O corpo é uma máquina. Uma intrincada rede de conexões, dobradiças, suportes e fibras capazes de movimentos explosivos, fortes, e também minuciosos e delicados.

Quando observamos outros animais, podemos admirar como seus corpos são perfeitamente adaptados para suas atividades diárias nos ambientes em que vivem. Como uma coruja é capaz de voar cortando o ar sem produzir som e agarrar sua presa. Ou um guepardo, que consegue correr e fazer curvas de maneira extremamente rápida. E como macacos utilizam sua cauda e membros para pular, aparentemente sem esforço, pelas copas das árvores.

No entanto, há algum tempo, os humanos deixaram de viver nos ambientes e realizar as atividades para os quais seus corpos estavam originalmente adaptados. Milhares de anos de evolução e uma variedade de estilos de vida e ambientes moldaram o corpo humano como o conhecemos hoje. Em pouco tempo, nosso estilo de vida e nossas atividades mudaram drasticamente, enquanto o corpo continua praticamente o mesmo.

Embora para a maioria de nós não seja mais necessário usar todo o potencial de movimentação para a sobrevivência, ainda podemos explorar e admirar esse potencial de maneira segura e saudável por meio dos esportes.

Quando pensamos em esportes, uma pergunta surge: qual é a atividade de movimentação perfeita para o corpo humano? Em outras palavras, para o que o nosso corpo foi projetado?

Essa questão tem sido bastante estudada. Uma das conclusões mais fascinantes é que somos feitos para correr. Diversos autores discutem essa ideia. Algumas adaptações do corpo humano são evidências fortes, como a estrutura dos pés e os glúteos avantajados, que parecem ter evoluído para fornecer suporte e resistência para percorrer longas distâncias. Esse potencial pode ter favorecido a sobrevivência de tribos que praticavam “caçadas de persistência”, nas quais a presa era perseguida até a exaustão.

Imagem 1: Homens de um povoado no deserto do Kalahari perseguem a caça por dias.

Outros estudos indicam que o corpo humano é excelente para escalar. Isso não é surpreendente, considerando que nossos ancestrais primatas passavam boa parte do tempo escalando árvores.

Apesar disso, estudos sobre os pés de nossos ancestrais, como o Australopithecus afarensis, mostram uma estrutura muito rígida, possivelmente adaptada para a caminhada, com perda de flexibilidade necessária para escalar. No entanto, uma pesquisa com populações humanas modernas que escalam árvores regularmente, como os Twa de Uganda, revelou que essa rigidez pode ser compensada por fibras musculares mais longas na panturrilha, uma adaptação desenvolvida pela prática do movimento, e não genética. Isso permite uma maior flexibilidade dos tornozelos, semelhante à dos chimpanzés, essencial para uma escalada segura e eficiente. Assim, mesmo com tornozelos rígidos, os humanos podem ser excelentes escaladores.

Imagem 2: Um escalador Twa flexiona seus tornozelos e escala um tronco de árvore.

Voltando ao contexto dos esportes, a escalada é uma modalidade que trabalha diversos conjuntos musculares, flexibilidade, equilíbrio, resistência, reflexo e resolução de problemas.

 

Mulheres na Escalada

Imagem 3: “It goes, boys!” – Lynn Hill, ao ser a primeira pessoa a escalar “free solo” (sem ajuda de equipamentos – ou seja, doidos) a rota “The Nose” do “El Capitan”. O feito foi em 1992, e ela foi considerada por muitos a melhor escaladora (homem ou mulher) do mundo.

Imagem 4: Janja Garnbret é campeã da escalada olímpica e sua performance é inacreditável.

Na escalada em rocha e em competições de escalada, mulheres frequentemente apresentam uma performance superior à dos homens, algo raro de se observar em esportes convencionais.

Mulheres escalam vias extremamente difíceis, com algumas alcançando níveis que poucos homens conseguiram. Enquanto na escalada, mulheres costumam figurar entre os 30 a 100 melhores atletas, em outros esportes, como atletismo e natação, não há mulheres entre os 2000 melhores tempos.

Como a escalada parece ter sido crucial para a sobrevivência de nossos antecessores, para evitar predadores e acessar recursos, a seleção natural favoreceu características físicas independentemente do sexo.

O estudo aponta algumas características prevalentes em mulheres que podem conferir uma vantagem na escalada:

  • Massa óssea menor: Resulta em um peso corporal total mais baixo, facilitando a ascensão e a manutenção de posições difíceis.
  • Maior flexibilidade: Amplitude de movimento nas articulações, ajudando escaladoras a alcançar e manter posições complexas.
  • Maior resistência muscular: Capacidade de manter contrações musculares por períodos mais longos sem se fatigarem. Isso é crucial na escalada, onde resistência e a capacidade de sustentar posições por longos períodos são essenciais.

Na escalada, flexibilidade e resistência são geralmente mais importantes do que explosões de força.

A escalada esportiva foi uma das modalidades estreantes na última edição dos Jogos Olímpicos em Tóquio e estará presente nos Jogos que estão iniciando em Paris. Acredito ser uma das modalidades mais interessantes de  acompanhar. Especialmente, a performance das escaladoras é um espetáculo de habilidade, força e resistência. Não apenas demonstram um domínio técnico impressionante, mas também trazem uma abordagem única e inspiradora para o esporte, destacando as qualidades que fazem a escalada tão fascinante.

Imagem 5: Miho Nonaka, medalhista de prata nos jogos de Tóquio, é minha atleta queridinha de acompanhar.

 

Referências:

McDougall, C. (2011). Born to run. Vintage Books.

Carroll C. Female excellence in rock climbing likely has an evolutionary origin. Curr Res Physiol. 2021 Feb 6;4:39-46.

Venkataraman, Vivek & Kraft, Thomas & Dominy, Nathaniel. (2012). Tree climbing and human evolution. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America.