Este é o segundo da nossa série de textos da coleção “coisas de física que podem ajudar você a cozinhar, ou a fazer comentários curiosos enquanto outra pessoa cozinha para você”, ou CDFQPAVACOAFCCEOPCPV, para abreviar. Talvez essa coisa de usar siglas funcione melhor com títulos curtos, mas vamos ao que interessa.

Cozinhar alguma coisa é, na maioria das vezes, aquecer a comida crua para transformar ela em uma outra coisa. Os alimentos são formados por moléculas que nunca estão constantemente paradas. Se você pudesse dar um grande zoom, veria que as moléculas na realidade estão sempre vibrando, sacudindo de um lado pro outro. Aquecer alguma coisa no fundo é transferir energia para essas moléculas, fazendo elas sacudirem mais.

(Inclusive, a “temperatura” nada mais é do que um número que mede o quanto essas moléculas estão sacudindo. Maior temperatura significa moléculas mais agitadas. Não é emocionante? Você espeta um termômetro em alguma coisa e aparece um número ali, que diz se as dezenas de milhares de moléculas ali dentro, pequenas demais pra gente ver, estão sacudindo muito ou pouco. Se isso não soa legal pra você, não sei o que seria capaz de tocar seu coração gelado.)

 

Aquecendo os alimentos

No caso do alimento, aquecer significa fazer as moléculas sacudirem ali dentro cada vez mais rápido, até que elas se batem com força suficiente para reagirem e formarem novos compostos e sabores. Na cozinha, há vários jeitos de aquecer o alimento até que essa magia aconteça: fritando, assando, na água etc. Cada um desses jeitos vai produzir uma coisa diferente. Hoje vamos falar sobre principalmente sobre os assados no forno, e como eles diferem de outros jeitos de cozinhar alguma coisa.

Assar alguma coisa é basicamente enfiar esse alimento dentro de um forno quente. Nesse ambiente, duas coisas aquecem o alimento: o infravermelho e o próprio ar.

 

O infravermelho, seu amigo invisível e quentinho

Infravermelho é uma forma de radiação eletromagnética, que é um jeito elegante de dizer que é um tipo de luz que nosso olho não consegue ver, e que transporta energia de um lado pro outro. O seu corpo, por exemplo, está constantemente mandando um pouquinho de calor pro ambiente na forma de infravermelho. É isso, inclusive, que é detectado pelos termômetros de infravermelho. A quantidade de infravermelho que sai da sua testa depende da temperatura dela, e o termômetro mede essa quantidade pra saber se você está com febre.

Aquelas famosas “câmeras de calor” que aparecem nos filmes também detectam isso, o infravermelho que sai dos objetos. Coisas mais quentes emitem mais infravermelho (IV) que coisas frias, então analisando o IV que sai dos objetos é possível ter uma noção da sua temperatura.

No forno, a própria chama do gás (ou calor do grill, se for um forno elétrico) produz infravermelho que transporta calor diretamente para o alimento. As paredes aquecidas também se tornam fontes de infravermelho, ajudando a distribuir calor de todos os lados para o alimento.

O papel alumínio tem a função de refletir esse infravermelho: ele é como um espelho, que reflete o infravermelho invisível junto com a luz. Por isso o copo Stanley é espelhado por dentro! A ideia é impedir que parte do infravermelho que tenta entrar no alimento consiga entrar, e ao mesmo tempo impedir que parte do infravermelho que tenta sair do alimento consiga sair. Isso faz com que o alimento cozinhe melhor por dentro antes de cozinhar demais por fora. Também ajuda a reter umidade, e não faz a menor diferença se você deixa o lado “mais brilhante” pra dentro ou pra fora, aliás.

 

Ar (avatar Aang, é você?)

Já o ar dentro do forno naturalmente faz um movimento de “sobe” e “desce”, conhecido como convecção. Ar quente sobe, ar frio desce. O ar quente em volta do alimento o aquece e ajuda também a evaporar umidade da superfície. Um ventilador dentro do forno, presente em alguns modelos inclusive, acelera esse movimento do ar, e torna o cozimento do alimento mais eficiente.

O que acontece é que o ar toca no alimento, aquece esse alimento, mas em troca disso o próprio ar agora está um pouquinho mais frio. Com um ventilador, o tempo inteiro o ar em volta do alimento é soprado longe e substituído por um novo ar recém aquecido. Por sinal, isso ajuda também a arrastar umidade pra fora da superfície. Isso é a base de uma air fryer e dos fornos de convecção.

É interessante que um forno a 250°C é muito mais quente que uma panela de água fervendo (o que acontece a uns 100°C) – mas cozinha os alimentos de maneira mais lenta. Uma batata numa panela com água fervendo a 100°C cozinha mais rápido do que em um forno a 250°C!

O principal motivo é que o ar, na verdade, é um péssimo condutor de calor: a água é feita de moléculas muito mais “juntinhas” do que o ar (mais densa, pra ser mais técnico). Isso faz com que a água transfira energia pra dentro do alimento muito mais rápido do que o ar. Se você tiver a brilhante ideia de meter a mão em uma panela de água fervendo a 100°C, ela vai queimar muito mais rápido do que se você colocar a mão dentro do forno ligado. (Meu advogado sugeriu deixar claro o seguinte: NÃO FAÇA ISSO!!!)

 

A eficiência de assar

Apesar da demora, os fornos conseguem levar os alimentos a uma alta temperatura e remover bastante umidade da superfície, produzindo assados dourados e crocantes. Se você cozinhar o alimento na água, a superfície definitivamente vai ficar molhada, e não vai chegar em temperaturas altas o suficiente para dourar a maioria dos alimentos. Por isso, por exemplo, uma carne pode ficar bem cozida na água, mas com aquela superfície de aspecto sem graça.

As reações de Maillard, reações químicas responsáveis pelo dourado de uma carne, só começam a acontecer quanto a temperatura atinge cerca de 115°C. A caramelização de açúcares requer temperaturas ainda maiores, por volta dos 165°C. Mas a temperatura da água não consegue subir até mais de 100°C enquanto ela ainda está líquida (a menos que você use uma panela de pressão – assunto para outra hora). A consequência é que a maioria dos alimentos só consegue dourar em um ambiente capaz de remover a umidade da superfície.

A magia da fritura também acontece assim:  o óleo consegue chegar em altas temperaturas ainda líquido. Em geral a temperatura de um óleo na fritura passa de 170°C. O óleo quente transfere calor rapidamente para a superfície, fazendo essa água da superfície virar vapor. Essas são as “bolhas” que saem quando você coloca o alimento no óleo, é a água da superfície sendo removida! A alta temperatura desidrata a superfície e esquenta ela rápido o bastante para que ela fique dourada antes que o interior fique seco. Um empanado, como um bife à milanesa, por exemplo, não só tem o papel de fornecer sabor e textura, mas de proteger o interior do alimento pra ele não secar demais enquanto cozinha.

 

Por hoje é só, pessoal!

Dessa vez paramos por aqui – estou com um bolo no forno que precisa da minha atenção! Gostou? Deixe seu comentário, compartilhe com os amigos ou, quem sabe, tatue uma frase do texto! Um forte abraço e até a próxima :)