Hey Judes, como estão?
Falar de Rock e História é um diálogo já bastante comum, pois, em certa medida, a história do rock se confunde com determinados eventos históricos. É onde o rock’n roll cumpre perfeitamente a sua essência questionadora e provocadora, uma veia expressionista de leitura crítica e cantada sobre diversos momentos. Nesse sentido, o rock é praticamente uma enciclopédia musicalizada e, como os poemas cantados pelos aedos, fonte de conhecimentos considerável sobre a nossa própria história enquanto sociedade.
No entanto, falar da prática de ensino ou do ensino na prática não costuma ter tanta atenção e, talvez por isso, não fique muito claro o diálogo entre o rock e o ensino, sendo aquele uma escola ou uma ferramenta de ensino.
Em 2003, o filme Escola de Rock foi lançado e estrelado por Jack Black interpretando Dewey Finn. Nele, vemos alguns aspectos já conhecidos da educação no Brasil e o personagem de Black concentra as relações. Enquanto indivíduo, esbanja vivacidade e entrega pelo que acredita e encarando as atividades como além de meras fontes de renda. A mudança de função, de guitarrista demitido a professor é o reforço do seu papel catalisador nas críticas aos valores sociais moderno-contemporâneos que, não à toa, também constituem a identidade do rock.
Essa transição de atividades profissionais revela como na sociedade contemporânea o padrão de consumo de artes é previamente determinado pelas grandes empresas. Estas, por sua vez, também determinam o gosto dessa massa trabalhadora fazendo acreditar que os produtos são feitos especialmente para ela. Essa sensação é reforçada ao retratar seus amores e dessabores sempre próximos da realidade. Isso permite sonhar com “evoluções” na vida ou se perder em meio a romantismos melodiosos, como aborda Walter Benjamin ao falar sobre a massificação da cultura.
Nesse momento também é possível evocar a cultura de mercado como traz Nietzsche assim como as críticas presentes nos movimentos de contracultura que se estenderam pela segunda metade do século passado. Ambos aspectos se manifestam criticamente contra a força do mercado que se consolidava hegemonicamente desde o fim da II Guerra no ocidente. Do mesmo modo, fica claro nas atitudes do personagem de Black as críticas ao mercado musical e a avidez por uma revolução que fazem lembrar bastante o movimento Punk. Em resumo, Black é a fagulha ainda acesa de uma sociedade que não se fez refém do dinheiro.
A mudança profissional denota ainda outra característica que parece se guiar pela deturpada lógica maquiavélica de que os fins justificam os meios, já que ele aceita o trabalho de professor fingindo ser o irmão, Ned Schneebly (interpretado por Mike White). Ela é engatilhada pelas da cunhada sobre sua parte no aluguel e por considerá-lo um vagabundo fracassado repetindo que deveria arrumar um emprego de verdade.
A cunhada é a personificação da desvalorização artística e da valorização da burocracia social. Isso fica claro quando enaltece os empregos dela e de Ned – ela assistente do prefeito e ele professor substituto, profissão essa que ela diz ser a mais importante. Esse juízo marca um possível elo remoto com o núcleo temático da obra, com a subsistência da educação no sistema e na sociedade contemporâneos ou ainda à importância mesmo que a educação represente mesmo utilizada de maneira reprodutiva.
Outro ponto que merece ser destacado é a aceitação da mediocridade enquanto lugar na sociedade. Esse aspecto é trazido ao primeiro plano por Ned e pela diretora Rosalie Mullins (Joan Cusack) quando muda a ambientação. Ned explicita isso ao declarar ser um trabalhador careta, já que abandonou o sonho de ser músico explorando a relação que construímos entre maturidade, vida adulta e trabalho em oposição à “imaturidade passional” adolescente representada por Dewey e pela não aceitação do status quo típica do rock. Ned torna-se, assim, um adulto frustrado e insatisfeito consigo pela perda dos sonhos e da capacidade de sonhar aceitando o seu lugar na máquina social e como engrenagem no mundo do trabalho.
Esses elementos o conectam à Rosalie que também é uma adulta frustrada e infeliz que vive sob a constante pressão por resultados. Isso se manifesta mais nitidamente quando Black consegue acessá-la durante uma cerveja juntos. Ela então externaliza toda sua frustração, sobrecarga e cansaço: “eu nem sempre fui assim; eu era divertida; não posso cometer um erro; essa pressão me transformou no que eu nunca quis ser: uma megera; quando se trata dos filhos, esses pais não tem senso de humor”.
Esses elementos transbordam a personagem pela figura d’O Homem que é atrelado à sua imagem e faz uma possível referência ao Grande Irmão de George Orwell. Também pela cobrança exacerbada pela manutenção da reputação e por resultados que se materializam no placar de produtividade pendurado em uma das paredes da sala com estrelas como prêmio e bolas pretas como “punição”. Nesse cenário, as crianças já não têm mais sua infância permitida ou estimulada, mas são engolidas pelo universo dos adultos, o qual pode ser compreendido, mas não tem o menor sentido para elas.
Esse giro é fundamental porque intersecciona os dois universos representados por Black e Cusack: passionalidade, instinto, desprezo por normas, diversão; e maturidade, sucesso, dinheiro, produtividade. A oposição atinge o ápice quando a metodologia de ensino chega ao centro da história. A diretora defende que o currículo rígido seja seguido de olho nos resultados. O personagem de Black demonstra um modelo pedagógico que evoca as ideias paulofreireanas que, por sua vez, é inspirado pela pedagogia socrática.
O professor inclui as crianças no processo de aprendizagem desconstruindo a ideia de educação bancária e é contrário aos testes. Aproveita os conhecimentos prévios estimulando as potencialidades sem fugir do senso coletivo representado pela banda em formação. Um ponto interessante é que a pedagogia paulofreireana se manifesta, inclusive, no próprio professor quando ele, reconhecendo sua limitação, já que não é professor licenciado, se utiliza do conhecimento que domina para ensinar: o rock’n roll.
Por fim, o fato de se ambientar na intersecção dos universos traz ainda crítica à perda de contato desses adultos com as suas crianças. As suas crianças interiores e seus filhos. O altíssimo padrão econômico que sustenta a escola e sua reputação cobra esse preço da diretora, dos professores, dos alunos e… dos pais. Ou seja, toda a comunidade escolar é engolida pela busca irrefreada por resultados e retornos financeiros. E a escola funciona como depósito terceirizado de cuidado dos filhos. Black é a ocupação questionadora e reformadora dessa lacuna aberta.
Nesse sentido, sua presença proporciona conectar esse a outro filme, Sociedade dos Poetas Mortos. Assim como propõe uma questão que, talvez, venha a ser a central: qual o espaço da satisfação no cotidiano? Em seguida, outro questionamento tão importante quanto este: qual o real papel da educação? Afinal, como introduz a música tema:
Baby we was making straight a’s
But we was stuck in a dumb daze Don’t take much to memorize your lies I fell like I’ve been hipnotisized |
Querida, sempre tiramos 10
Mas estamos ficando bitolados Não é difícil decorar suas mentiras Parece que estou hipnotizado |