Oi. Sou o Leo, e normalmente escrevo aqui no Portal sobre Mecânica Quântica (KATCHIM!). Mas aqui vou falar de algo mais tranquilo, mas talvez nem tanto, mas talvez mais de boa: Forças Fictícias. O que são estas Forças? Onde elas mora? De que elas se alimentam? Elas realmente existem?

Imagem do jornalista Sérgio Chapelin, do Globo Repórter, com os seguintes dizeres: “Forças Fictícias: onde moram? De que se alimentam? Elas realmente existem? Neste texto, no Deviante.”

Creio que a grande maioria das pessoas já teve algum contato com as Leis de Newton, tanto em disciplinas do Ensino Médio ou do Ensino Superior, e mesmo aqui nos textos e podcasts do Portal Deviante (aconselho os textos: Newton e as segundas-feiras, o que eles têm em comum?, Que a Newton esteja com você, A terceira lei de Newton; e o episódio Scicast #108: Isaac Newton, dentre outros). Neste texto vou contar um “ambiente” onde as Leis de Newton deixam de ser válidas, e olha que nem vou falar de Relatividade ou Quântica, mas num “ambiente” que o próprio Newton estava ciente de que suas Leis da Natureza deveriam ser analisadas com mais cuidado. Calma que não vai ter “fórmulas”, ou nada de muito cabuloso não. Só a ideia qualitativa que quero expressar mesmo.

Leis de Newton

Relembrando aqui o “jeitão” costumeiro que a gente já conhece as Leis de Newton:

1ª Lei: Lei da Inércia; corpo permanece em repouso ou em Movimento Retilíneo Uniforme.
2ª Lei: Lei de Forças; Força resultante é o produto da massa pela aceleração; Força resultante é a variação temporal do Momentum Linear.
3ª Lei: Lei de Ação e Reação; se um corpo A exerce Força num corpo B, o corpo B por sua vez exerce Força no corpo A, e estas Forças estão na mesma direção, possuem o mesmo módulo e sentidos contrários.

É sobre a 1ª Lei que quero conversar aqui. Vamos lá então! Antes de falar um pouco sobre a ela, vou conversar um pouco sobre o Princípio de Inércia de Galileu[1], que às vezes passa meio chutado em aulas. Mas não vou me alongar muito sobre Princípio da Inercia neste texto, pois não é meu objetivo. Talvez em um texto futuro, quem sabe (peçam aí nos comentários, se quiserem! =) ).

Princípio de Inércia

Tirinha de Jim Davis, onde Jon e Garfield conversam, ambos de maneira preguiçosa. (Tirinha em 3 partes. Quadrinho 1: Jon fala para Garfield: “Você é preguiçoso.”, Garfield responde: “Não, estou conduzindo uma experiência científica”. Quadrinho 2: “Jon: “Preguiçoso.” Garfield: “Estou testando a Primeira Lei de Newton.” Quadrinho 3: Jon: “Preguiçoso, Preguiçoso, Preguiçoso!” Garfield: “Corpos em repouso tendem a permanecer em repouso.”

Galileu, em um de seus vários textos, nos diz o seguinte[2]:

“… se todos os impedimentos forem removidos, um corpo pesado em uma esfera concêntrica com a Terra se manterá em seu estado de movimento; se colocado em movimento para o Oeste (por exemplo), ele se manterá por si só neste movimento.” (GALILEI, Galileu)

Este conceito de Inércia é conhecido como Inércia Circular, e é fundamental para se entender o Movimento da Terra ao redor do Sol e o próprio movimento de Rotação da Terra. Note que, se a Terra se move ao redor de seu próprio eixo, uma pergunta que se pode fazer é “porque nós (!) não sentimos esta rotação?”. O Princípio de Inercia Circular acima tenta solucionar esta pergunta, nos dizendo que OK, mesmo se estivermos em rotação com a Terra, por Inércia, nosso movimento e também o movimento das coisas que podemos fazer movimentar (um barco, uma bala de canhão, uma bola de futebol, etc) também acompanharão o movimento, por Inércia.

Podemos também pensar num Princípio de Inércia Retilíneo, que nos diz que: “na ausência de gravidade, e se todos os impedimentos forem removidos, um corpo pesado se manterá em seu estado de movimento, em linha reta e com velocidade constante”.

Resumindo: se um corpo não possui uma Força resultante, ou um agente externo, que o faça mudar seu movimento, ele permanecerá com velocidade constante.

1ª Lei de Newton Revisitada

Até aí OK, mas talvez você esteja pensando: Opa!!! Pera lá!!! Onde foi que Newton mudou pra isso ser chamado de 1ª Lei de Newton???

De fato, podemos pensar sim a 1ª Lei de Newton como sendo a Lei da Inércia, mesmo porque ela É a Lei da Inércia. Mas podemos também pensar a 1ª Lei de Newton como nos dizendo o cenário ideal para trabalharmos as Leis de Newton.

Mas como assim cenário ideal?

Quando estudamos as Leis de Newton queremos, como causa final, estudar o movimento de corpos ou de sistemas de partículas, e portanto queremos saber a posição e a velocidade dos componentes deste sistema para qualquer instante de tempo. Portanto, devemos caracterizar estas quantidades com relação a algum Sistema de Referência!

E aqui entra o ponto fundamental que eu queria chegar: existe um tipo “especial” de sistema de referência que, ao estudamos as Leis de Newton, elas se mostram invariantes, ou seja, as Leis de Newton não mudam sua forma nestes sistemas. Ou seja, se você estudar as Forças que atuam no corpo, e comparar as Leis de Newton para qualquer um destes Sistemas de Referencial “especiais”, elas sempre vão te retornar F = ma (não aguentei e tive que colocar uma Equação!!! Ahhhhhh).

Estes Sistemas de Referencial “especiais” são nada mais nada menos que Sistemas de Referencial Inerciais, isto é, são Sistema de Referência que estejam em repouso ou em Movimento Retilíneo Uniforme. Portanto, o que a 1ª Lei de Newton nos diz é:

“estude as Leis de Newton para qualquer corpo ou sistema de partículas com relação a Sistemas de Referencial Inerciais.” (SOUZA, Leo)

Exemplos (aproximados) destes sistemas inerciais: um barco que se move em linha reta com velocidade constante numa lagoa sem muitas ondas; um trem que se move em linha reta em velocidade constante por um trilho sem muito solavanco, etc, etc, etc.

Beleza, espero que tenha dado pra entender até então o que quis dizer, talvez de maneira superficial, sobre Inércia, Sistema de Referencial Inercial e 1ª Lei de Newton. Mas aí alguém me pergunta: “Tá bom, cara, mas e essas tais forças fictícias?”

Forças Fictícias

Aí que entra algo que eu acho muito bonito. Se imagine em um trem, que se move em linha reta e com velocidade constante (ou mesmo com o trem parado). No teto deste trem você amarra uma corda, com uma pequena bolinha em sua ponta. Como o trem está com velocidade constante, a corda e a bolinha permanecerão na vertical, sem fazer nenhum ângulo com o teto.

Observação: não estou usando “trem” aqui como o substantivo trunfo de mineiro não hein, é um trem mesmo. Que trem? Um trem uai! Tô doido!

Você está em um trem, que por sua vez está parado (ou com velocidade constante em linha reta). Quando você amarra uma bolinha numa corda ao teto do trem, ela fica na vertical para baixo.

Agora, se o trem começa a se acelerar para a frente, com aceleração constante A, a bolinha irá para trás, e desta forma a corda fará um ângulo θ com a vertical (ver Figura abaixo). O mesmo efeito ocorre, por exemplo, quando alguém freia abruptamente um ônibus/carro e você é lançado para a frente, ou quando você faz uma curva para a direita e sua cabeça pende para a esquerda.

Você está em um trem, que por sua vez está acelerado para a frente (com aceleração constante). Quando você amarra uma bolinha numa corda ao teto do trem, ela fará um ângulo θ com a vertical.

Se você desejar estudar a 2ª Lei de Newton para o caso do trem acelerado, você notará o seguinte (suponha por exemplo que você esteja dentro do trem e somente tem acesso à bolinha com a corda, as janelas estão fechadas e tampadas):

As Forças que você dentro do trem sabe, com certeza, que atuam na bolinha são o Peso P e a Tensão T.

Ora, para você que está dentro do trem, a bolinha está em “repouso”: ela se mexeu até certo ponto, mas por lá ficou, de forma estática/parada. Se você, dentro do trem e sem saber que este último está acelerado, desejar estudar as Leis de Newton para a bolinha, poderá chegar em duas conclusões:

Conclusão 1) a bolinha está PARADA, em repouso, e portanto, segundo as Leis de Newton, existem 3 forças atuando na bolinha: a Força de Tensão T, a Força Peso P, e uma Força “estranha”, que não possui reação, e que atua tanto na bolinha quanto em qualquer corpo no trem (incluindo o próprio trem);

Conclusão 2) como você não consegue medir uma reação desta força estranha puxando a bolinha para trás, você supõe que agem somente as duas Forças (Tensão e Peso) na bolinha, e o efeito do deslocamento θ da corda é devido a esta análise das Leis de Newton estar sendo feita num referencial acelerado.

As duas conclusões são apresentadas nas Figuras abaixo.

Conclusão 1) a bolinha está PARADA, em repouso, e portanto, segundo as Leis de Newton, existem 3 forças atuando na bolinha: a Força de Tensão T, a Força Peso P, e uma Força “estranha”, que não possui reação, e que atua tanto na bolinha quanto em qualquer corpo no trem (incluindo o próprio trem).

Conclusão 2) como você não consegue medir uma reação desta força estranha puxando a bolinha para trás, você supõe que agem somente as duas Forças (Tensão e Peso) na bolinha, e o efeito do deslocamento θ da corda é devido a esta análise das Leis de Newton estar sendo feita num referencial acelerado.

Mas aí você pode estar se perguntando: “Ora, o efeito de deslocamento é o mesmo, qual a diferença entre as duas análises?”

A diferença fundamental é que as Forças Tensão e Peso são duas forças reais, verdadeiras, possíveis de serem medidas. Estas Forças seguem a 3ª Lei de Newton, produzem reação em algum outro corpo, respeitam a conservação do Momentum Linear. Principalmente podemos notar que estas Forças reais são devidas a algum agente de interação Físico, como a Gravitação, a Força Eletromagnética, e as Forças Nucleares.

A Força “estranha” do exemplo acima é chamada de Força Fictícia, ou Força de Inércia. Ela NÃO é devida a nenhuma interação Física entre corpos ou sistemas. As Forças de Inércia, ou Forças Fictícias, não obedecem ao Princípio de Ação-Reação, ou à 3ª Lei de Newton: não existe uma REAÇÃO a estas Forças. Elas são sempre proporcionais à massa das partículas em questão. As Forças Fictícias podem sempre ser explicadas pela aceleração do referencial acelerado em que aparecem, com relação a um referencial inercial.

Então, de onde veio a inclinação da corda no exemplo do trem? Esta inclinação surge da própria inércia da bolinha e do fato da mesma estar presa na corda, que por sua vez está presa no teto.

As Forças Fictícias surgem quando estudamos as Leis de Newton num “ambiente” (lembre-se do início do texto) em que elas não foram planejadas para serem usadas. Note que as Leis de Newton “valem”, ou são invariantes/não mudam de forma, quando estudadas em Referenciais Inerciais (1ª Lei). Quando tentamos estudar as Leis de Newton em Referenciais Não-Inerciais o efeito das chamadas Forças Fictícias é esperado, e estas Forças podem ser compreendidas completamente através de um estudo minucioso das Leis de Newton.

Os exemplos mais gritantes de Forças Fictícias são as Forças Centrífugas, a Força de Coriollis e o Efeito Dzhanibekov (para este último, aconselho demais o Spin de Notícias #622 “Como assistentes virtuais podem salvar sua vida? O que é o Efeito Dzhanibekov?”), ambas surgindo em Referenciais que estão em Rotação sobre um certo eixo, por exemplo como a própria Terra! E tanto a Força Centrífuga quanto a Força de Coriollis (ambas Forças Fictícias) têm um papel importantíssimo em problemas envolvendo clima e meteorologia.

Mas aqui quero deixar MUITO claro: Força Centrífuga e Força de Coriollis NÃO são Forças devido a algum agente Físico real, não existe (até onde se sabe) um mecanismo ou alguma interação que seja a geradora destas Forças. Elas surgem devido ao efeito de Inércia dos corpos, e quando analisamos as Leis de Newton em um Referencial não-Inercial.

Acho que por hoje está suficiente, espero não ter confundido, mas espero ter tirado sua mente da Inércia! :)

Para textos futuros vou tentar falar um pouco mais sobre Força Centrífuga e Força de Coriollis (ambas Forças Fictícias, não me canso de salientar).

Forte Abraço,

Leo.

Notas:

[1] Que também havia sido levantado por Giordano Bruno dentre outros, em defesa do sistema Heliocêntrico de Copérnico, mas este assunto daria pra escrever alguns outros textos.

[2] Discoveries and opinions of Galileo : including The starry messenger (1610), Letter to the Grand Duchess Christina (1615), and excerpts from Letters on sunspots (1613), The assayer (1623) / translated with an introduction and notes by Stillman Drake.