Olá, vamos falar do mês do orgulho LGBTQIA+ (a. k. a. pride month)?
Não, eu não vou falar de pessoas históricas dessa comunidade. Não vou falar o quanto vocês devem ser gratos a Alan Turing, da Vinci ou Santos Dumont. Nesse texto busco dividir com vocês algumas reflexões e gatilhos que esse mês me trouxe quanto acadêmique e como membra do Portal.
Vocês sabiam que eu detesto isso? É verdade. Detesto! Um mês para eu ver inúmeras propagandas sobre “respeito ao amor de todas as formas” (detesto!), enquanto nos outros meses, ou mesmo no mês em si, vemos inúmeras demonstrações do quanto identidades LGBTQIA+ não importam.
Mas esse texto não tem foco em destilar ódio pelus odiadores de nossa insistente existência. O foco aqui é falar de LGBTQIA+ na academia e afins.
Eu queria fazer mais textos para esse mês, mas tem sidos tempos complicados. O que me deu esse estalo foi essa pesquisa aqui, é uma pesquisa sobre a vivência de pessoas LGBTQIA+ na academia. Essa pesquisa me deu um gatilho bem sério, talvez atrelado a eu estar passando por um período depressivo, mas o gatilho foi real: Eu percebi que eu só estou onde estou hoje na carreira acadêmica por ser muito teimose, mas muito mesmo, era como me ver levando na cara e virando de novo para levar de novo (o gatilho foi bem visual).
Esses fatos me levaram a me questionar se havia mais pessoas da sigla no Deviante. No nosso regimento, feito com base no censo do projeto de 2020, é dado que apenas 1% do portal está fora da cisgeneridade (nossa carta de valores é pública), até onde sei, eu sou esse 1%. Perguntei no nosso grupo comum se mais alguém era da comunidade e descobri dois B num grupo de 50 pessoas, embora sejamos mais de 100 pessoas no projeto (nem todos estão no grupo). É nesse momento que eu queria ter dados para comparar, mas não encontrei nada atual ou que englobasse a sigla como um todo. Os poucos dados que obtive são relacionados diretamente a orientação sexual, e a comunidade é mais que isso.
Chega a ser engraçado o quanto nosso número é reduzido, pois, na minha vivência, a universidade é libertadora de tantas formas. Isso é algo que compartilho com amigues LGBTQIA+ que estão ou já passaram por universidades: nos foi e é libertador. Não obstante, em todo o meu instituto, creio eu, só se tem um professor da comunidade, mesmo assim, ele é um homem cis, gay e branco que veio do sudeste.
Foda é que parece se esforçar para não ser inclusiva. Eu participei do CMQM 2021. Apesar deste ser um congresso sobre matéria condensada, como ele foi organizado junto a IOP (Institute of Physics – Instituto de Física), tivemos palestras para expor as ações que essa entidade tem feito na Inglaterra para trazer integração dos cursos de física às minorias. Isso é fantástico, gente! Ainda mais para mim, que moro no Brasil.
Eu ainda lembro quando eu soube de uma doutora trans, Viviam Miranda, era 2019. Ela é a única trans que eu tenho notícias da minha área. Ela é cosmóloga, formada em física na UFRJ. Eu fiquei tão feliz, tão eufórique!
É um sentimento bem difícil de descrever, mas era intenso.
Ela conseguiu, sabe?! Ela chegou lá! E, porra, ela é notícia! Caralho que foda! Foda de verdade.
Felizmente, hoje, ela não é a única trans doutora, temos Lucy também, que está na minha cidade e participou do “café com que” dessa semana. Vejam
Lucy é doutora em paleontologia e trabalha no Musa (Museu da Amazônia), aqui em Manaus. Recentemente organizou, até onde tenho notícia, a primeira exposição paleontológica do museu. Além disso, ela tem um canal no Youtube, o MakeScienceBR (recomendo muito), onde ela fala sobre ciência, filosofia da ciência, direitos LGBTQIA+ e mais, junto ao seus marido, Allen. O mais curioso de eu ter descoberto a Lucy é que ela trabalha no Musa junto àquele que, talvez, seja o professor mais fantástico que já encontrei e por quem mantenho imensa estima, Ennio Candotti. Ele foi meu professor do primeiro ano da faculdade e uma inspiração fantástica para eu continuar trilhando o caminho acadêmico.
Apesar da felicidade de saber da existência dessas duas pessoas e continuar vendo seus trabalhos, eu quero mais. Quero mais pessoas como nós trilhando esse caminho, conseguindo chegar lá.
Mas sabe o que é pior? Tiram-nos mais que oportunidades, nos tiram a vida e nos tiram cedo. O print abaixo me chegou na manhã do dia 26 de junho de 2021:
A Expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), é de 35 anos, menos da metade da de um brasileiro médio, 76 anos.
Eu, honestamente, queria terminar esse texto mais para cima, mas não dá. A vida de pessoas da comunidade não é só tristeza, temos alegrias, dias bons, ótimas conversas e muito mais, mas, de um olhar estatístico, estamos fodides e isso foi um eufemismo.
Além dos links, também utilizei as referências abaixo:
SANTOS, Jailson. A condição de ser LGBT e a Permanência na Universidade: o caso de estudantes do Curso de Pedagogia – Educação do Campo. In: IV Colóquio Internacional de Pesquisas em Educação Superior (COIPESU): Os desafios da Graduação e Pós-graduação em tempos de Crise, 2017, João Pessoa. IV Colóquio Internacional de Pesquisas em Educação Superior (COIPESU): Os desafios da Graduação e Pós-graduação em tempos de Crise”, 2017.
https://super.abril.com.br/ciencia/6-cientistas-lgbtq-que-estao-transformando-a-ciencia-moderna/
http://www.sbfisica.org.br/v1/home/index.php/pt/acontece/891-vivian-miranda-ganha-leona-woods-lectureship-award
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/03/21/vivian-miranda-trans-nasa.htm