Enquanto fazia a primeira vigília, Daniel olhava para a escuridão da floresta e lembrava daquele julgamento… Fora levado para o salão mais alto da torre pelos seis mestres que formam o conselho vermelho. O local era restrito, somente o conselho poderia ir até ali, havia uma porta estranha de madeira maciça. Quando um dos magos chegou próximo e sussurrou algumas palavras, esta se moveu abrindo o acesso aquele lugar escuro. Dentro da sala era ainda mais estranho, não existiam janelas, sem luz alguma, não havia mesas ou qualquer coisa que pudesse ser vista nas paredes. A escuridão parecia não ter fim, a porta ficou aberta com dois magos protegendo a única saída, os outros continuaram caminhando e sumiram na escuridão.
Os dois magos mais próximos se viraram para as paredes, então o jovem mago com os olhos mais adaptados a falta de luz pode notar um estranho suporte dourado em forma de um gárgula segurando uma tigela. Os mestres falaram algumas palavras mágicas, assim surgiu uma chama em cada suporte iluminando o ambiente, era azul deixando aquele local com um aspecto fantasmagórico. Uma boa parte da sala foi revelada junta com três esqueletos e um trono dourado no fundo, um deles próximo à esquerda de Daniel, os outros estavam no fundo daquele salão. O mago mais antigo daquele conselho, foi ao centro do lugar, falou algumas palavras mágicas em direção ao trono, fez uma pausa e disse:
– Trouxemos a tua presença outro jovem aprendiz que se perdeu do caminho da tua doutrina, manchou nossa honra ao tentar aprender o caminho da transformação, contrariou as leis e as ordens. Deixo esse inconsequente para teu julgamento… – falou o mais velho do conselho.
Assim os magos começaram a deixar aquela sala lentamente, em nenhum momento desde que saiu de sua cela, os mestres tinham dirigido qualquer palavra a ele, a maioria tinha uma expressão de desapontamento, apenas um deles não parecia triste, era estranho, pois o jovem mago não tinha laço de amizade com ninguém do conselho. Quando todos saíram, a porta foi fechada. Sozinho naquela sala sem nenhuma orientação, Daniel começou a sentir uma estranha sensação. Começou a ver as almas penadas provavelmente daqueles esqueletos, estavam viradas para o mago, parecia que estavam o analisando e conversando entre si, depois as aparições se viraram para o trono e ficaram de “joelhos”, assim permaneceram, talvez por quase duas horas. Daniel aguardou pacientemente e ficava meditando sobre tudo o que tinha feito, mas algo começou a surgir naquele trono, algo com muito poder, parecia um espectro azul que lembrava as cores das chamas que iluminavam o ambiente. O ser estava sentando no trono bem a sua frente, um “braço” apoiava a “cabeça”, a criatura parecia intrigada com a aquela situação e revelava sua presença completamente.
– Então minha criança, escolhi você para ser mais um servo da minha visão da magia perfeita para limpar este mundo dos impuros que estão tentando corrompê-la, não está de acordo com os caminhos escolhidos por mim para meus servos? – falava a entidade com uma voz estranha – Ou você quer se tornar um desses impuros?
Então se levantou e “caminhou” na direção do jovem, quando chegou mais próximo, o mago percebeu que aquele espectro parecia um elfo com traços finos característicos daquela raça, pensava se aquilo foi um ser vivo algum dia.
– Os caminhos da dominação, manipulação e ilusão foram escolhidos por mim, são ideais para meus servos, vocês serão os mais poderosos e imbatíveis magos deste mundo mortal usando os meus ensinamentos – a criatura fez uma pequena pausa – mas estou curioso, deixe-me ver seu ponto de vista – então levantou um braço na direção de Daniel com a palma da “mão” aberta, logo seus “olhos” começaram a brilhar.
Naquele instante Daniel se sentiu obrigado a lembrar dos motivos que o levou a estudar o caminho da transformação desafiando as instruções dos mestres superiores, dos momentos que compartilhou essa ideia com os magos mais velhos. Ainda relembrou os momentos que estudou e meditou sobre aquele caminho, ainda relembrou dos dias que passou preso como punição antes de ser trazido para julgamento naquele lugar.
– Interessante… Muito interessante… Você se sentiu atraído pelo caminho da transformação desde quando ouviu falar sobre isto durante os treinamentos, parece uma predisposição, vamos investigar o passado distante – então a entidade começou a levitar e seus olhos começaram a emitir uma luz branca, ficou calada por um bom tempo.
– Você é tataraneto do grande ranger Ian, a casa dos rangers de Nerl é a mais famosa do reino por ter a maior sintonia com a natureza, seus membros chegam a conversar com os animais… Vejamos mais um pouco – E os olhos da criatura pareciam brilhar mais, ficou um tempo maior sem dizer nada.
– Você descende de um famoso druida, seu nome só vive em lendas, seu sangue descende de Dartan, os druidas dessa região há muito tempo foram para o norte, isso explica por que herdou uma sintonia com a magia e sua atração pela transformação quando seu poder mágico começou a aumentar com os ensinamentos dos meus magos… Jovem aprendiz seu caminho não termina aqui, irei poupar sua vida, se jurar que seguirá firme na sua ideia, então o que me diz? – indagava a entidade agora no chão com os “braços” cruzados.
– Não tenho contato com a casa dos rangers de Nerl, são liderados por um primo do meu pai… – dizia bastante confuso o jovem mago – mas pretendo seguir em frente com meus estudos, mostrarei que estou certo, se minha vida for polpada por ti, meu lorde – dizia isto tremendo e visivelmente nervoso, pois tinha entendido que aquela entidade iria decidir seu destino.
– Estou satisfeito… Continuar os estudos mágicos fora da torre sem a orientação dos mestres não será uma tarefa fácil, alguns conseguiram tal feito, alguns desses ainda estão vivos, estou curioso para ouvir falar de suas façanhas, jovem aprendiz – a criatura parecia contente com a situação – Vejamos seus feitos, mas se lembre de continuar seu aperfeiçoamento no caminho da dominação e da ilusão – avisou a criatura.
– Outro aviso, a maioria desses que conseguiram se aprimorar nos estudos mágicos por conta própria, acabaram sucumbindo para as próprias ambições, tornaram-se perversos líderes de criaturas maldosas, escute-me, tu serás teu pior inimigo, criança não esqueça este meu conselho – as palavras da criatura davam calafrios no mago.
– Esta é a decisão de Kar’l! Daniel Fajardo está banido desta torre da magia e nunca mais poderá voltar aqui até ser chamado novamente, se desobedecer está ordem será morto e sua alma ficará presa nessa sala por tempo indeterminado. Declaro que estas três almas rebeldes que foram condenadas por meu julgamento estão livres, prometi que estariam livres se alguém não fosse condenado, após um julgamento – declarou a entidade que parecia brilhar ainda mais…
Nesse momento as almas dos três condenados começaram a desaparecer, estavam a caminho do vale da ascensão em Klogaren, se estiverem puros, poderiam se juntar aos antepassados, senão estivessem prontos, teriam que se purificar antes de continuar sua jornada para o reino eterno. Certas almas ficavam rancorosas e invejosas, continuavam atormentando os vivos. Alguns tinham a alma despedaçada e se perdiam pelo universo vagando confusos pela eternidade. Os três fizeram um gesto de gratidão para o mago e sumiram.
– Jovem mago, estarei assistindo seus feitos, já perdi muito tempo com um mortal, voltarei para meus assuntos… – dizia a entidade que se dirigia para o trono dourado.
Daniel observava aquele ser poderoso que começava a desaparecer, ainda podia ver a criatura sentada, quando ficou novamente sozinho naquela sala, então a porta abriu outra vez…