Não se preocupe, este texto não tem como objetivo desmerecer o trabalho de Einstein, ou mesmo de tecer conspirações a respeito deste gênio da ciência.

Quero na verdade conversar um pouco sobre o caminho solitário que Einstein trilhou em sua busca por uma teoria unificada dos campos eletromagnéticos e gravitacional.

Nesta conversa, gostaria de deixar a reflexão que, mesmo sendo a história de um fracasso (dado que todos os caminhos que Einstein percorreu no sentido de uma unificação do eletromagnetismo com a gravitação não se mostraram corretos), a busca de Einstein pela teoria unificada dos campos é uma homenagem ao livre pensamento e ao poder da metodologia científica.

Figura de Einstein, já idoso, com o semblante abatido. Abaixo da foto está escrito, em inglês (tradução livre minha): “Eu nunca disse metade das bobagens que o povo fala que eu disse.” Uma citação irônica, Albert Einstein.

A ideia para este texto surgiu quando li, recentemente, o livro “O Sonho de Einstein: em busca da teoria do todo” de Pietro Greco[1] (inclusive, obrigado, Tio Thi, pelo livro. Adorei!). O propósito principal deste livro pequeno mas denso (assim como uma estrela de nêutrons ou um buraco negro) não é ser uma biografia extenuante da vida e obra de Einstein, muito menos de ser um livro técnico sobre as contribuições de Einstein na ciência. É antes de tudo um livro de divulgação científica e aborda principalmente a busca de Einstein com relação ao que chamamos de Teoria Unificada dos Campos (ou Teoria de Campos Unificada).

Capa do livro “O Sonho de Einstein: em busca da teoria do todo” de Pietro Greco.

Besso e Einstein

“O sonho de Einstein” se inicia com cartas trocadas entre Albert Einstein e seu amigo de longa data, Michele Besso. Michele foi amigo de Albert desde o final dos anos 1890, a amizade se consolidou quando trabalharam juntos no escritório de patentes de Berna, na Suíça, e permaneceram amigos até praticamente o leito de morte de ambos. Interessante notar que Besso veio a falecer em 15 de março de 1955, enquanto Einstein faleceu em 18 de abril de 1955.

Vou transcrever alguns trechos de algumas cartas trocadas entre Einstein e Besso, para entendermos o quão importante o assunto da Teoria Unificada dos Campos era para Einstein.

Em 12 de Julho de 1954, Michele Besso escreve a Einstein (todos os negritos são meus, para ressaltar sobre a Teoria Unificada dos Campos):

“Caro Albert,

[…] hoje Vero [um amigo] me perguntou se eu tinha a sensação de ter entendido a Teoria Unificada do Campo. Respondi que sim, imprudentemente. Tendo percebido minha imprudência, tentei dar uma representação sucinta da teria da relatividade geral. […] os coeficientes dessas funções dependem daquilo que se propaga nesse espaço-tempo, para nós, a partir da massa do Sol com as rotações, mas não do conteúdo das cargas e correntes, aí incluídas as oscilações eletromagnéticas. Incluir estas últimas é a tarefa da Teoria Unificada do Campo.
[…] Lá onde, na teoria da relatividade geral, se encontra um ponto material, na Teoria Unificada do Campo poderia existir uma massa elétrica em rotação ou uma corrente circular, que exerceria, então, os efeitos de indução correspondentes. […] Ainda não encontrei um caminho praticável para comparar os resultados da teoria com a evidência experimental. […] Perdoe-me.

Com muito afeto. Michele.”

Um mês depois desta carta de Michele ter sido postada, em 10 de agosto de 1954 Einstein escreve sua resposta, que viria a ser a maior carta de Einstein a Besso. Peço que notem tanto um certo tom amargo de Einstein, como principalmente a lucidez do mesmo com relação à ciência e ao método científico:

“Caro Michele,

A sua exposição da teoria da relatividade geral destaca muito bem seu aspecto genérico. […] Com efeito, enquanto não for possível estabelecer o conteúdo empírico da teoria [da relatividade geral], […], a simplicidade lógica permanece o único, mesmo que naturalmente insuficiente, critério do valor da teoria.
[…] O fato de eu não saber se essa Teoria [Unificada dos Campos] é verdadeira do ponto de vista físico depende unicamente do fato de que não se consegue afirmar nada sobre a existência e sobre a construção de soluções isentas, em cada ponto, de singularidades em semelhantes sistemas não lineares de equações.
[…] Eu considero, porém, absolutamente possível que a física possa não estar alicerçada no conceito de campo, ou seja, numa estrutura contínua. Neste caso, de todas as minhas elucubrações, inclusive da teoria da gravitação, e também de toda a física contemporânea, não sobraria praticamente nada.

Cordiais saudações, A.E.”

Não sei  vocês, mas eu acho incrível um cientista como Einstein, que estava com 65 anos quando enviou esta carta a Besso e em suas plenas faculdades mentais, ter a lucidez e até a humildade de reconhecer que possa não “sobrar nada” de talvez sua maior contribuição para o conhecimento humano, a Teoria da Relatividade Geral.

Contextualizando

Vou tentar contextualizar um pouco a ambição de Einstein com relação à tal Teoria Unificada dos Campos. É bastante conhecida a trajetória de Einstein com relação às teorias da relatividade (restrita e geral), também com relação à Física Quântica e à Física Estatística. Esta trajetória praticamente se iniciou em 1905, quando Einstein publicou 6 artigos, que abrangiam três grandes áreas:

  1. Física Quântica: em seu artigo sobre o Efeito Fotoelétrico, Einstein utilizou e amplificou a hipótese de quantização do campo eletromagnético de Planck, elevando o campo eletromagnético a quanta de Energia, os fótons.
  2. Teoria atômica da matéria: em dois artigos e com a publicação de sua tese de doutoramento, Einstein abordou o movimento Browniano de partículas suspensas em líquidos. Nestes trabalhos Einstein dá indícios fortes da composição atômica/molecular da matéria.
  3. Relatividade restrita: em dois artigos Einstein propôs os princípios da relatividade restrita, que unificava parcialmente a mecânica (agora não mais Newtoniana) com o eletromagnetismo de Maxwell.

Ainda pensando em como estava a ciência Física em 1905, podemos notar que o panorama era o seguinte: a mecânica Newtoniana possuía séculos de conquistas e previsões muito precisas. O eletromagnetismo havia, há poucas décadas, sido unificado belissimamente por Maxwell (vale citar também Oersted e Faraday), em sua teoria que unificava os campos elétrico e magnético em um “novo” campo, o Campo Eletromagnético.

E mais que isso, ao unificar eletricidade e magnetismo, Maxwell também incluiu a Óptica, ou o estudo da propagação e das propriedades da Luz, como sendo um fenômeno eletromagnético. Este tipo de unificação, quando ocorre em ciência, gera frutos científicos, tecnológicos, e mesmo culturais. Podemos ver que em 25 anos aproximadamente Hertz já estava realizando experimentos com ondas eletromagnéticas baseado na teoria de Maxwell!!!

Figura mostrando, na sequência da esquerda para a direita: Faraday, Maxwell e Hertz. Basicamente as pessoas que nos proporcionaram, há cento e poucos anos, a oportunidade de enviar sinais via ondas eletromagnéticas e mandar aquele meme ou aquela fake news todo dia.

Um último comentário para contextualizar: até a década de 1930 achava-se que existiam somente duas Forças fundamentais na Natureza, ou seja, não havia sido ainda descoberta a Força Fraca nem a Força Forte (apesar de alguns estarem negando as aparências, e disfarçando as poucas evidências). Estas foram consolidadas na década de 1950 (Força Fraca) e 1970 (Força Forte). Mais que isso, o Nêutron só foi descoberto em 1932. Portanto, o cenário que Einstein trabalhou por muito tempo foi da existência de somente duas Forças da Natureza: a Força Gravitacional (Relatividade Geral) e a Força Eletromagnética (Campos de Maxwell).

Deixe-me trazer o amor do campo para você (Let me bring you love from the field)*

A ideia de “campo” em Física é antiga, remontando ao próprio Newton. Ao propor sua teoria da gravitação Newton sabia que havia ali um “problema”: de que maneira o Sol informaria para a Terra sua presença, dado que a gravitação Newtoniana acontece instantaneamente e à distância? Newton sabiamente se afastou do debate de como a gravidade ocorria, disse que “[…] ainda não fui capaz de descobrir a causa destas propriedades da gravidade a partir dos fenômenos, e não construo hipóteses.[2]”

Porém, este afastamento da pergunta de “o que é esta ação à distância” não durou muito. A manifestação da gravidade deve ser determinada, deve haver algo que realiza esta interação entre os corpos. Podemos pensar então em um campo gravitacional, uma entidade que permeia todo o espaço, de maneira contínua, e que será a responsável pelos corpos “escorregarem” neste campo uns em direção aos outros. Mas esta ideia de campo é vista, até Faraday e Maxwell, como um auxílio matemático. O campo era visto como uma ferramenta matemática útil para que conheçamos a entidade básica, a Força.

Com Maxwell e sua teoria eletromagnética (que inclui também a óptica), o campo eletromagnético “ganha vida”, passa a ter Energia, Momentum Linear, Momentum Angular, pode transportar informação. Mais que isso, o campo eletromagnético possui uma velocidade máxima que ele pode se deslocar, no caso a velocidade da Luz.

Desenhos originais de Faraday com suas linhas de campo magnético (1852). Faraday foi talvez um dos primeiros cientistas a introduzir uma realidade física à entidade campo, no caso o campo magnético. São vários quadros, como uma tabela, onde Faraday desenhava as linhas de campo inventadas por ele, que seguiam o fluxo de limalhas de ferro espalhadas.

Após os trabalhos de Maxwell a ideia de campo em física se estabeleceu, e a próxima teoria de campo realmente de sucesso em física foi justamente qual? A Teoria da Relatividade Geral, que estabelecia que as massas (na verdade massas, energias e momentum, que formam o que chamamos de tensor Energia-Momentum) geral uma deformação no espaço-tempo, no continuum espaço-tempo, formando assim um Campo Gravitacional.

Einstein e sua luta pela Teoria Unificada dos Campos

Com o sucesso da Teoria da Relatividade Geral, Einstein inicia dois programas aparentemente distintos, mas que fundamentalmente estão conectados: a sua busca pela Teoria Unificada dos Campos e sua batalha contra a teoria dos quanta (esta última por sinal teve Einstein como um de seus fundadores e consolidadores). Em ambos os programas Einstein foi “derrotado” (MUITAS aspas), porém esta ideia de “derrota” não conta para a ciência. O que nos interessa é o método, e a confirmação por evidências. E é neste caminho que Einstein, mesmo “derrotado”, contribui enormemente para o desenvolvimento inclusive de ambos os programas “vitoriosos”.

Para perceber o que aparentemente incomodava Einstein com relação ao primeiro programa, o da busca pela Teoria Unificada dos Campos, podemos lembrar que tanto os campos de Maxwell quanto a Teoria da Relatividade Geral estavam, digamos, de vento em popa. Vários resultados experimentais e novas tecnologias haviam surgido devido à Eletrodinâmica de Maxwell, e o avanço da Relatividade Geral era notório. Porém, sempre ela, a Mecânica Quântica, estava por ali, sorrateira, tentando sabotar os planos de Einstein. Observe que na Mecânica Quântica aparecem várias quantidades que são discretizadas, como partículas, e isto claramente não “combina” com a ideia de Campo contínuo, como Einstein assim desejava: “O grande obstáculo para uma teoria unificada dos campos é a concepção da estrutura atômica da matéria e da energia, porque a teoria unificada dos campos é fundamentalmente não-atômica, na medida em que opera exclusivamente com funções espaciais contínuas.”

A primeira proposta de Einstein para unificar os campos gravitacional e eletromagnético foi através de trabalhos de Kaluza e Klein, que desenvolveram uma teoria matemática onde o universo quadrimensional pode ser visto como uma “fatia” de um universo de 5 dimensões. Sendo assim, depois de geometrizar o campo gravitacional (Relatividade Geral), Einstein tenta o caminho de tentar observar o Universo em 5 dimensões de modo que o eletromagnetismo poderia ser visto como uma extensão para esta nova 5ª dimensão.

Apesar de ter publicado artigos nessa linha, este caminho se mostrou incoerente. Mas se lembrarmos da atual teoria de cordas em que se assume que o Universo quadridimensional surge de um Universo em 11 dimensões**, podemos pensar que o programa de Einstein, apesar de “derrotado”, rendeu frutos científicos.

A próxima tentativa de Einstein em busca da Unificação foi de geometrias pós-Riemannianas. Não cabe ser técnico neste texto, mas a ideia é generalizar o tipo de geometria que era utilizada na própria Teoria da Relatividade Geral, usando novas classes de geometrias, chamadas conexões, para tentar (sendo um pouco tosco) “conectar” as propriedades diferenciais físicas com pontos do espaço-tempo curvo.

Novamente, este caminho não se mostrou totalmente correto, porém é notável e de se admirar como o trabalho de Einstein influenciou tanto a Física quanto a Matemática, pois estas ideias de conexões foram e são extensivamente trabalhadas.

Uma pequena conclusão

Durante mais de 40 anos (!!!) Einstein perseguiu sua Teoria Unificada dos Campos, sem ter êxito. Seu caminho foi, por vários momentos, solitário, teimoso. Em alguns momentos Einstein foi, no âmbito da ciência, totalmente revolucionário, em outros momentos totalmente conservador. Dadas as atuais tentativas de unificação em Física**, é muito evidente que o grande projeto de Einstein continua vivo. Não só pela busca por uma Teoria de Campos Unificada, mas pela beleza e “simplicidade” relativa da Ciência.

Mas como conclusão, queria deixar aqui o gancho para enaltecer, através desta história de “fracasso” do maior Fisicista do século XX, o poder do pensamento científico: lendo não somente o livro citado sobre Einstein como outras biografias, podemos perceber que a Ciência, essa danada dessa Ciência, é sim muito humilde. Ela “gosta” de dar umas rasteiras nos(as) cientistas, porém mostrando sua coerência em termos empíricos, observacionais, computacionais, etc. A tal da Ciência e seus métodos aceitam estarem errados, desde que evidências mostrem isso, sem ser por argumentos falaciosos ou conspiracionistas***.

A busca incessante de Einstein pela Teoria Unificada dos Campos nos mostra que os(as) cientistas estão aí para isso, para bolar hipóteses, bolar métodos, criar conceitos, fazer previsões, tentar compreender a Natureza. Esta última por sua vez nos presenteia com mais e mais dúvidas, falseando muitas teorias, corroborando outras, e com isso nós deveríamos, ao menos, ser sábios e sábias para utilizar a tal da Ciência não para destruir, mas para criar, preservar e tentar enxergar a beleza.

Einstein e os quanta (ou um posfácio)

Em 1905, a recente Física dos quanta ainda estava engatinhando, com poucos trabalhos relacionados a ela. Einstein, apesar de sua “birra” totalmente justificável com relação aos quanta e a esta nova Física que aparentava ser não-causal, foi pioneiro em aplicar as hipóteses de quantização e também a refletir sobre o impacto desta tal “Física Quântica” nas demais teorias físicas, e mesmo em aspectos do conhecimento em si. O amigo de Einstein, Michele Besso, apelidou a luta da Einstein com a Física Quântica de “Dom Quixote de La Einsta contra os malvado quanta”, mas esta história vou deixar para outro texto. :)

Algumas boas biografias de Einstein

Para quem tiver interesse em biografias sobre Einstein, aconselho as seguintes (a referência [1] é a que me baseei para este texto):

  • [1] O Sonho de Einstein: em busca da teoria do todo. Pietro Greco. Link livro: https://editoraunicamp.com.br/produto/248/sonho-de-einstein-o-em-busca-da-teoria-do-todo-
  • [3] Einstein Apaixonado, um romance científico. Escrito por Dennis Overbye. Apesar do título ser bem estranho, é uma biografia não técnica, que fornece uma leitura razoável.
  • [4] Einstein, sua vida, seu universo. Escrito por Walter Isaacson. Uma biografia não tão romantizada como a citada acima, uma ótima leitura.
  • [5] Sutil é o senhor… . Escrito por Abrahan Pais. Talvez a melhor biografia de Einstein, contendo inclusive MUITAS coisas tecnicamente bem explicadas.

Forte abraço,

Leo.

Referências

* Songs from the Woods, Jethro Tull: https://www.youtube.com/watch?v=z4UYX2qpUK0
** Para livros sobre Teorias de Unificação atuais, aconselho:
→ Sobre Teoria das Cordas: GREENE, Brian. O universo elegante: supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. Companhia das Letras, São Paulo, 2001.
→ Sobre Gravitação Quântica em Loops: https://www.scientificamerican.com/article/atoms-of-space-and-time-2006-02/
→ Sobre Gravitação Quântica: SMOLIN, Lee. Three roads to quantum gravity. Basic books, 2008.
*** Notem: cientistas são seres humanos, cientistas podem ser arrogantes. A Ciência e suas abordagens tendem a ser MUITO humildes, aceitando “derrotas” de teorias devido a evidências experimentais. Exemplo? Cloroquina e COVID. Reflitam.

[1] Sonho de Einstein: em busca da teoria do todo. Pietro Greco. Link livro: https://editoraunicamp.com.br/produto/248/sonho-de-einstein-o-em-busca-da-teoria-do-todo-
[2] Hypotheses non fingo. Este trecho foi tirado do Escólio Geral, do livro 1 dos Principia de Newton.
[3] OVERBYE, Dennis. Einstein apaixonado: um romance científico. Globo, 2002.
[4] ISAACSON, Walter et al. Einstein: sua vida, seu universo. Editora Companhia das Letras, 2007.
[5] PAIS, Abraham. Sutil é o Senhor. A ciência e a vida de Albert Einstein, Ed. Nova Fronteira, 1995.