Enrico estava no meio da arena para iniciar o ritual para sua primeira transformação, à sua direita estavam os filhos do Norte, liderados por Erwin. Uma bela cachoeira, iluminada pela lua cheia ao fundo, tornava aquele cenário belíssimo, a floresta negra rodeava o local. Cian à frente dos outros começou a falar.
– Que comece o ritual, a lua espera por seu novo filho. Eu, Cian, líder dos homens lobos da Floresta dos Esquecidos, convido Enrico dos Sombras para se juntar à nossa matilha – Enrico sentia algo estranho, uma série de dores agudas começava, mas não deixava de encarar Cian. Suas palavras eram carregadas de raiva, pois fora forçado a manter vivo aquele que o humilhou.
– Eu, Bluma, líder dos Sombras, recebo esse novo lobo para nosso clã. Que nossas almas nunca descansem enquanto não derrotarmos nossos inimigos! Que nosso espírito ferva enquanto a justiça não for feita à nossa família! Enrico, olhe para a lua e aceite! Deixe a fera surgir!
As dores ficaram insuportáveis, olhava para o chão da arena de joelhos lutando para manter a consciência, seu corpo queria desistir, mas lembrou de seu pai e dos inocentes que foram levados, de Álvaro e Jacopo, e principalmente de sua irmã. Aproveitando o ódio que sentia e a vingança que fervia em seu sangue, olhou para lua e soltou a criatura que desejava sair. Ossos, músculos, pelos cresciam de forma sobrenatural, foram poucos minutos para que uma besta grotesca aparecesse no meio da arena no lugar do homem. Seus pelos eram cinzentos como um Sombra deveria ser, havia alguns brancos espalhados pelo corpo. A arena ficou em silêncio quando a besta uivou, foi algo diferente e único e acabou sendo escutado na vila da Vigília e na torre dos inimigos no vale. O restante dos Sombras acompanharam em frenesi, pois surgiu uma criatura de mais de três metros, uma estatura colossal, nunca um Sombra havia surgido daquele tamanho, nunca um alfa surgira entre os Sombras. Isso pegou todos de surpresa, pois apenas um alfa pode existir na aldeia, somente um pode liderar a matilha. Parece que a Lua tinha escolhido um novo líder e aquilo significava que um duelo sangrento estava prestes a começar…
– Isso é impossível! Ele é um Sombra! – gritava Cian, parecia um louco enfurecido – Aceito o desafio! Vamos terminar isso agora, garoto! – então deu um salto para dentro da arena.
– Espere! – uma pessoa pulou do lado direito ficando entre Enrico e Cian, era Erwin.
– Foi a primeira transformação dele, deve estar exausto, não seria uma luta justa. Vamos esperar dois dias – argumentava o líder dos lobos do Norte.
Nesse momento, Evelina, que retornara a arena, viu aquela criatura monstruosa no centro e concluíra que era seu irmão. A criatura a encarava, e viu lágrimas saindo do rosto dela, e sentia o seu desespero…
– O que fiz ao meu irmão, porque te pedi isso – a tristeza novamente tomava conta de moça.
Enquanto Evelina chorava, a discussão continuava na Arena. Todos achavam que um combate naquele momento seria injusto. Sombras, Garras, filhos do Norte e da Noite trocavam insultos.
– Eu aceito, vamos terminar isso agora – Enrico caminhou na forma humana em direção à Evelina e à Bianca que estavam juntas, pegou a espada de seu pai e a sua e retornou para a Arena.
– Retornou à forma humana? Está louco! – Bluma estava muito surpresa com aquilo.
– Ha! Vocês ouviram, saiam da minha frente, vou desmembrar esse arrogante! – quando terminou de falar, Cian iniciou a transformação.
Aqueles que ainda não estavam na arena saíram apressadamente para ver o combate entre os dois.
Enrico ficou esperando em posição de defesa, segurava as duas armas. Era impossível para um humano comum, mas a transformação aumentara sua força. A transformação de Cian terminara.
– Você lutará na forma humana? – Cian falava e dava uma risada com sua voz deformada
– Dessa vez, não vou arrancar apenas um olho, seu babaca bufão! – dizia com um sorriso na boca.
Os insultos de Enrico subiram a cabeça de Cian, que partiu para um ataque direto. Sua arrancada era fenomenal, em pouco segundos estava em cima de Enrico para aplicar um golpe. O jovem desviou, mas a marca das cinco garras fizeram um arado no chão de pedra. Enrico não perdeu tempo e aplicou um golpe no braço e na perna esquerda do oponente. A criatura soltou um gritou de dor, babava de ódio.
– Acho que vou terminar o serviço do meu pai, acabando logo com esse braço esquerdo – mais um insulto, Cian estava prestes a perder totalmente a razão.
A criatura novamente partiu em direção do jovem. Não ligava, pois se achava em vantagem por estar numa forma letal superior em força e agilidade. Mais uma investida com as garras. A primeira acertou o vazio, mas as garras mutiladas da mão esquerda fizeram um rasgo na carne de Enrico. O jovem recuou com uma das armas, a dor era grande, e o sangramento começara.
– Maldito! Seu desgraçado! F$#@%$#! Vou te arrancar todos os membros! – Cian soltava insultos e ameaças com uma voz animalesca.
A criatura estava sangrando e sentia uma dor terrível, pois uma espada bastarda fora cravada na coxa esquerda. Era o fim da luta, não conseguiria se mover, Enrico conseguira superar o adversário com inteligência e agilidade. Cian estava condenado, nunca mais teria a mesma agilidade, mas a criatura insistia e avançava em direção a Enrico, que esperava pelo último golpe. Cian, desesperado, tentou abocanhar oponente, exigindo tudo o que podia da musculatura das coxas para uma arrancada mortal. Isso só fez agravar o ferimento, aumentar a dor e criar uma abertura perfeita para Enrico, que golpeou de baixo para cima arrancado mãos e a perna esquerda do oponente na altura do joelho. Enquanto a criatura se debatida de dor no chão da arena, Enrico subiu sobre ela, carregou todo seu ódio e desferiu um golpe que rachou o crânio da criatura. Cravara sua espada na arena, fazendo surgir uma rachadura que foi de ponta a ponta no lugar. Nunca mais ele ousou utilizar aquela arma. Dias após a luta, ele a pegou e jogou dentro do lago, assim nascia a história de uma espada amaldiçoada chamada de “ruína de Cian”.
Passadas algumas semanas, Enrico se tornou um dos lideres dos homens lobos e teve a cruel tarefa de retornar a vila. Sua volta foi marcada por festa e alegria, mas Enrico não comemorou. Estava diferente, aqueles novos olhos amarelos deixaram os anciões com calafrio. No dia seguinte, reuniu os guardas e o conselho dos anciões e contou toda a história. Ele tinha uma ideia, mas o conselho foi contra. Os cidadãos de Vigília perceberam que o futuro seria cruel. A notícia do sumiço de Enrico, feizera muitos moradores fugirem de lá. Aqueles que não tiveram opção, ficaram e pediam que os deuses os poupassem. A ideia de Enrico parecia ser desesperada, mas era a única forma de manterem suas vidas, ou vagariam sem lar pelo reino, mendigando. No decorrer de um mês, os moradores da vila da Vigília aceitaram a transformação, poucos foram os que mantiveram sua forma humana, como os anciões, mas não foram descriminados por sua opção.
Meses depois da transformação de Enrico, Bluma contou uma história triste. Há quatro anos, Cian fechara um trato com um grupo de goblins, que sequestrava jovens. Elas eram trazidas a cada seis meses para a aldeia.
Enrico foi sozinho, sua missão era acabar com mais uma das crueldades de Cian. Assim a aldeia escondida e a vila da Vigília poderiam existir sem chamar a atenção de ninguém e viver em paz quando tivessem acabado com os inimigos do vale. Bluma acompanhou o jovem líder até a entrada da caverna do treinamento, eram três horas de caminhada no escuro até chegar no covil dos goblins. Bluma ficou olhando até Enrico sumir da sua vista nas trevas…