Quando pensamos em música, é quase praxe que venha à mente a noção de ciclos. Tudo começa com ondas sonoras propagando-se pelo ar, e descrevendo por ele dezenas, centenas ou milhares de ciclos por segundo, permitindo-nos diferencia-las justamente em função disso.
Se afastamos um pouco o zoom, percebemos que esses mesmos sons se distribuem e organizam de acordo com lógicas internas de tempo, dando origem ao que chamamos de ritmo. E também o ritmo se baseia em ciclos, pulsações, batidas por minuto.
E se temos boas relações sonoras, mediadas por boas linhas rítmicas, eventualmente surge a necessidade de que elas se repitam. Um refrão, afinal, dificilmente ganha força se soar como uma ideia isolada. Por que não, então, criar ciclos internos em uma mesma composição, dando chance para que frases, versos e melodias repliquem a si próprias, e cavem seu espaço de direito no cérebro do ouvinte?
E assim se constrói a música. Ciclos de compressão e descompressão do ar, organizados de acordo com ciclos de tempo, buscando a criação de ciclos emocionais.
O que seria da arte, no entanto, se não fosse o contraste?
Seja como recurso estético para captura de atenção, ou mesmo como objetivo final de determinada obra, a sobreposição e combinação de elementos divergentes caminham lado a lado com toda forma de expressão artística. E a música, como arte, não foge à regra.
Sons agudos e graves; fortes e fracos; ásperos e macios. Ritmos displicentes e frenéticos. Em tudo o que se ouve, essas duplas estão quase sempre juntas, e por bons motivos. Não fossem seus embates constantes, a capacidade da música de nos tirar do chão ou de nos roubar o ar ficaria seriamente prejudicada.
E, ironicamente, criamos aí mais um desses confrontos vitais. Como será possível que algo seja igualmente calcado em ciclos e em contrastes, em repetições e em diferenças? Pois a música é fundamentalmente formada por essa aparente contradição. Repete-se para criar familiaridade, contrasta-se para criar interesse.
E, dessa forma, talvez se torne impossível interpretar a música e os elementos que a compõem simplesmente como círculos, girando em torno de seus próprios eixos, e retornando sempre ao mesmo exato ponto. O fato aí é que sempre há alguma percepção de evolução, como se o início de cada ciclo coincidisse sempre com a inauguração de uma nova camada de informação.
Ora, o que é que gira em torno do próprio eixo, fazendo sempre analogias claras ao que já passou, ao mesmo tempo em que se move pelo espaço, nunca repetindo posições exatas? Talvez devamos começar a tratar a música não como círculos auto contidos, mas como espirais, dentro das quais tudo sempre se repete, mas nunca da mesma forma.
Espirais de compressão e descompressão do ar, organizadas de acordo com espirais de tempo, buscando a criação de espirais emocionais. Repetição e contraste continuamente se sobrepondo. E assim se constrói a música.