Você já usou ou conhece um fidget toy? Os famosos brinquedos que prometem combater estresse, ansiedade e melhorar a concentração são bem mais antigos e populares do que se imagina! Hoje vamos entender quais as propriedades prometidas por esses apetrechos e se há algum fundamento nisso.

Entendendo a modinha

Os brinquedos para inquietação, tradução literal do termo fidget toys, surgiram no mercado com supostas propriedades antiestresse, por ser uma ocupação às mãos inquietas de seus usuários.

Mas, apesar da definição genérica, e de contar com modelos completamente diferentes entre si, os itens sob o guarda-chuva dos fidget toys compartilham algumas semelhanças voltadas às suas propriedades sensoriais: cores vibrantes, diferentes texturas, ruídos de uso e estímulo a movimentos repetitivos.

O mais curioso é que alguns desses brinquedos foram invenções pensadas para fins diferentes da comercialização do brincar. Por exemplo, o cubo mágico foi criação de um professor de arquitetura para ilustrar o conceito de 3D, passando a ser comercializado como brinquedo na década seguinte; já o spinner surgiu ainda nos anos 90 como meio de uma mãe interagir com a filha que possuía uma doença muscular degenerativa.

Talvez a história mais pitoresca de surgimento e popularização é a do pop-it, invenção do mesmo casal de criadores do jogo Cara a cara. Após o falecimento de uma familiar por câncer de mama, imaginaram um objeto parecido com um tapete cheio de mamilos que poderiam ser empurrado de um lado para outro. 70 anos depois o negócio viralizou após um vídeo de um macaco-prego brincando com o pop-it viralizar no Tik tok.

Indústria de foco

Quando se trata de brinquedos, as febres do momento vão e vêm em uma velocidade assustadora. Centena de cacarecos se popularizam, somem e reaparecem alguns anos depois com uma nova roupagem ou proposta. Mas no caso dos fidget toys, algo chama a atenção: desde seu início eles são vendidos como ferramentas para estimular a concentração e o foco ao mesmo tempo em que seriam capazes de reduzir o estresse e a ansiedade.

Essas supostas propriedades terapêuticas do brinquedo teriam como pressuposto a ideia de que alguém inquieto se beneficiaria de um estímulo neutro que ocupasse suas mãos durante alguma tarefa que exigisse concentração. Algo parecido com pessoas que giram uma caneta durante alguma reunião.

A estrapolação da ideia é fruto de uma enorme colcha de retalhos formada por pesquisas sobre comportamentos estereotipados de pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) como forma de autorregulação emocional e ferramenta auxiliar na concentração.

Logicamente, com uma proposta dessas você consegue fisgar o público adulto e, com um design atrativo, também conquista as crianças. É o melhor dos dois mundos para a indústria, mas e para nós?

Independente de sermos neurotípicos ou neuroatípicos, uma coisa é certa: a concentração não é um problema recente para a humanidade. As distrações existem desde que o mundo é mundo, afinal temos 5 sentidos que nos conectam a um ambiente extremamente atrativo e repleto de estímulos visuais, táteis, olfativos, gustativos e auditivos!

Pensando assim fica mais fácil perceber como temos que realizar um esforço absurdo para concentrar nossa atenção e órgãos dos sentidos a uma única tarefa por vez enquanto a vida acontece. Por exemplo, ouço barulhos de carros, conversas, pássaros e sinto cheiro de alguém assando um bolo no momento em que olho a tela do computador e meus dedos teclam escrevendo esse texto.

Como se não bastasse o desafio natural à nossa concentração, ainda temos uma série de distratores artificiais que foram mudando ao longo do tempo: o livro já foi culpado de distrair as pessoas do pensamento, a TV de impedir os estudos e a internet de tornar toda e qualquer tarefa mil vezes mais demorada de executar!

E aqui chegamos a um dilema: estamos cada vez mais expostos a estímulos que nos distraem enquanto nos cobram cada vez mais concentração, foco, produtividade e controle emocional. Se isso tudo já é difícil para um adulto, imagina para uma criança?

Pedidos impossíveis e suas consequências

Antes que vocês comecem a pensar que vida boa era na infância e que criança não precisa se preocupar com nada, lembrem-se: estar nessa fase hoje em dia é completamente diferente do que no início dos anos 2000 [e aqui estou sendo boazinha porque as diferenças geracionais se amplificaram bem antes].

Se anteriormente esse cenário descrito era verdadeiro, hoje já não corresponde à realidade, e crianças sofrem tanta ou até mais pressão que os adultos em determinados contextos. Se você duvida, dê um pulinho nos grupos de mães/pais que existem por aí e olhe a dezena de anúncios que aparecerá nos seus feeds.

Falar de maneira articulada logo cedo, aprender a ler antes de entrar na escolinha, saber os números em inglês sem nem ter sido alfabetizado em português, praticar esportes ou alguma atividade artística, ter um rendimento escolar excelente, saber expressar assertivamente suas emoções e ainda ser uma criança instagramável [ou engraçadinha para o Tik tok] são algumas das exigências que os pequenos lidam ainda na primeira infância.

Com tantas obrigações e metas para cumprir, onde está o tempo para o lúdico, o brincar despreocupado, de convivência com os coleguinhas, para a experiência com o foco no presente e não apenas na função educativa desta? São por meio dessas ferramentas que as crianças se desenvolvem aprendendo a distinguir, comunicar e autorregular suas reações emocionais.

Em um cenário onde não há espaço para isso, não é de se estranhar que as crianças estejam apresentando sintomas de estresse e ansiedade cada vez mais cedo, afinal tem enfrentado desafios maiores em contextos que oportunizam menos condições de aprendizado e desenvolvimento socio-emocional.

Tapando o sol com a peneira

Mas o que isso tem a ver com fidget toys? Absolutamente tudo! Em vez de interferirmos nesses contextos altamente ansiogênicos e perfeccionistas, ou seja, mudar as causas, lá vamos nós mitigar as consequências.

Nessa tentativa de solução rápida e simples para um problema complexo de longo prazo vão sendo apresentados os caminhos milagrosos para o foco, nem sempre [ou quase nunca] com comprovação científica de efetividade.

E isso tem um motivo! Nós buscamos a economia de esforço, então tentamos primeiro os modos mais simples de se solucionar algo. Aqui é a mesma coisa, usamos brinquedos, técnicas de estudos, aplicativos e uma série de outras coisas na tentativa de reduzir a ansiedade e aumentar o foco porque o paliativo dá certo [temporariamente].

Enquanto não mudamos o contexto gerador do problema, não tem solução que se sustente por muito tempo, principalmente quando as evidências de sua efetividade tem origem anedótica.

Pesquisas realizadas por Barton e colaboradores, assim como Schecter e equipe mostraram efeitos contra-terapêuticos no uso de fidget toys para aumento do engajamento de crianças neuroatípicas em atividades grupais. O que acontecia era que os pequenos ficavam concentrados em brincar com o novo apetrecho e ignoravam o grupo. Efeito parecido foi notado nas escolas dos EUA, onde o uso de fidget spinners em sala de aula foi proibido por distrair os colegas de classe.

Existem também questões de saúde física envolvidas. Pediatras alertam há algum tempo sobre o risco de asfixia e intoxicação desses brinquedos, podendo ter partes soltas possíveis de ser engolidas, tendo em vista que muitos desses objetos são produzidos e vendidos sem certificação de órgãos como o Inmetro. Outro ponto importante diz respeito aos movimentos repetitivos induzidos, que podem provocar lesões em caso de muitas horas seguidas na brincadeira.

Não há problema algum de gostar desses apetrechos! Muitos deles são bem engenhosos e criativos, te prendendo por longos minutos naquele mundo de puzzles coloridos. Porém, é isso o que eles são: brinquedos e não soluções mágicas para te deixar mais inteligente, focado ou produtivo.

 

REFERÊNCIAS

Allen, A. P., & Smith, A. P. (2011). A review of the evidence that chewing gum afects stress, alertness and cognition. Journal of Behavioral and Neuroscience Research, 9, 1, 7–23. 2.

Foss-Feig, J. H., Tadin, D., Schauder, K. B., & Cascio, C. J. (2013). A substantial and unexpected enhancement of motion perception in autism. Journal of Neuroscience, 33(19), 8243-8249. 3.

Stalvey, S. and Brasell, H. (2006). Using Stress Balls to Focus the Attention of Sixth-Grade Learners. Journal of At-Risk Issues, 12, 2, 7-16.

Ledford, J. R., Zimmerman, K. N., Severini, K. E., Gast, H. A., Osborne, K., & Harbin, E. R. (2020). Brief Report: Evaluation of the Noncontingent Provision of Fidget Toys During Group Activities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities, 35(2), 101–107. doi:10.1177/1088357620902501

Schecter, R. A., Shah, J., Fruitman, K., & Milanaik, R. L. (2017). Fidget spinners. Current Opinion in Pediatrics, 29(5), 616–618. doi:10.1097/mop.0000000000000523