Esse é o primeiro de uma série de textos que eu gosto de classificar como “coisas de física que podem ajudar você a cozinhar, ou a fazer comentários curiosos enquanto outra pessoa cozinha para você”. Eu inicialmente tinha pensado em algo mais objetivo como “A Física na Cozinha”, mas acho que os títulos longos têm um certo charme, sabe?
Para engrossar o caldo
Natal, fim de ano e a perspectiva de férias trazem, pelo menos pra mim, também mais tempo para cozinhar em casa, para a família, testar umas receitas. Principalmente a necessidade de cozinhar mais em casa pra economizar pra fazer aquela viagenzinha que vou passar o resto do ano pagando.
Recentemente eu estava vendo o seriado “uma questão de química”. (Recomendo bastante, aliás. Tem no streaming da maçã, que eu não vou citar abertamente porque eles não estão me pagando pra isso hihi, e é baseado em um livro que eu pretendo ler nas férias). De pano de fundo do seriado está também o impacto da ciência na cozinha, e como grande fã do tema achei que seria algo legal de explorar por aqui.
Nossa primeira aventura são molhos, porque é sobre isso que eu estava pesquisando recentemente — o que me parece um motivo tão bom quanto qualquer outro. Vamos começar nos molhando (hãn hãn) na física do que faz um molho ser mais ou menos consistente. Por que alguns molhos ficam mais transparentes do que outros, e por que maisena ajuda a engrossar as coisas?
Consistência e sabor
Embora o cartão de visita de um molho seja o seu sabor, a consistência nos marca mais do que parece. Não só pela textura agradável quando as coisas dão certo, mas porque é o que costuma dar problema quando as coisas dão errado — um gruminhos, um molho coagulado, etc. Uma das coisas mais legais que eu aprendi recentemente é justamente o que faz um molho ter mais ou menos consistência. É algo assustadoramente simples depois que a gente para pra pensar.
A maioria dos molhos é feita praticamente de água — o que não é uma surpresa, os próprios alimentos são feitos basicamente de água. A célula é um saquinho de água com umas gordurinhas em volta pra água não vazar e uma coisas boiando no meio que o pessoal da biologia se apega (mas se você contar pra um biólogo que eu falei isso, eu nego). A água é a chamada fase contínua, o ingrediente que molha (hãn hãn) todos os outros. As outras coisas que estão no meio dessa água, e que vão trazer o sabor e a textura, são a fase dispersa.
Ganhando consistência
Como a gente pode deixar esse molho mais “grosso”, ou consistente? Colocando mais coisas no meio do caminho pra atrapalhar o movimento da água, o que faz ela demorar mais pra escorrer de um lado pro outro. A maioria dos espessantes funciona como uma barreira física no caminho da água, dificultando o movimento das moléculas de H2O.
Uma molécula de água é relativamente pequena, só três atomozinhos em cada uma. Isso facilita o movimento delas umas por cima das outras, e por isso a água escorre com tanta facilidade.
As moléculas de óleo, por exemplo, são longas cadeias de uns 20 átomos cada, o que faz com que elas se raspem com facilidade e se movam mais devagar, e como resultado o óleo é mais viscoso que a água. Se você pegar água e colocar umas coisinhas sólidas no meio, ou moléculas longas e emaranhadas (o amido é um bom exemplo disso), gotículas de óleo ou mesmo bolhas de ar no meio do caminho, as moléculas de água não conseguem ir muito longe sem bater em uma coisa diferente. Assim a água escorre mais devagar e o molho fica mais “firme”.
Molhos de coisas esmagadas
Quando trituramos um alimento, como uma fruta, hortaliça ou até mesmo carne, os fluidos de dentro das células se espalham e pedacinhos sólidos dos tecidos do alimento ficam no meio do caminho. Esses pedacinhos atrapalham o movimento das moléculas de água, dando a consistência em um molho de tomate, por exemplo. A mistura de um fluido com coisas sólidas dispersas no meio é chamada pelo pessoal da química de uma suspensão.
É legal reparar que mesmo um pedaço minúsculo de uma célula de tomate ou de fibra muscular é feito de milhares de moléculas. Esses pedacinhos são grandes o bastante pra bloquear a passagem da luz, e por isso normalmente esses molhos são opacos. O cozimento ajuda o molho de tomate a engrossar, inclusive, porque evapora parte da água (a água vai embora e os pedacinhos ficam, o que deixa a parte sólida do molho mais concentrada e dificulta mais pra água que sobrou escorrer).
Coisas translúcidas que engrossam um molho: moléculas grandes
Ao invés de usar os próprios pedaços do alimento para engrossar o molho, é possível também usar moléculas “soltas” no meio do líquido para deixar o molho mais espesso.
O amido (de origem vegetal) e a gelatina (que é de origem animal) são exemplos disso, feitos de longas moléculas que se dispersam pelo líquido. Essas moléculas individuais são muito menores do que os fragmentos de alimento. Isso faz com que elas se distribuam pelo líquido com mais facilidade. Além disso, elas são pequenas e distantes o bastante umas das outras para não bloquear a passagem da luz, ajudando na transparência do molho.
Para engrossar algum molho com amido, por exemplo, você sempre começa colocando o amido em um líquido frio (pra deixar esse amido se soltar e se distribuir). Inicialmente as moléculas estão emaranhadas em uns grauzinhos, que atrapalham levemente a passagem da luz, e o líquido fica meio opaco.
Depois você aquece: no aquecimento, a temperatura agita as moléculas e os grãos de amido se quebram, soltando longas cadeias de moléculas que se emaranham, o que forma uma teia de aranha no meio do líquido. Isso vai dificultar o escoamento da água e deixar o molho mais grosso. O que também facilita a passagem da luz com as moléculas mais distribuídas, aumentando a transparência.
É por isso, também, que se você colocar direto maisena ou farinha em um molho quente elas empelotam: o amido cozinha e forma bolotas antes de se distribuir pelo líquido, formando quase que uns novelos de lã de amido ao invés de uma teia de aranha lá dentro.
Gotas e bolhas: as emulsões
Um terceiro jeito fascinante de conseguir molhos consistentes envolve misturar coisas que não querem se misturar.
Óleo e água, por exemplo, famosamente não se misturam de maneira homogênea e não se dissolvem um no outro. Se você colocar um pouco de água e um pouco de óleo num potinho e sacudir violentamente (com tampa, por favor) você até consegue fazer uma pequena porção de óleo se distribuir no meio de uma porção maior de água, e vai acabar com um líquido meio leitoso e mais viscoso.
Isso acontece porque pequenas gotinhas de óleo espalhadas pela água bloqueiam tanto a passagem da luz quanto o escoamento da água. Essa mistura de líquidos que não querem se manter misturados é chamada de emulsão. Uma maionese é um exemplo clássico, e podemos falar sobre a ciência da maionese em um post futuro se houver demanda popular (deixem comentários!).
O problema da emulsão do nosso experimento de sacudir um potinho é que as gotinhas de óleo logo se juntam. Daí você acaba com uma poça de óleo boiando em cima de um monte de água, como todo mundo que já estragou uma maionese descobriu de forma decepcionante.
Uma emulsão de sucesso precisa de um terceiro ingrediente: alguma substância que envolve as gotinhas de óleo e as impede de se reunirem novamente. Essas substâncias são chamadas de emulsificantes (muito criativo). Algumas proteínas e a gema de ovo são bons exemplos.
Um molho emulsionado começa com uma mistura de água e emulsificantes (como gema de ovo). Em seguida você vai acrescentando óleo aos poucos, quebrando ele em gotinhas menores conforme faz isso. O emulsificante entra em ação e envolve e estabiliza essas gotas antes de elas se juntarem.
Bolhas de ar podem ter um papel parecido com as gotinhas de óleo, obstruindo o movimento. São essas bolhas, por exemplo, que dão a estrutura da espuma da cerveja por exemplo, atrapalhando o escoamento da água.