Hey Judes, como estão?

2020 está aí e parece que “chegou chegando”, como diria aqui no RJ. Afinal, o ano pode até ser novo, mas as engrenagens ainda fazem girar a máquina obscura e obsoleta reanimada há dois anos atrás. Em mais um movimento que parece orientado pelo card “Conquistar 24 territórios à sua escolha”, os EUA carregam ao Oriente Médio mais uma vez sua bandeira de paz ao melhor estilo e símbolo da Akatsuki.

Nota: Akatsuki é um grupo de ninjas renegados do anime Naruto, formado após a, comparativamente, 3ª guerra e que pretende acabar com as guerras do mundo ninja monopolizando a força bélica. Para isso, gerou inúmeros conflitos e culminou numa 4ª grande guerra. Seu símbolo é uma nuvem vermelha em alusão à chuva de sangue proporcionada pelo conflito anterior que atingiu com maior intensidade a Vila da Chuva.

Em outras palavras, e de acordo com o próprio Trump, foi uma ação potencializadora de uma guerra com o intuito de “terminar uma guerra”. Incoerente? Sem sentido? Talvez sim. Mas, se pensarmos no Destino Manifesto, apesar de estar ligado ao período de expansão interna do território que viria a ser dos EUA, não podemos ignorar a essência dessa filosofia representada em dois aspectos primordiais revelados nos cards de objetivos do jogo norte-americano: expansionismo e supremacia. Isso porque, conforme os períodos se transformaram, a manifestação da sina daquele povo foi se moldando aos novos cenários.

A hegemonia norte-americana firmada no ocidente no pós-guerra, rivalizando com a extinta URSS, constitui uma espécie de novo Tordesilhas contrapondo o ocidente ao oriente, materializado no muro de Berlim e sem a presença de um monarca francês questionando o tal testamento de Adão. E os ecos desse período ainda se fazem ouvir 65 anos depois. O espírito que move a ideia e a crença nesse legado reside hoje sob uma autoproclamação de bastião da democracia e paladino contra o terror carregando uma bandeira de paz e libertação hasteada pela violência, pela intimidação bélica e, principalmente, pela destruição do “infiel”. Nesse último aspecto guardam-se as linhas da política e da economia que manipulam esta grande marionete acostumada a guerrear no Oriente Médio ora de maneira imperialista, ora financiando milícias e golpes como na América Latina. É nesse cenário que encontramos Fátima! Uma excelente canção de fundo para esse breve apanhado historiográfico e analítico.

A música sempre figurou como veículo de contestação e de expressão política e social. Um grande exemplo está nos movimentos de contracultura iniciados nos anos 1950 com o movimento Beat alcançando o ápice na década de 1960 com os hippies e o famosíssimo festival de Woodstock. Nos anos seguintes emergiram outros movimentos como o punk, o gótico e o grunge, último grande representante. Diga-se que esses são apenas alguns exemplos relacionados estritamente ao mundo da música e que os movimentos de contracultura não se restringem ao meio musical muito menos aos exemplos citados.

A influência desses movimentos se fez sentir no Brasil com a Tropicália como máximo expoente. No entanto, talvez tenha sido no rock nacional que foi mais sensível contando com nomes como Raul Seixas, Os Paralamas do Sucesso, Titãs e Aborto Elétrico, que deu origem a Legião Urbana e Capital Inicial. Fátima nasce oficialmente em 1986 no primeiro álbum de estúdio do Capital Inicial como um dos espólios destinados à banda após o fim do Aborto Elétrico e emerge em meio a essa efervescência política, ideológica e cultural onde se percebia, em nível mundial, o paladino do progresso EUA continuando sua marcha a oeste, dando a volta no globo e tentando “libertar” um Vietnã “cativo” do comunismo (e tomando uma peia dos vietcongs, diga-se de passagem); ao passo que, internamente, a “ameaça comunista” mobilizara setores conservadores, da elite e militares para o exorcismo desse fantasma de sobre o país culminando na instalação de uma ditadura civil-militar.

Continente de uma crítica afiada, Fátima é uma composição que engloba os elementos daquele cenário sob a égide da religiosidade, o último guardião de uma moralidade tipicamente cristã. Renato Russo a escreve a partir da série de aparições marianas na cidade lusitana de Fátima a 3 crianças entre maio e outubro de 1917 onde lhes haviam sido confiado um segredo dividido em três partes, a última revelada apenas à criança mais nova, Lúcia.

A construção de Fátima oferece a oportunidade de evocar a perspectiva de Karl Polanyi sobre as transformações nas relações humanas a partir da ascensão da economia de mercado. De acordo com ele, do advento da Revolução Industrial surge uma nova ordem, cuja cabeça é o fator econômico. Nesse sentido, reformulam-se os conceitos de economia e de Estado, os quais, apesar de se associarem ao capital privado assim como fora na transição para o absolutismo, nesse momento a natureza humana também é transformada além dos modelos institucionais.

Dessa forma, as relações econômicas ganham novos moldes com o aumento da capacidade produtiva e a forma de lidar com os trabalhadores. Também os bancos e demais instituições financeiras fundam seus espaços e estabelecem seu lugar nas relações entre indivíduos e instituições. A diplomacia vai ganhando o espaço ocupado antes pelas demonstrações de poder bélico. E não podemos esquecer das teorias e correntes de pensamento que se debruçaram a estudar não só a grande transformação, mas também a sociedade, a política, a economia, as instituições e, principalmente, os indivíduos.

Mas, de que maneira a grande transformação ratifica a análise crítica à marcha norte-americana pelo mundo?

De acordo com Polanyi, a redução dos elementos produtivos à relação de compra e venda transformou a sociedade em item acessório da economia. Em outras palavras, é o ponto de inflexão da tomada do lugar do homem como centro das relações pelo capital denotando, como abordam Aglietta e Orléan, o caráter impetuoso e, por muitas vezes, cruel da moeda. De maneira análoga, Polanyi entende que o progresso vai se construindo pagando como preço a desarticulação da sociedade que tende a ruir aos sinais de ritmo em excesso. Para ele, o modelo de liberalismo econômico da sociedade quase não existia mais fora dos EUA – isso em 1944, quando publicou seu livro. De certa forma, se pararmos para pensar nas movimentações do pós-guerra no campo da política econômica de modo a competir com o exemplo de capitalismo agressivo dos EUA, podemos notar algumas opções das quais a última, talvez, seja a União Europeia.

Nesse sentido, suscitamos a oposição dominação e liberdade. Sobre isso, o húngaro alerta para a ocorrência de dois níveis de liberdade. O primeiro diz respeito às instituições sociais que interferem diretamente na liberdade dos indivíduos; enquanto o outro está mais ligado a aspectos subjetivos e, consequentemente, mais sensíveis como a moralidade e a religião. Assim, ele aponta para a necessidade de compreender a complexidade da sociedade atual para que seja alcançada essa tal liberdade – não a do Alexandre Pires, mas pode ser – ansiada através da promoção do acesso à segurança, cultura e educação, por exemplo, por aqueles não abarcados pela riqueza através das próprias instituições sociais. Isso implicaria na redução do acesso por parte daqueles mais ricos – o que não concordo totalmente.

Essa é uma perspectiva micro. Quando olhamos sob a ótica macro, temos a regulamentação e o controle da liberdade de ação e planejamento de países em menor grau de desenvolvimento por parte dos mais abastados. Assim, tem-se um quadro de liberdade vigiada, de margens estranguladas de autonomia, especialmente quando fere ou ameaça os interesses das nações mais ricas. Como se tem visto nas históricas ações dos EUA no Oriente Médio seduzindo os seduzíveis e atacando os resistentes defensores de sua autonomia seja política, seja econômica ou ainda cultural, sob o argumento embandeirado de libertação.

A economia de mercado aparece no século XIX e desaparece em função da crise que gera as guerras. A sociedade atual luta para não sucumbir.

 

REFERÊNCIAS

AGLIETTA, Michel; ORLÉAN, André. A violência da moeda. São Paulo: Brasiliense, 1990.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000

https://www.letras.mus.br/capital-inicial/44843/ – Fátima

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/01/01/interna_internacional,1111562/trump-afasta-possibilidade-de-guerra-com-ira-e-diz-querer-paz.shtml

https://revistaforum.com.br/global/trump-diz-que-assassinou-general-iraniano-para-parar-uma-guerra-e-nao-iniciar-uma-guerra/

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,nos-tomamos-uma-medida-na-ultima-noite-para-parar-uma-guerra-nao-comecar-uma-diz-trump,70003142955

https://www.todamateria.com.br/contracultura/

https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/contracultura.htm

http://contandohistoria1977.blogspot.com/2013/07/o-brasil-e-o-mundo-em-1978-ano-de.html

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2018/03/13/interna_diversao_arte,665613/quem-era-o-aborto-eletrico.shtml

https://www.brasildefato.com.br/2019/05/28/artigo-or-as-manifestacoes-de-apoio-a-bolsonaro-tentaram-repetir-a-marcha-de-1964/

https://www.estadao.com.br/ao-vivo/marchas-de-22-de-marco

https://pleno.news/brasil/cidades/junto-com-brasilia-cidades-tem-marchas-pela-familia.html

https://formacao.cancaonova.com/diversos/a-aparicao-de-nossa-senhora-de-fatima/