Enrico acordou no mesmo local onde tinha visto sua irmã, que descansava ao seu lado dormindo profundamente, sentia-se muito bem, seus machucados haviam sumido. Pensou um pouco mais, nunca tinha se sentido tão bem, lembrou vagamente do ritual, da criatura grotesca que o mordeu. Não havia mais ninguém ali, porém era possível escutar algum barulho do lado de fora, levantou-se e saiu do casebre onde estava. Viu algumas pessoas que o olhavam de forma estranha, um deles se aproximou.
– Filhote, é melhor voltar para dentro, Bluma deve aparecer em breve para falar contigo – um homem moreno, tinha uma voz grave e apontava para que Enrico retornasse.
– Qual o seu nome? – Enrico perguntava olhando nos olhos do homem.
– Sou Santiago dos Garras Vermelhas. Garoto, espere lá dentro, pense na sua irmã também – Santiago insistia com Enrico.
– Você fazia parte do grupo que invadiu a minha vila e levou a minha irmã? – questionava Enrico.
– Sim, nosso líder te derrubou, fui eu quem a trouxe até aqui – respondeu a pergunta de Enrico.
Os ânimos poderiam até começar a esquentar naquele momento, mas Bluma acabava de chegar.
– Garoto, vamos entrar. Preciso explicar umas coisas a você – ninguém tinha notado a chegada dela, que abriu a porta convidando Enrico para entrar.
– Certo, Santiago, vamos continuar essa conversa, né? – a pergunta soava como um desafio.
– Claro, basta me procurar, filhote.
Enrico entrou no casebre novamente, Evelina continuava dormindo.
– Ela cuidou muito de você, deve estar exausta, é uma boa menina. Sua família deve estar muito preocupada com ela – Bluma falava olhando para a garota.
– Só meu irmão mais novo ainda está vivo. Olhe, quero saber o que vai acontecer comigo e com ela. Por que estamos aqui? Que lugar é esse? – parecia o começo de um interrogatório.
Bluma sentou, pensou um pouco, talvez estivesse organizando ou planejando como contar ao jovem rapaz.
– Garoto, você sabe o que somos ou tem alguma ideia, certo? Não somos monstros cruéis sanguinários, grande parte de nós nasceu nessa situação, ao contrário de você que teve escolha.
– Não tive muita escolha, era isso ou morrer deixando minha irmã nas mãos de vocês, que, se não são monstros, são sequestradores. Há dois anos que pessoas somem da minha vila.
– Ainda assim é uma escolha. E grande parte dos sumiços não foi nossa culpa. Vivemos do que a floresta nos oferece, poucos conseguem cultivar alguma coisa aqui, e seríamos mortos pelas outras pessoas se saíssemos. Há dois anos, os senhores do vale negro atacaram nossa aldeia, ambos os lados perderam pessoas, então, começou uma corrida por recrutamento tentando aumentar a força de ambos.
– Você está falando de vampiros? Um deles me atacou. Então a lenda é verdadeira? Eles dominam uma torre negra entre as três montanhas? – perguntou surpreso.
– Sim, estamos no jardim deles. Esse luta existe há 500 anos, desde que os Filhos do Norte migraram para cá.
– Filhos do Norte? O que são eles? Gnomos? – Enrico estava perplexo com a história.
– Respeito, meu jovem! – a voz dela mudou um pouco – Alguns lobos se mudaram do norte, foi o clã que nos liderou por quase 400 anos.
– Não sou liderado por ninguém, senhora.
– Assim você acha. Desobedeça aos lideres e vai terminar como um tapete na torre negra, entendeu? – Bluma fez um gesto com um olhar ameaçador e seu tom de voz ficou mais animalesco.
– Humpf! Continue sua história, mulher. Quero saber em que armadilha caí.
– Bem.. Você conheceu Santiago, líder dos Garras e braço direito de Cian, que é o nosso líder há dois anos e chefe do clã dos Filhos da Noite, desde a morte do pai dele. Estava aqui quando você acordou. Lembra? Você lutou contra ele – Bluma soltou um sorriso de satisfação.
– Lembro da voz, ou acho… Era o monstro gigantesco que matou um amigo meu?
Bluma não gostou do uso da palavra “monstro”, mas continuou a conversa.
– Muitos ficaram impressionados contigo. Somente uma vez, Cian penou para derrubar um humano normal, e você foi além disso, pois os machucados causados foram permanentes. Posso dizer que fiquei muito contente ao saber – disse – que Cian perdeu a visão de um olho. Ele o trouxe aqui para te torturar por vários dias até a fúria dele acabar. Evelina te defendeu e ameaçou se matar, caso não te deixasse vivo, mas teus machucados eram graves. Temos alguns recursos de cura, mas alguém com uma recuperação tão frágil… Só a transformação poderia salvar você, seu espírito é forte, ficou recuperado em apenas cinco dias.
– Cinco dias!? Preciso saber onde estão os corpos dos meus amigos, preciso honrá-los, podem se tornar…
– Calma, as pessoas da sua vila já trataram disso. Olhe, você deve estar com rancor pelos acontecimentos, mas você precisa ficar esperto. Os Filhos da Noite não estão muito felizes com você, pois derrotou dois deles e conseguiu manchar a honra do seu líder. Pense na sua irmã, ela não tem como se defender aqui, e nem sonhe em fugir, ninguém aceitaria você e não escaparia dos Filhos da Noite.
– Evelina não foi transformada, por quê?
– Não queria tocar nesse assunto agora… Sua irmã foi escolhida por Cian, vai ser a companheira dele…
– Nunca! Ela é só uma garota, não vai ser mulher de um monstro – Enrico controlou a voz para não acordar a irmã ou ser ouvido por ninguém.
– Você tem sessenta lobos a sua disposição? Olhe, garoto, meu primo a escolheu, não vai voltar atrás. Se fugir, serão pegos, e você morre, e Evelina continua aqui, sozinha. Se tentar matar Cian e conseguir, o resto do clã dele vai te massacrar…
– Minha irmã não vai ser mulher de um monstro.
– Problema seu. Está colocando sua vida e a dela em risco. Preciso que aprenda algumas coisas antes de sua primeira transformação, se você não for preparado, vai se transformar e atacar tudo e todos que encontrar, entendeu?
Enrico ficou um tempo em silêncio… Só agora entendia o que tinha aceitado.
– Isso é importante. Somos responsáveis por você. Se ficar enlouquecido e fora de controle, o seu clã terá que dar um jeito, vamos parar você de qualquer maneira.
– Já disse que não faço parte…
– Escute. Você é minha responsabilidade. Deixe Evelina descansando com Bianca.
– Ela está viva? Onde ela está?! – Enrico jamais imaginou que ainda poderia vê-la com vida.
Nesse momento, Bianca entrou no local. Ainda conservava a beleza que a destacava na vila, seus olhos eram normais, indicando que ainda era humana, mas a barriga denunciava uma gravidez de quatro meses.
– Enrico! – a jovem deu um abraço demorado – É muito bom ver que está bem e vivo! Sei que queres conversar, mas isso é importante. Vá com Bluma, escute ela, por favor – a garota falou segurando a mão de Enrico e olhando nos seus olhos.
– Bianca, você viu meu pai? Ele foi atrás de você, ele…
– Não, Enrico, não conseguiu me alcançar, sinto muito – a garota baixou a cabeça – por favor, vá com Bluma – uma lágrima escorreu do rosto da moça.
– Tudo bem. Creio que isto seja muito importante. Por favor, olhe por Evelina – a jovem continuava dormindo exausta.
– Vamos, garoto! Está na hora de aprender.