A sociedade não está pronta para ficar velha. Filmes, propagandas, seriados, a promoção da saúde e a possibilidade de uma tecnologia que traga uma vida ainda mais longa nos ensinam sobre o presente, a negação da velhice e a possibilidade de driblar a morte. Neste primeiro texto da semana temática sobre envelhecimento, vamos falar da representação social de “ser velho”.

As representações sociais são conhecimentos compartilhados por grupos sociais que usamos para entender melhor o mundo à nossa volta. São teorias do senso comum, são um saber prático produzido pelas interações sociais no que diz respeito aos assuntos do cotidiano[3].

Isso significa que algumas coisas que entendemos como “naturais” – como se sempre tivessem sido como são – na verdade, são construções sociais que variam de acordo com determinada sociedade inserida em determinado lugar e em um determinado tempo. Um exemplo é essa ideia de que envelhecer é ruim.

Essa ideia é martelada nas nossas cabeças diariamente. Não sei quantos anos você, leitora ou leitor, tem, mas, em algum momento, deve ter presenciado uma conversa entre amigos ou tios que sacaneiam a careca um do outro, ou aquelas tias que comentam que não acham mais a cor da tinta de cabelo, ou o próprio susto ao ver no espelho o primeiro fio branco de cabelo aparecer. Não? Ainda não?

Ah, mas, certamente já viu algum artigo a respeito de pesquisas para deter o envelhecimento. Não? O site de onde tirei a imagem da capa é um exemplo. Mas posso citar também todas as propagandas de famílias felizes que não incluem pessoas idosas ou a enxurrada de propagandas de produtos para disfarçar os sinais do tempo.

(Um parênteses rápido aqui para colocar o quanto essa máquina de moer gente que são algumas representações sociais são mais duras com as mulheres do que com os homens (como tudo, aliás). Um homem grisalho é charmoso, enquanto uma mulher grisalha é velha e descuidada.)

Ou ainda deve ter visto o melhor episódio de Black Mirror, San Junipero, entre outros, que traz a possibilidade de tecnologias que resultem em uma vida jovem e eterna.

Tudo isso reforça a representação social de que envelhecer é algo ruim, algo a ser evitado a todo custo.

Mas por que isso?

A promoção da saúde permitiu que a população envelhecesse como nunca antes. Só para você ter uma ideia, o idoso só começou a ser entendido como um cidadão que precisa de cuidados específicos na década de 1990! Ontem no relógio histórico!

Ao longo da década de 1990, foram regulamentados diversos dispositivos constitucionais referentes às políticas setoriais de proteção aos idosos. Entre eles destacam-se: em 1991, a aprovação dos Planos de Custeio e de Benefícios da Previdência Social; em 1993, a regulamentação dos princípios constitucionais referentes à assistência social, com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (BRASIL, 1993). Essa lei estabeleceu programas e projetos de atenção ao idoso, em corresponsabilidade nas três esferas de governo, e regulamentou a concessão do benefício de prestação continuada2. Dando prosseguimento às diretrizes lançadas pela Constituição e fortemente influenciadas pelo avanço dos debates internacionais sobre a questão do envelhecimento, foi aprovada em 1994, pela lei 8.842, a Política Nacional do Idoso (PNI) (Lei 8.842). Foi criado, também, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), implementado apenas em 2002. Após vinte anos de luta e sete anos de tramitação no Congresso Nacional, em 2003, foi sancionado o Estatuto do Idoso[1] .

A estimativa baseada em dados parciais do IBGE era de que, em 1900, a expectativa de vida era de 33 anos!!!

expectativa de vida de 1900 a 2100

Não dava tempo nem de ter cabelo branco direito, gente! Que dirá ruga! Brincadeiras a parte, o envelhecimento acontecia, mas não com a melhoria na qualidade de vida que o século XX trouxe. Então, essa construção de que é ruim envelhecer vem como consequência de que não sabemos exatamente como envelhecer bem… porque antes não envelhecíamos com qualidade.

Charge. Fila de idosos para sentar no banco do parque e jogar pipoca para os pombos

E se a previsão de que a população idosa (>60 anos) no Brasil será de 30 milhões em 2025 (sexto no mundo em percentual de pessoas idosas) [1] estiver certa, teremos muitas pessoas infelizes e frustradas se não começarmos a pensar e discutir o assunto.

 

Ao não entrar em contato com as dimensões constituintes da existência humana, envelhecimento e morte se colocam como interditos ao pensar e à construção de si. Dessa forma, o homem fica imerso em um presente eterno, com o horizonte da morte cada vez mais longínquo[2].

O constante discurso do horror do envelhecimento e do superinvestimento no corpo jovem e saudável (Correa, 2011) [2] impede as pessoas de construir uma identidade positiva como sujeitos velhos exatamente porque existe uma demanda social de manutenção desses corpos saudáveis, funcionais e rentáveis ao sistema econômico (Birman, 2006) [2]. Enquanto o sujeito for produtivo, ele não envelhece. Você já ouviu isso? Na minha família, meus dois avós definharam rapidamente depois de se aposentarem. Uma pesquisa feita com idosos sobre como eles se enxergam mostra que, entre homens, a falta de produtividade é uma das coisas que caracterizam o envelhecimento[3].

Mas será que a relação aqui é de consequência mesmo? Ou será que isso ocorre porque não criamos espaços (físicos e representativos) para que o idoso se sinta inserido na sociedade? Uma pessoa que antes interagia com pessoas diferentes e se sentia pertencente de uma comunidade, do dia para a noite passa a não ter para onde ir e se isola em casa. Aquela mesma pesquisa aponta que uma apreensão constante quando se pensa em envelhecer é o abandono[3].

Então, envelhecer hoje é realmente visto como algo ruim, mas não precisa continuar assim. Já existem adaptações práticas da nossa realidade para uma sociedade que está ficando mais velha, como implementação de sensores para que idosos tenham mais tempo para atravessar a rua. Já existem algumas personagens femininas com amantes mais jovens tentando quebrar barreiras e diria até que já há uma tentativa de inclusão em algumas propagandas.

Tudo isso são primeiros passos para tentarmos mudar essa representação social. Para isso, precisamos fazer as pazes com a nossa finitude, entender que envelhecer faz parte do processo da vida e que não implica isolamento ou não-produtividade.

Precisamos inserir as pessoas mais velhas na sociedade, precisamos representa-las na TV com um lugar social positivo, não só nas propagandas de natal no final do ano. É um trabalho de formiguinha, mas seria legal começarmos a pensar que também estaremos nesse lugar daqui a pouco (é sempre pouco, por mais jovem que sejamos).

Que tal pensarmos em como fazer isso? Deixe aí sei comentário!


[1] BULA, L.C; TSURUZONO, E.R. da S. Envelhecimento, Família e Políticas Sociais. Revista de Políticas Públicas, 2010,14 (Jan-jun)

[2] CORREA, M.R. & HASHIMOTO, F. Finitude, envelhecimento e subjetividade. Revista Temática Kairós Gerontologia,15(4), 2012 (agosto)  pp.85-99.

[3] VELOZ, M. C. T., NASCIMENTO-SCHULZE, C. M., & CAMARGO, B. V. (1999). Representações sociais do envelhecimento. Psicologia Reflexão e Crítica, 12(2), 479-501.

E ainda temos um Scicast sobre envelhecimento populacional!