigos científicos do mundo) pediu a retração de mais de uma dezena de artigos publicados por Guerra, todos tendo Airoldi como co-autor.
Guerra conheceu Airoldi enquanto fazia estágio na Unicamp durante seu doutorado. Airoldi, mais velho, era um professor e pesquisador muito respeitado no meio acadêmico, ele negou participação em todo o esquema, alegando não ter nem lido os artigos de Denis e somente assinando-os como coautor, uma prática até que relativamente comum entre cientistas e orientadores.
O trabalho de Denis envolvia, resumidamente, o uso de argilas modificadas a fim de dar propriedades novas ao material. Um dos principais usos seria a aplicação da argila modificada na filtragem da água. Modificando de forma com que ela absorvesse mais toxinas.
Uma das principais formas de testar se o resultado obtido foi o esperado se dá por meio da ressonância magnética nuclear, que revela detalhes sobre a estrutura e a geometria da molécula analisada. E é justamente nesse teste que se encontra a fraude — os gráficos dos testes dos artigos publicados por Denis foram repetidos e manipulados entre os 11 artigos.
Segue o trecho da matéria publicada pela revista Piauí na época da polêmica:
A mesma técnica de pesquisa é usada por cientistas de muitas áreas. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o bioquímico Fabio Lacerda Almeida recorre a ela para investigar a estrutura de proteínas. Ele é o coordenador do Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear com sede no campus da UFRJ. Almeida não é especialista na área dos trabalhos acusados e nem leu os artigos com atenção, mas se dispôs a olhar os espectros de alguns dos artigos invalidados, ciente de que estavam sob suspeita de fraude. “O ruído aqui está esquisito, tem uns pulos”, disse ele, apontando para um dos espectros. Noutro artigo, dois gráficos semelhantes chamaram sua atenção. “Olha o ruído desse aqui como se parece com o de baixo”, avaliou. “Mesmo se você fizer dois espectros da mesma molécula, os sinais vão aparecer na mesma frequência, mas os ruídos serão diferentes”, garantiu. Num terceiro paper, Fabio Almeida estranhou uma queda abrupta da curva. “Parece que manipularam no Photoshop.”
Após anos de apuração e investigação, Denis Lima Guerra foi demitido do seu cargo de professor pela UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso), Claudio Airoldi escapou basicamente ileso, com uma pequena suspensão.
Como já dito, o caso ocorrido em 2011 passa longe de ser algo comum no Brasil, que é o 16º país que mais publica no mundo e possui cerca de 1% dos trabalhos marcados como retracted. Nos últimos anos, nota-se uma tendência cada vez maior, em nível global, de fraudes e plágios, felizmente, não nos encontramos na mesma situação.
Referências
Misconduct accounts for the majority of retracted scientific publications – PNAS