Como hoje é Halloween, gostaria de fazer algo diferente e falar sobre o lado negro da Física. Poucos sabem, mas a física também possui seu lado mais obscuro, mais macabro. Hoje vamos falar sobre os Os fantasmas de Faddeev-Popov.

Esse assunto certamente não é um dos mais simples de se explicar e se entender, mas eu sei que ainda existem bravos leitores (provavelmente 3) que tomam textos mais complicados como desafio e só sossegam quando entendem… Ok, esse texto certamente é pra você.

Portanto, apaguem as luzes, acendam suas velinhas pretas e escutem uma das seguintes músicas (tem pra todos os gostos):

Os Fantasmas de Faddeev-Popov são a conclusão do que os físicos chamam de processo de quantização. Então esse é o nosso ponto de partida.

Um pouquinho de mecânica quântica

 

A essa altura acredito que você já ouviu falar da dualidade onda-partícula, do experimento da dupla fenda e etc. Caso ainda não saiba o que é isso, dê uma olhadinha nas referências abaixo, incluindo um ótimo episódio do SciCast (olha o jabá direção, funcionário do mês). Enfim, vamos partir daqui.

Vamos reformular um pouco algumas dessas noções com base no que você já sabe. Digamos que você tem um elétron (ou qualquer outra partícula) saindo do ponto S (de source) e chegando até o ponto O (de observador)

No dia a dia, diz-se classicamente, tudo que você precisa saber sobre essa partícula está resumido nessa figura. Mas caso você queira estudar propriedades quânticas dessa partícula saindo de S e chegando a O, essa figura é insuficiente.

Suponha agora que você coloque uma placa com dois furinhos A1 e A2 entre o ponto S e O. Caso você seja uma pessoa aplicada e tenha escutado o scicast #152, já sabe o que vai acontecer: o elétron vai se comportar como se passasse pelos dois pontos antes de chegar ao ponto O.

Como estamos com muita disposição, vamos adicionar mais um buraquinho A3 e uma segunda placa com mais quatro furinhos B1, B2, B3 e B4. Novamente o elétron se comportará como se passasse por todos os quatro furinhos antes de chegar ao ponto O.

Você pode ir adicionando mais e mais furinhos e mais e mais placas, o resultado será sempre o mesmo: O elétron se comporta como se passasse por todos os furinhos.

Nesse ponto, chegamos ao momento Zen Budista (créditos ao Zee pela brincadeira) ou Chaves da física:

“O que aconteceria se a gente adicionasse muitissississimas placas, mas com muitissississimos furinhos, tantos furinhos, mas tantos furinhos que a gente nem perceberia que as placas existem?”

Sim! Ainda assim os elétrons passariam por todos os furinhos imaginários. Então isso nos leva a uma conclusão: Os elétrons passam por todos os caminhos possíveis que ligam o ponto S ao ponto O. Deu pra sacar?

Novamente o leitor mais atento, vamos chamá-lo de Sr. Sabe-Tudo, diz:

Ora, mas eu já sabia disso, elétrons satisfazem a dualidade onda-partícula, logo, quando você diz que ele anda por todos os caminhos, está simplesmente dizendo que elétrons se comportam como ondas… dhãn!!

Isso é essencialmente verdadeiro, mas um pouco mais sutil: nada nos impede de argumentar que a mecânica quântica é tão esquisita que os elétrons, enquanto partículas, também seguem todos os caminhos disponíveis. Essa é em palavras, e de modo bem simplificado, a ideia da formulação da mecânica quântica por integrais de trajetória de Richard Feynman, que além de rockstar, também era físico.

O resumo da ópera:

Para se estudar mecânica quântica, temos primeiro que somar todas as trajetórias que são fisicamente possíveis para o elétron seguir”.

Físicos decidiram que deveriam reescrever essa frase de um modo mais bonitinho, mas que significasse a mesma coisa. Acredite, boa parte da física consiste em reescrever coisas conhecidas de novas maneiras. A primeira tentativa é:

“Para se estudar mecânica quântica, temos que somar todas as trajetórias acessíveis ao sistema”

A palavra chave substituída foi o “Sistema”, que no nosso caso seria o elétron, mas escrito desse modo vemos que não estamos confinados apenas a esse exemplo. Além disso, “trajetórias acessíveis” esta substituindo o termo “trajetórias fisicamente possíveis”,  ou seja, aqueles caminhos que não violam as leis da física: Tipo você atirar uma pedra pra frente e ela dá duas piruetas pra trás, parar, fazer a curva e acertar sua nuca: isso é evidentemente uma trajetória não física, ou generalizando, um “estado inacessível ao sistema”. Essa trajetória (ou estado) pode até ser matematicamente possível, mas não acontece no mundo real. Sacou? Em outras palavras, as trajetórias (estados) quânticos são apenas um subconjunto de todos os estados matematicamente possíveis.

Ainda insatisfeitos, físicos decidiram que o termo “Estudar Mecânica Quântica” é muito pobre, e que a frase poderia ser melhor: “Quantizar” é a  cereja do bolo.

“Para se quantizar, temos que somar todas as trajetórias acessíveis ao sistema”

— “Putz, isso ficou da hora!”

Observe uma sutileza, eu usei a palavra ESTADO e TRAJETÓRIA de modo um pouco semelhante. Evidentemente isso não está muito preciso no jargão da física, mas não se preocupe, gostaria que você percebesse que trajetória nesse contexto não significa apenas um caminho que a partícula segue, mas, todas as características físicas que essas partículas podem assumir.

 

Fantasmas de Faddeev-Popov

Até agora falei apenas de um sistema físico muito ‘facin’, que são elétrons saindo de um ponto e chegando em outro, mas algumas coisas estranhas começam a acontecer em sistemas físicos mais complexos, como nas teorias de gauge, que são as teorias que descrevem as partículas elementares.

Ok, mas qual é o problema?

Acontece o seguinte, no exemplo anterior do elétron, cada uma das diferentes trajetórias são necessariamente DIFERENTES TRAJETÓRIAS. Veja na seguinte figura novamente

A trajetória que sai de S, passa por A1, depois B1 depois O, é necessariamente (e obviamente) diferente da trajetória S-A1-B2-O que é deferente de qualquer outra configuração que você tome com combinações diferentes desses pontos.

Acontece que em teorias de gauge, existem certas trajetórias (ou estados) que parecem ser muito diferentes, mas no final, são as mesmas coisas.

NOTA: A palavra Gauge significa exatamente isso: o substantivo Calibre ou o verbo Calibrar. Esse nome não foi uma escolha aleatória, ele significa que algumas vezes, temos dois estados que são aparentemente diferentes, mas aí, damos uma ‘calibrada’ nesses estados e vemos que eles são os mesmos. Essa ‘calibrada’ é chamada transformação de calibre ou transformação de gauge.

Um exemplo bobinho de uma transformação de gauge: caso você esteja de frente para um amigo, seguir um caminho a sua direita é seguir o caminho da esquerda do seu amigo. Depois que um dos dois fica de costas um pro outro, ambos concordarão no que seria seguir o caminho da direita ou esquerda. Ficar de costas, ou rotacionar, é uma “transformação de gauge”.

Mas veja como o problema da quantização ficou um pouquinho mais complicado: Agora temos que determinar todos os estados acessíveis ao sistemas e além disso temos que retirar todos os estados redundantes. Tipo completar um album, só precisamos de uma figurinha pra cada espacinho, as figurinhas repetidas não são de grande ajuda.

Logo, o processo de quantização é agora

“Para se quantizar, temos que somar todas as trajetórias acessíveis ao sistema e retirar todos os estados redundantes”

Voltemos novamente para as trajetórias. Mas agora suponha que cada uma dessas diferentes trajetórias é uma bolinha de uma cor numa caixinha

As bolinhas repetidas são evidentemente redundantes, logo, só precisamos pegar uma bolinha de cada uma dessas caixinhas, e essa escolha é feita por essa linha pontilhada cruzando todas as caixas.

Agora, como temos essas transformações de gauge, temos diversos conjuntos de trajetórias equivalentes

Ok, tudo parece sob controle, qual o problema então?

O problema é que a escolha dessa linha pontilhada na figura acima é em geral um problema matemático complicado e muitíssimo sutil. Então qual a alternativa?

Uma alternativa encontrada por Ludvig Faddeev e Victor Popov foi a de substituir todas as bolinhas, exceto uma, de cada caixa por alguma outra configuração física espúria. Como assim? Usando a figura acima, Faddeed-Popov fizeram o seguinte

E agora, nenhuma linha cruzando apenas uma bolinha é necessária já que só existe uma bolinha de cada cor. Por outro lado, tem um problema gigante: as bolinhas cinzas são chatas.

Mas antes de trabalhar com as bolinhas cinzas: que diabos significam essas bolinhas coloridas? Lembra-se do meu comentário que falei sobre o uso sem distinção que eu fiz das palavras trajetória e estado? Pois bem, cada uma dessas bolinhas coloridas são essencialmente um estado dos campos de gauge. E o que são campos de gauge? São os objetos físicos que usamos pra descrever as interações fundamentais da natureza, tipo fótons, glúons, bosons W e Z. Você quer saber se os gravitons também são campos de gauge?!? Isso é assunto pra um outro texto.

E as bolinhas cinzas? Bom, esses são os Fantasmas de Faddeev-Popov, que receberam esse nome em homenagem aos físicos de estudaram essas configurações pela primeira vez.

Ok ok. Você já sabe que as bolinhas coloridas são objetos físicos, glúons fótons e etc. Mas você também sabe que não podemos simplesmente substituir um problema físico complicado por outro mais fácil sem ter algo que compense a complicação. A dificuldade deve aparecer em algum outro canto, afinal:

“Na física as dificuldades são conservadas”

E é exatamente por causa dessa ‘dificuldade’ que essas novas bolinhas cinzas são chamadas de Fantasmas. São objetos que se parecem muito com partículas reais, mas não existem na natureza, são apenas artefatos matemáticos.

Uma dessas complicações é que esses fantasmas são bósons mas se comportam como férmions ou vice versa; lembra do que esses termos significam? Justamente por esse comportamento bizarro que eles não são objetos reais, apenas fingem ser.

Esses campos Fantasmas são chamados de “fantasmas do bem” (isso é sério), isso porque ainda existem campos fantasmas muito mais complicados e muito mais danosos. Mas isso é um assunto pra outro texto… talvez no próximo Halloween.

E essa, crianças, é a história dos Fantasmas de Faddeev-Popov…

Algumas referências:

  1. Experimento da dupla fenda: NOVA
  2. Scicast #152: Física Quântica
  3. Scicast #165: Fisica Quantica II
  4. Quantum field theory in a nutshell de Anthony Zee
  5. Zoologia das partículas elementares